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Quando comecei minhas leituras sobre História Oral, fiquei em dúvida sobre como classificá-la: se metodologia ou teoria. Na verdade, essa dúvida existe. Penna (2005, p. 235) explicita que, entre os estudiosos, paira essa incerteza classificatória que também paira entre os estudiosos e muitas vezes é classificada como uma coisa ou outra, havendo até os que a veem como técnica. Para Alberti (2005, p. 155), há um consenso no meio acadêmico de posicioná-la como metodologia. Mesmo parecendo haver tal sobreposição, acho que o peso do elemento metodológico é um pouco maior, por esse motivo a sua inserção nesta parte do texto.

A comunicação oral existe desde o início do mundo. Antes da invenção da escrita, sociedades ágrafas mantinham uma tradição oral, pois tudo tinha de ser lembrado e a história, naquela época, era oral. Thompson (1992, p. 154) afirma que existem ―narrativas

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-BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: T.A.Queiroz Editor Ltda., 1994.p. 81.

épicas entre os povos iletrados da África que têm passado de geração para geração, oralmente, por pelo menos seiscentos anos‖. Nota-se então que, nessas sociedades, toda finalidade social da história era transmitida via crônicas orais e era por meio delas que as pessoas se inteiravam e tentavam entender as guerras e as transformações sociais por que passavam.

Com a descoberta da escrita e da imprensa, historiadores passaram também a buscar evidências nas documentações escritas, mudando a maneira de fazer história. Todavia, o recurso de ouvir pessoas para fundamentar seu discurso persistia entre muitos deles. Com a invenção do gravador essa metodologia surge com nova força e o termo ―história oral‖ é difundido. Para Thompson (1992, p. 45), essa expressão é nova, mas:

[...] isto não significa que ela não tenha um passado. Na verdade, a ―história oral‖ é tão antiga quanto a própria história. Ela foi a primeira espécie de história. E apenas muito recentemente é que a habilidade em usar a evidência oral deixou de ser uma das marcas do grande historiador.

O valor dessa abordagem está na sua natureza intrínseca, ou seja, ela usa como matéria-prima a experiência de vida das pessoas e estas são, na maioria das vezes, interessantes, o que dá uma nova dimensão à história. Por basear-se na fala não há tantas restrições e exigências como existiria na modalidade escrita. Além disso, através do gravador, essa fala é registrada tal qual foi proferida, além de poder ser apresentada em audições. Thompson (1992, p. 25) pondera que:

a realidade é complexa e multifacetada; e um mérito principal da história oral é que , em muito maior amplitude do que a maioria das fontes, permite que se recrie a multiplicidade original de pontos de vista [....]. Isso propicia uma reconstrução mais realista e mais imparcial do passado [...], um compromisso radical em favor da mensagem social da história como um todo.

Devido à subjetividade que é inerente a esse tipo de dado, há quem desconfie de sua validade. Para Portelli (1997, p. 43), a crença nele deve ser diferente, o que lhe isenta de falsidade. ―A importância do testemunho oral pode estar, muitas vezes, não em seu apego aos fatos, mas antes em sua divergência com eles, ali onde a imaginação e o simbolismo desejam penetrar‖.

Thompson (1992, p. 184) explicita que o valor desse tipo de história jaz na maneira como foi vivenciada e recuperada pela imaginação do narrador, ou seja, nos eventos que ele acredita que podem ou poderiam ter ocorrido. Essa ―imaginação de um passado alternativo e, pois, de um presente alternativo, pode ser tão fundamental quanto aquilo que de fato aconteceu‖. Pelo fato de a consciência e conhecimento humano serem construídos a partir

de experiências de vida passada, o autor acredita ser quase impossível inventar um história do começo ao fim. Todavia, ele sugere ao pesquisador:

[...]enfrentar esse tipo de testemunho direto não com uma fé cega, nem com um ceticismo arrogante, mas com uma compreensão dos processos sutis por meio dos quais todos nós percebemos, e recordamos , o mundo a nossa volta e nosso papel dentro dele. Apenas com um espírito sensível assim é que podemos esperar aprender o máximo daquilo que nos é relatado (p. 195).

Nessa mesma esteira, Bosi (2003, p. 20) explicita que ―a fonte oral sugere mais que afirma, caminha em curvas e desvios obrigando a uma interpretação sutil e rigorosa‖, por isso ―é preciso sempre examinar matizando os laços que unem memória e ideologia‖.

Tipos de entrevistas e ao papel do entrevistador também são aspectos a serem considerados. As entrevistas podem ser do tipo informal, na qual entrevistador e entrevistado conversam descompromissada e amigavelmente sobre o tema proposto, ou do tipo formal, na qual um roteiro controlado de perguntas é seguido.

Os dois estilos exigem certa dose de habilidade, assim sendo, o entrevistador deve ser simpático e flexível, demonstrando interesse e compreensão ao outro e ao que lhe é narrado. Deve também ser um bom ouvinte, ou seja, deve saber quando calar e simplesmente ouvir, em outras palavras, deve falar estritamente o necessário para que seu interlocutor percorra os corredores da memória sem muitas interrupções.

Esse tipo de procedimento tem relação com o perfil do informante, uma vez que há os que falam demais, precisando de pouco ou quase nenhum estímulo para conduzir a narrativa, e os que são calados por natureza. Nesse caso, o entrevistador deve usar perguntas abertas ou solicitar sugestões, procedimentos estes que podem trazer à tona lembranças interessantes, solucionando, assim, um problema que inicialmente parecia insolúvel. Todavia, segundo Thompson (1992, p. 299), qualquer que seja a situação, as perguntas devem ser simples e diretas - princípio básico que deve ser seguido na elaboração de qualquer tipo entrevista.

As narrativas coletadas devem ser agrupadas em um todo homogêneo ou separadas por temas comuns. Em ambas as situações, os eventos devem ser situados em contextos mais amplos, para que se possa compreender a sua constituição e executar a análise. Nessa fase, o discurso do informante é então analisado. Thompson (1992, p. 310) afirma que:

[...] a fala é em geral gramaticalmente primitiva, cheia de redundâncias e de rodeios, empática e subjetiva, hesitante, voltando repetidamente às mesmas palavras e frases feitas.[...] Também as escolhas de determinadas palavras-chave e frases feitas, por exemplo, para expressar atitudes morais, serão variáveis, quer entre falantes diversos, quer no mesmo falante em diferentes contextos, e podem ser igualmente reveladoras de pressupostos, muitas vezes não expressos e, por vezes, profundamente arraigados.

Essas características da linguagem podem esconder significados importantes, por isso serão levados em conta durante a análise.

Ao resgatar lembranças no processo de contar sua história, o entrevistado transmite emoções e experiências sempre presentes em sua memória. Esse traço torna instigante a história oral como procedimento metodológico de pesquisa. Essa possibilidade de verbalizar o passado é, segundo Thompson (1992, p. 40), dar aos entrevistados o poder de confiar ―nas próprias lembranças e interpretações do passado, [...] confiar, principalmente, em suas próprias palavras: em síntese, em si mesmos‖. Tal crença faz com que as pessoas olhem para si mesmas, ao fazer tal opção metodológica atribuindo tal poder aos entrevistados. Na posição de autores, eles se tornam visíveis para os outros, como também para si mesmos (CUNHA, 1991).

Minha opção pela História Oral como procedimento metodológico de pesquisa está relacionada a todos esses aspectos. Serão essas experiências e emoções transmitidas pelos entrevistados que busco encontrar em cada uma das histórias resultantes dos encontros no processo de captação de dados.

Em sequência, na seção 2.2, passo à caracterização da pesquisa. Para tanto, tento definir tipos de pesquisa, tais como: qualitativa, etnográfica e interpretativa.