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3.2 A ESCOLA E SEUS FAZERES: PÓS-DEMOCRACIA DO ENSINO

3.2.2 Dimensão social e pessoal

3.2.2.4 A mudança de valores familiares

Para a maioria dos professores entrevistados, a crise de desinteresse atual está relacionada à ausência da família na educação dos filhos. Ivone acha que: ―infelizmente,

porque tá faltando mais... mais do que escola. É família ...Valores que os pais passam pro filho”. Para ela, ―responsabilidade‖ seria um dos deles e do qual a escola sente falta. Sonia diz

que: “tem muitos alunos que não têm uma estrutura familiar boa que a família é

desestruturada”. Na esteira da desestruturação familiar, Rosangela afirma que, hoje em dia, o

mundo mudou e que escola e família, inseridas nesse contexto mundial de transformação, também mudaram: Acho que o mundo todo mudou, não é só a escola aqui, a família mudou

muito, antes a gente tinha pai e mãe ali presentes, hoje o que acontece a mãe e pai saem de manhã e voltam só à noite, os encontros almoços e jantares não são constantes, a gente sabe que isso não acontece mais, não existe mais aqueles diálogos, aquela preocupação, como você foi, o que você fez hoje, então é isso, a família esta também estruturada de uma forma bastante diferente.

Nesse modelo familiar, pai e mãe se ausentam de casa, eles não se preocupam mais com os filhos, não conversam não se reúnem mais à mesa na hora das refeições. Essa estrutura familiar contemporânea difere muito da anterior e isso tem seus reflexos no dia a dia do filho tanto em casa como na escola.

A professora Nadir acredita que o avanço da vida moderna tem pontos positivos e negativos e atribui pontos negativos à TV42. Para ela, a falta de respeito das crianças está relacionada com esse tipo de mídia: “aí cê vê, a televisão, cê quer melhor escola

do que a televisão? A falta de respeito para com os pais, para com os professores, pra com os colegas em si. Né? É uma falta de respeito e isso aí eles acham que tá tudo certo”. Para

Cortella (2012) atitudes de impaciência da criança e intolerância são provocadas pela TV, como corpo docente. Os pais saem para o trabalho e ela passa milhares de horas diante do aparelho. Os efeitos da velocidade dessa mídia são perda de concentração e de foco, o que a torna intolerante. Em suma, a convivência com a rapidez da TV torna a morosidade da sala de aula intolerável para a criança e isso tem sido demonstrado através de sua apatia, desatenção, impaciência e desobediência.

42 - Na década de 1960, uma extensa rede de televisão, que tinha começado a ser implantada na década anterior,

Para Odila, esse modelo familiar eliminou a distância que existia anteriormente entre pais e filhos e isso refletiu negativamente na escola: Os pais eliminaram esta distancia

entre as gerações [....], eu acho que é assim uma maneira de dosar a proximidade, ai seria útil, muito proveitoso, ate para a disciplina em sala de aula, porque eles iriam entender essa hierarquia, né, e ninguém aprende isso, são poucas as famílias que conseguem passar esses valores, um pouco porque tem que trabalhar muito, ficam muito fora de casa, porque a vida hoje , tem muitas despesas, a vida exige, ou as vezes os pais querem proporcionar aos filhos o que não tiveram, e está errado isso, o que a gente teve foi o que formou o caráter da gente, foram os valores familiares, foi algumas concessões que você teve que fazer, algumas renuncias.

Segundo a professora, para proporcionar bem estar aos filhos, pai e mãe saem para o trabalho e não têm tempo em casa para lhes passar valores familiares. Na expressão:

“ficam muito fora de casa‖, porque a vida hoje, têm muitas despesas, a vida exige [...], subjaz

o grande peso da sociedade de consumo na qual a família contemporânea se insere e, na sequência: os pais querem proporcionar aos filhos o que não tiveram, está implícito um ato compensatório, ou seja, o filho caracterizado como seu bem de consumo mais precioso não pode sofrer, por isso, lhe é dada autonomia e tudo mais que estiver à venda em tal sociedade (SAYÃO, 2012). A criança, sem entender limites, acaba transferindo erroneamente a liberdade que tem em casa para outros espaços, inclusive o da escola.

Tal fato explicita-se na fala de Nadir: “a família de repente ficou ausente. Pelo

menos boas maneiras, que é o que está faltando, eles não ensinam nada. Eles não admitem que chame atenção. É bem complicado. Agora se eles vão bem, eles são excelentes. Se eles vão mal, o professor que é culpado”. Nota-se que, apesar de deixar para escola aspectos da

formação da criança, a família não admite “que se chame a atenção da criança” e na maioria das vezes a desautoriza perante a criança. Acredito que tal incoerência tem um peso enorme na crise vivenciada pela escola e pelo ensino de LE inglês.

Nadir enfatiza que a falta de apoio familiar é notada nas reuniões ou convocação de pais: ―então você chama os pais na hora de um problema [...] os pais são

ausentes [...]Pai de aluno indisciplinadíssimo não vai à escola. Só vai aqueles que são bons alunos que não há necessidade do pai estar lá”. Percebe-se, então, que quanto mais

problemático é o aluno, mais ausente é a família, deixando implícita a desestruturação familiar como causa. Além de não lhe ensinar boas maneiras, “que é o que está faltando”, não admite que se lhe chame atenção e a culpa do fracasso recai na escola e no professor.

Karina, que achava ser possível fazer um bom trabalho com as quintas séries, observa que, a cada ano, o nível de atenção dos alunos desta série tem decaído muito e o mesmo pode ser dito do nível de comprometimento dos pais: O nível de desatenção de aluno,

muito grande, é a falta de comprometimento do aluno, dos pais, muito grande. [...] eu tive um choque quando eu peguei aquela quinta série, assim, aluno de quinta série, tentando me enganar, não trazia o caderno, eu mandava recado no caderno pros pais, pegava outro caderno, mandava o recado, pedia praquele bilhete vir assinado, não trazia. Aí eu encaminhava para a direção e pedia pra direção entrar em contato com os pais, mas não tinha retorno.

Ainda a esse respeito, Karen expõe o seguinte: “a gente vê que o aluno que vai

bem, aqueles dez que eu te falei eles tem a questão família, na reunião você percebe que o pai fica preocupado, que aquele aluno que fala pode dar 4 mesmo é aquele aluno que o pai nem aparece na reunião e ele sabe que ele não vai ter essa cobrança da família”. Em sua opinião,

numa sala de trinta e cinco alunos, apenas dez aproveitam as aulas e por trás deles “tem a

questão família”, ou seja, o interesse e preocupação dos pais pela atuação e desempenho do

filho estão presentes.

Ivone também acha que a sociedade mudou. Para ela, parece haver uma indisciplina social gerada pela impunidade: Eu acho que o grande problema não é nem escola

mais. É a sociedade [...] disciplina, não do jeito que tá hoje, nunca. Porque acho que hoje, o que acontece... [...]. A sociedade é indisciplinada, não há condições mais. Todo mundo faz o que quer, como quer. [...]. Ninguém respeita lei nenhuma, não respeita nada. Tem exceções, claro, mas a grande maioria não segue. E na... a época que a gente lecionava havia muitas sanções e as pessoas respeitavam isso. Então era mais fácil. Tudo era mais fácil. Viver foi bem mais fácil. Foi mesmo. Não era difícil educar filhos. [...] O nosso exemplo ajudou, mas a sociedade ajudava. Valorizava o estudo. [...] Não é como agora, parece que ninguém liga mais pra isso né? Tá tudo... olha eu não sei..

Na sua época havia indisciplina, mas não como atualmente. Hoje em dia, a sociedade parece estar indisciplinada. Nela, “todo mundo faz o que quer e como quer” em qualquer hora e lugar e sem punições. As sanções existiam em todos os lugares e começavam em casa, na família, por isso era mais fácil viver e educar os filhos. Havia uma valorização social e familiar ao estudo e ao bom comportamento, e hoje em dia “ninguém liga mais para

isso”. A pausa, após ―está tudo...‖ expressa a falta de palavra que qualifique aquele estado de coisas ruins, que a meu ver, poderia ser ―está tudo sem controle, sem autoridade‖.

De fato, a indisciplina social perpassa todas as instâncias da sociedade. A palavra “sanção” funcionava no passado e hoje nada existe em seu lugar. Como palavra diz respeito à punição, ela nos remete ao autoritarismo do passado. Como também não prego essa volta, porque escola e família eram muito autoritárias naquele período, penso na palavra ―autoridade‖ no lugar de ―sanção‖. Hoje em dia, poucos pais exercem-na sobre os filhos e tampouco as escolas sobre seus alunos. Assim como autoridade docente só se exerce com competência profissional (FREIRE, 1991), a autoridade escolar e familiar também. Atualmente, parece-me que falta autoridade gestora a muitas instituições de ensino como também a muitas famílias, o que, de certa forma, tem alicerçado a crise de autoridade em que vivem.

O sentimento de desvalorização vivido pelos professores em meio à crise de autoridade escolar está ligado à questão salarial e isso sem dúvida tem efeitos negativos na dimensão social da sala de aula43. Essa questão será discutida em sequência.