• Nenhum resultado encontrado

3.9 Mortes inexplicáveis para o discurso noticioso

3.9.1 O caso da “mãe assassina” nas páginas do Diário dos Campos

A cobertura dos assassinatos cometidos por Deuceni Amaral em 2012, na cidade de Palmeira, município na região dos Campos Gerais, representa o caso analisado mais vazio do ponto de vista noticioso. Entre a cobertura dos acontecimentos morte discutidas na pesquisa, o caso da “mãe assassina” é o com menor volume de informações publicadas nos jornais diários de Ponta Grossa.

No Diário dos Campos, o noticiário do assassinato das duas crianças cometidos por Deuceni é extremamente factual. Na edição de 11 de julho de 2012, o DC publica uma chamada com foto na capa: “MULHER MATA OS DOIS FILHOS”. O texto que acompanha a chamada informa sobre a forma como Deuceni teria matado os filhos (“a golpes de barras de ferro e facadas”), além de ressaltar que a mãe teria atraído as crianças para o matagal com a desculpa de “brincar de esconde-esconde”.

A construção do acontecimento a partir do inexplicável fica clara na formulação textual do Diário dos Campos. Ao ressaltar o modo como a mãe teria matado os filhos e a maneira pela qual as crianças haviam sido ‘atraídas’ para um matagal a partir de uma brincadeira, o DC deixa claro o caráter inaceitável da morte – nesse caso a ritualização

!

jornalística (ANTUNES, 2012) não consegue apresentar a morte em questão como algo socialmente aceito e o caso varia entre o inaceitável e o inexplicável. O discurso jornalístico parece não ter opções para explicar o acontecimento em questão e com isso os desdobramentos da morte não são expostos.

Imagem 34 – Capa do Diário dos Campos da edição de 11 de julho de 2012

Fonte: Do autor

Na página da editoria de Polícia, o DC dá espaço privilegiado para o caso. Com o título “Mulher confessa ter matado os dois filhos”, o jornal publica uma reportagem ilustrada por três imagens: além de um retrato de Deuceni, o Diário dos Campos exibe uma foto da retirada dos corpos e uma imagem que mostra a faca que teria sido utilizada no assassinato. Na linha de apoio, o periódico informa: “Mãe, de 25 anos, admitiu ter assassinado as crianças – de dez e sete anos – usando barra de ferro e punhal. Crime foi cometido na noite de segunda-feira”.

A reportagem qualifica o assassinato como um “crime chocante” e afirma que até os policiais que atenderam a ocorrência, acostumados com as “atrocidades do ser humano”, ficaram abismados com a situação. A notícia do Diário dos Campos informa que Deuceni teria admitido que havia premeditado a morte das crianças e narra a maneira como a mãe caiu em contradição com a chegada dos policiais militares, além de informar que Deuceni não teria “demonstrado arrependimento”.

!

Com o acontecimento morte não encontrando referências no plano racional e sem possíveis interpretações a partir do plano sobrenatural ou de quesitos misteriosos como já visto em outros casos, a cobertura se restringe a aspectos estritamente formais, demonstrando uma dificuldade do discurso jornalístico em ritualizar o acontecimento. Em outros casos analisados, a morte foi retratada no noticiário a partir de características que fugiam do plano racional e eram interpretadas na lógica sobrenatural, como é o caso do Bruxo do Guaragi.

No caso em que a mãe mata os dois filhos, admite o crime logo em seguida e não mostra arrependimento após o fato, o discurso jornalístico se vê limitado na interpretação e tematização da morte que fica na área do chocante, mas sem maiores (re)significações. O assassinato das duas crianças parece estar para além de um esclarecimento possível a partir narrativa dos jornais ou mesmo das explicações que variam entre a morte ordinária e a extraordinária (VAZ, 2012).

Na cobertura de outros casos estudados, o discurso jornalístico utilizou explicações que variavam da morte rotineira e ordinária, tida como aceitável, principalmente quando registrada na periferia, ao óbito inaceitável e que envolvia pessoas de notoriedade social. No caso de Deuceni, a mãe que assassina os dois filhos durante uma brincadeira de esconde- esconde, o assassinato tem uma motivação tão banal e ao mesmo tempo inexplicável que praticamente não existem desdobramentos do acontecimento morte no DC.

O caso só volta a compor o DC em uma oportunidade durante o período de três meses da coleta. Na edição de 20 de julho, o Diário dos Campos publica uma chamada sem foto na capa: “POLÍCIA CONCLUI INQUÉRITO DA MÃE ASSASSINA”. No texto que acompanha a chamada na capa, o jornal informa: “Deuceni Amaral confessou ter assassinado os dois filhos, em Palmeira, no início do mês. Ela foi indiciada por homicídio duplamente qualificado. Polícia descarta a possibilidade de Deuceni sofrer de problemas mentais”.

Já na chamada da capa o DC descarta uma das únicas possibilidades do caso ser reapresentado ao público em espaço de destaque: um possível problema mental por parte de Deuceni. Na editoria de Polícia, a notícia recebe o espaço secundário e tem mesmo título da primeira página – o delegado responsável pelo inquérito sustentava que Deuceni não tinha problemas mentais, enquanto o advogado da mãe garantia que ela não estava em condições mentais e emocionais adequadas.

Enquadrando o acontecimento morte a partir de questões basicamente factuais (o crime a solução do inquérito), o DC encerra a cobertura dos assassinatos em Palmeira sem realizar desdobramento diante do fato. O roteiro do noticiário sobre o acontecimento também segue a natureza do próprio fato: com solução rápida por parte das autoridades e sem aspectos

!

que possam gerar dramatizações, o noticiário do DC foca justamente na retirada das características humanas de Deuceni (“não apresentou arrependimento”) para noticiar o fato.

No entanto, durante os três meses de acompanhamento da cobertura do Diário dos

Campos, a morte compôs outros locais de destaque no noticiário, inclusive com

acontecimentos que mobilizaram a cobertura do periódico. No próximo tópico a análise será voltada a composição rotineira do acontecimento morte, seja ele um fato socialmente aceito e noticiado de maneira protocolar ou retratado como algo que irrompe a realidade e causa desdobramento em outras esferas da vida em sociedade.