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Formação dos professores e percurso da carreira

3.2 A ESCOLA E SEUS FAZERES: PÓS-DEMOCRACIA DO ENSINO

3.2.1.1 Formação dos professores e percurso da carreira

escola no período pós-democracia do ensino.

3.2 A ESCOLA E SEUS FAZERES: PÓS-DEMOCRACIA DO ENSINO

Nesse período inserem-se seis professores em serviço, cujas carreiras tiveram início na década de 1970, 80 e 90 respectivamente. Suas histórias deixam clara uma relação temporal com o presente e, algumas vezes, mesmo que de forma implícita, com o passado. No presente, nota-se um tom de desencanto, desânimo e, às vezes, de resignação. As referências ao passado têm a ver, na maioria das vezes, com um passado recente e evidenciam sua indignação diante da rapidez das mudanças ocorridas na escola. Tendo em vista que os cinco professores aposentados saíram da ativa nos anos 1980 e, desse modo, vivenciaram o início desse período, serão também inseridas algumas de suas observações durante a análise.

Vejam-se, na sequência, a análise da dimensão pedagógica.

3.2.1 Dimensão pedagógica

Diferentemente dos professores do período anterior, os professores deste período não têm problemas com escassez de escolas e os efeitos por ela produzidos nessa dimensão. Instituições escolares em número suficiente garantem espaço para alunos e professores seguirem suas carreiras. Por isso, problemas com concursos dificílimos e remoções de uma cidade a outra para poder lecionar não mais fazem parte de seu discurso. Todavia, a questão que diz respeito à formação do professor, faz, por isso, passo a abordá-la.

3.2.1.1 Formação dos professores e percurso da carreira

Quanto à formação, este contexto oferecia três opções: instituições de ensino superior estadual, federal e particular. Por exemplo, Paulo fez Letras em uma instituição particular: “[...] eu fiz faculdade, eu fiz na UNICASTRO33, nem era esse nome. Era

―Faculdade de filosofias e letras Camilo Castelo Branco‖ em São Paulo‖. Rosângela fez o

mesmo, mas em uma instituição do interior: ―eu fiz em Ribeirão Preto na Barão de Mauá,[...]

Porque eu realmente gostava de inglês”. Sonia também estudou na mesma faculdade: “... formei lá depois eu fui morar nos Estados Unidos para adquirir fluência[...] Barão de Mauá, na minha época não tinha Federal, tinha sim , mas meu pai não deixava mudar de cidade pra estudar, então eu estudei lá”. Já Karina, estudou numa instituição federal de ensino superior

do interior: “ fiz licenciatura em letras português e inglês, mas o inglês nunca foi a minha

prioridade no curso”. Silvana fez o mesmo, mas em uma instituição estadual do interior: eu comecei a fazer um curso de inglês quando eu tava acho que na quinta ou sexta série ,[...] quando eu estava no segundo ano do ensino médio,[...] a dona da escolinha onde eu estudava [...]me convidou pra ser monitora de inglês e ai eu comecei a dar aula de inglês [...]e ai eu comecei a gostar mais assim e resolvi fazer faculdade de Letras,entrei [...]na UNESP de Araraquara.

Estes professores, de certa forma, representam o professor de língua inglesa das instituições oficiais de ensino do estado de São Paulo. Muitos são egressos de instituições particulares e, poucos, de instituições oficiais. Apesar das diferentes histórias de vidas, têm em comum o gosto pelo ensino e pelas humanidades a lhes dirigir a opção profissional, o que, de certa forma, atribui algumas similaridades ao percurso dessa carreira.

Por exemplo, o gosto pelo ensino da língua inglesa fez com que Silvana optasse pelo curso de Letras. Rosangela, no magistério há 36 anos, afirma que: “Estou aqui

porque gosto, faz parte da minha vida, se eu fico longe eu sinto muita falta. Então é algo que me satisfaz, apesar dos pesares, [...] a gente esta aqui por que gosta realmente”. Paulo, por

sua vez, enfatiza que: “na sala de aula eu me realizo. Então ali eu me transformo. Gosto do

que eu faço senão teria... eu não faço, não trabalho por causa do dinheiro, porque senão eu poderia ter escolhido outra profissão”. Karen também diz que: “sempre pensei em ser

professora, desde pequenininha, [...], nunca me imaginei fazendo outra coisa”.

O fato de muitos deles já atuarem no ensino antes ou durante o curso universitário torna a carreira similar. Assim como Priscila, Sonia também atuou em uma escola de idiomas antes de ingressar numa escola estadual: “eu entrei no Estado em 1989,

mas antes eu dava aula em uma escola de inglês particular”. Paulo, afirma que: “eu leciono desde 83, até hoje, [...] e tudo começou como eventual como toda carreira de professor começa”. De fato, nessa época, a carreira do professor começava como ―eventual‖, ou seja,

as escolas do estado absorviam professores ainda em formação e professores recém-formados para darem conta do grande número de aulas disponíveis.

professor começa” explicita que este estado de coisas ainda continua, ou seja, universitários de cursos de licenciaturas, pelos mais diversos motivos, ainda continuam atuando em escolas públicas como eventuais e em instituições particulares com algum tipo de contrato de trabalho. Quanto às escolas de idiomas, basta a pessoa ser competente linguisticamente para ser contratada, os casos de Silvana e Sonia.

Rosangela, na ativa desde 1976, sempre deu aula no estado: “A primeira aula

que eu dei foi uma licença que eu peguei, época de eleição, o professor era candidato a vereador e advogado também,ele se afastou durante trinta dias, [...]”. Como iniciou a

carreira na transição de um período a outro, começou substituindo um daqueles profissionais liberais que também atuavam no magistério como professor estável e também teve de viajar de uma cidade a outra para completar a jornada de trabalho e se manter na rede: ai eu passei no concurso e foi regional, na DRE de Ribeirão Preto,[...], fui bem classificada, ai, eu peguei duas cidades, eu morava em Dobrado uma cidade pequenininha,ai eu me lembro muito bem que precisei pegar o carro do meu pai[...], a tarde eu estava em Santa Enerstina e à noite eu trabalhava em Matão. (Rosangela)

Cabe ressaltar que os concursos classificatórios das Delegacias Regionais de Ensino surgem nesse período e, como um banco de dados, cadastravam professores para as vagas remanescentes.

Logo após ter se formado em português e inglês, Karina começa a dar aulas de inglês: [...] E depois quando eu terminei a graduação, apareceram aulas de inglês para eu ministrar, era a única coisa que tinha na época e aí eu fui e enfrentei né? De vez enquando precisa, eu tenho que enfrentar. E comecei a dar aula de inglês, eu gostava tudo, embora não fosse assim, aquilo que eu realmente queria, tal mas, fui dar aula de inglês um ano depois que eu comecei a fazer o mestrado de estudos literários. Depois de dois anos apareceu o concurso do estado, a oportunidade de prestar o concurso. E eu prestei português e inglês. Português, eu também passei em português, mas eu passei, eu só peguei aula em Ribeirão Preto, aí como o inglês eu tinha conseguido aqui na cidade eu exonerei o português e fiquei só com a aula de inglês.

Ela já havia mencionado que a disciplina inglês nunca fora sua prioridade durante o curso, mas diante da necessidade, ou seja, diante da única opção que lhe sobrara na época, “enfrentou” o ensino da matéria que realmente não queria. O golpe irônico fatal acontece dois anos depois, quando no concurso público é aprovada nas duas áreas, mas acaba escolhendo inglês por comodidade, ou seja, para ficar na sua cidade, opta mais uma vez

“enfrentar” o ensino da disciplina que realmente não queria.

Embora Karina seja uma professora de inglês responsável e competente, sua história é igual a de muitos outros professores de línguas, ou seja, porque possuem habilitação em duas disciplinas, acabam, muitas vezes, atuando também naquela com a qual

não têm muita afinidade. Isso tem relação com a dupla licenciatura oferecida pelos cursos de graduação. Durante esse curso, devido às afinidades pessoais, os alunos tendem a priorizar uma língua em detrimento da outra, ou seja, investem naquela de que gostam mais.

Tendo a compreender que uma segunda língua num curso de Letras, além de enriquecê-lo, passa a ser um “bem” a mais para o licenciando. Todavia, também entendo que, no contexto da escola pública, por vários motivos, ela talvez acabe atuando como um

“coringa” nas mãos da escola e de muitos professores durante o percurso de suas carreiras. O

professor Paulo explicita esse fato em sua narrativa. Para ele, nos anos 1980 os professores evitavam o ensino comunicativo por que: [...] eram contra, [...] talvez não tinha o domínio da língua, porque uma das dificuldades do professor de inglês na época era que eles não saíam falando inglês e muitos nem pegavam aula de inglês porque eles achavam que eles não sabiam dominar a língua. Então era difícil, aula de inglês sempre sobrava ou então eles pegavam como carga suplementar, não tem português, então vamos dar aula de inglês e os alunos começou a essa dificuldade, não eram todos os professores de inglês que gostavam de dar aulas,então os alunos tinham essa dificuldade em aprender, porque os professores iam e davam só musiquinha, pedia só pra traduzir, né, e não trabalhava o inglês.

Neste trecho, duas questões emergem. A primeira evidencia a dupla licenciatura como um “mal”, porque levava professores despreparados linguisticamente a complementar a carga horária na mesma escola, e a segunda, explicita o efeito produzido por essa possibilidade, ou seja, aulas mal dadas que levavam os alunos a se desinteressar pela disciplina. Tal problema tem relação com a má formação oferecida na época, ou seja, no auge da democratização do ensino, a necessidade de mão de obra nas escolas fez com que proliferassem Faculdades que ofereciam licenciaturas duplas em três anos, no período noturno, em todo o Brasil. Veja-se o que o professor Paulo, egresso de um desses cursos, diz:

[...] eu fiz um curso de licenciatura plena em 3 anos. Então naquela época aqueles 3 anos valeu por o que muita gente ta fazendo em 4. Eram bons professores, né? Mas a parte de inglês eu tive que procurar fora, fazer curso, porque eu lembro até hoje na faculdade que eram uns 110 alunos na sala. E o professor de inglês já entrou falando inglês e todo mundo achou ruim. Eu não sei por que é que eles estavam fazendo letras então, né? E aí o professor foi... tentou. Mas ai ele era bem esforçado, mas aí chegou uma hora que ele não conseguiu e teve que falar português... então eu já acho que... mas eu acho que o que a faculdade me deu, me ajudou na profissão. Eu acho que como toda a profissão você tem que correr atrás.

Embora afirme que os professores tenham sido bons, que os três anos valeram por quatro da licenciatura plena, e reconheça também que teve de resolver a questão da competência linguística fora da Faculdade, os 110 alunos que não queriam ouvir o professor falando inglês na aula dessa língua e, ao final, o professor se render a isso explicitam que algo estava errado.

E mais, mostra também que este é o retrato das centenas de licenciaturas espalhadas por todo o Brasil, ou seja, salas com centenas de alunos contemplados com uma segunda licenciatura para qual tinham dado pouca atenção. Certamente neste número de alunos havia aqueles que, como Paulo, se interessavam pelo inglês e apresentavam tal deficiência em escolas de idiomas particulares, mas acredito que esse número era reduzido. Em suma acho que o descrédito sofrido pelo ensino da língua inglesa ao longo desses anos teve seu início nesse tipo de má formação dos professores. Situação esta que ainda continua, visto que esse modelo ainda persiste nas inúmeras licenciaturas duplas de curta duração34 de Faculdades particulares existentes no Brasil. Se existem é porque têm seus projetos pedagógicos aprovados pelo Ministério da Educação – MEC (PAIVA, 2006).

Ao falar da resistência de seus colegas em aceitar novas propostas de atuação em sala de aula oferecidas pelas Diretorias de Ensino do Estado, Paulo, de certa forma, explicita isso: ―olha isso vem desde a época... desde 84, 85 que eu comecei a dar aula, é aquela coisa, eles não gostam do novo. Né? Então pra eles o novo é aquela barreira. Eles nem dão a chance... se dão a chance, né? De aprender, de ta vendo e tentar fazer em sala de aula. Né?‖.

Nesse trecho, o “eles” enfatizado por Paulo refere-se aos professores, e na palavra “barreira” parecem estar implícitas as atitudes de desinteresse e acomodação provocadas pela má formação. Essa parede que resiste ao novo, talvez, tenha a ver com a insegurança profissional e isso, de fato, tem desqualificado a autoridade do professor de língua inglesa. Paulo Freire (1991) afirma que a segurança com que a autoridade docente se move implica outra, a que se funda na sua competência profissional. Nenhuma autoridade docente se exerce sem esta competência.

Ivone, professora aposentada, atribui os problemas vividos pelos professores a sua má formação: “... agora com o nível que está, os alunos não... os próprios professores

não tem formação mais”. Aquela formação que devia ter. Na esteira de Ivone, Nadir, aponta

o mal trabalho das instituições da época:[...] e essas escolas de formação, muito deficientes.

Então começou a lançar no mercado um profissional muito despreparado. Então isso tudo influi na disciplina, porque eu, uma das coisas que você mantém disciplina, é o saber. Porque o aluno testa o professor. O aluno testa. E se ele ver, se ele notar que há um vacilo, o professor não sabe, não está bem preparado, ai, a disciplina, ele não vai conseguir jamais.

34 Aqui, licenciaturas duplas de curta duração são aquelas feitas em três anos. Há Universidades cujas

Note-se que ao relacionar autoridade em sala de aula à competência profissional, a professora, reforça o que Paulo Freire (1991) afirma sobre a autoridade docente. O exposto por Ivone, Nadir e Paulo evidencia que os efeitos dessa má formação devem estar arraigados na escola, o que, de certa forma, tem alicerçado a crise de autoridade em que ela vive hoje em dia. Como essa crise foi causada por mudanças promovidas por instituições educacionais do governo, a seguir, passo apresentá-las.