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2. Base teórica evolucionária

2.3 A mudança técnica: busca, rotina e seleção

O ponto inicial da discussão sobre a mudança técnica é verificar qual é a motivação para que ela aconteça. Os principais elementos de discussão para o esclarecimento deste ponto são trazidos à luz por Dosi em Technological paradigms and technological trajetories, publicado em 1982. Neste trabalho Dosi introduz a noção de duas abordagens possíveis para a mudança técnica, nas palavras de Dosi (2006b, p. 19):

In the literature on the subject, one used to define two different basic approaches, the first pointing to market forces as the main determinants of technical change (“demand pull”) and the second defining technology, as an autonomous or quasi autonomous factor at least in the sort run (“technology-push” theories).

A teoria da indução pela demanda tem como suposto que existe a possibilidade de se saber a priori a direção na qual o mercado está induzindo a atividade inventiva dos indivíduos e, desta forma, passariam a gerar esforços para suprir dessa demanda. As empresas teriam meios para fazer o que é chamado de “reconhecimento das necessidades” dos consumidores e passariam a ofertar produtos aprimorados e ao mercado restaria o papel de selecionar as características dos novos produtos.

Para Dosi (2006a) essa teoria tem três limitações: i) a teoria geral dos preços não seria determinada por funções de oferta e demanda; ii) não viabilidade de se determinar a função de demanda através do conceito de utilidade e a própria viabilidade do conceito de utilidade; e iii) as dificuldades de se interpretar as inovações através desse processo. Entretanto, acredita-se que essa teoria só é capaz de explicar o processo técnico incremental em relação aos processos e produtos existentes, mas antes de qualquer coisa, que pretenda interpretar os avanços tecnológicos principais e secundários o que seria incompleto. Com efeito, verifica-se que essa teoria não explica o que ocorre entre a constatação das necessidades e a oferta de um bem e ou serviço que supriria essa demanda. Além disto, não é encontrada uma explicação das razões que determinam as escolhas da tecnologia A e não a B para suprir essa necessidade e que nem toda inovação tem relação direta com o mercado, sendo assim, essa teoria é invalida para explicar.

Por outro lado, a segunda perspectiva apresenta a noção de que a mudança é dada a partir da invenção, sendo desta maneira, ocasionada pela oferta (technology push) de determinado bem tecnologicamente modificado e não pela demanda (demand pull). Para Dosi, esta perspectiva também apresenta suas limitações na medida em que verifica apenas a mudança como um evento aleatório, sem levar em consideração os elementos econômicos que estão envolvidos no processo. Em suas palavras: “é evidente que os fatores econômicos são realmente importantes no direcionamento do processo de inovação”. Desta forma, ele

ainda acrescenta que é muito difícil de acreditar que o processo de mudança técnica seja “dada por Deus, pelos cientistas e pelos engenheiros” (Dosi, 2006a, p. 36).

Nestes termos, Dosi verifica que ambas as perspectivas falham ao tentar entender como se dá o processo de mudança técnica. Para ele a teoria da indução pela demanda falha ao verificar que a mudança técnica e a inovação são caracterizadas por mecanismos reativos, estando, desta maneira, em convergência com os pressupostos da teoria neoclássica, porém com sérias limitações do ponto de vista lógico e empírico. Em relação a perspectiva do impulso pela tecnologia, as inovações apresentam independência em relação à dinâmica do mercado, principalmente no curto prazo, podendo apenas verificar os efeitos do conjunto da dinâmica econômica sobre estas inovações no longo prazo.

Tanto a ciência, quanto a mudança técnica tem um papel relevante para o desenvolvimento econômico. Já que as empresas que realizam P&D e a ciência e tecnologia são cruciais para a competitividade e o crescimento econômico. Destarte, a possibilidade de analisar o sistema tecnológico e suas interações com a economia e a tecnologia, referem-se a um conjunto de conhecimentos, métodos, e procedimentos não só científicos que irão resolver problemas e permitirão a inclusão da percepção de um conjunto limitado de possibilidades alternativas; a experiência adquirida; a analogia com os paradigmas científicos ou programas de pesquisa, desenvolvimento das questões do paradigma; e o paradigma tecnológico como modelo/padrão de solução de problemas tecnológicos selecionados derivados das ciências naturais selecionadas e determinando o campo, procedimento, tarefas e caminhos a seguir (heurística positiva) e evitar (heurística negativa).

No instante que a tecnologia selecionada definir uma trajetória, esta irá adquirir um impulso próprio, seguindo uma trajetória natural. Essa trajetória tem sua direção determinada pela interação entre as variáveis econômicas. Entretanto, ocorrem trajetórias diferentes, isso ocorre em função de alguns fatores, entre eles Dosi destaca os seguintes: i) o grau de generalidade; o nível de complementaridade entre os conhecimentos e habilidades; a distância da fronteira tecnológica; ii) e a cumulatividade da trajetória. Desta forma, a mudança de trajetória pode ser realmente difícil e depende da configuração do paradigma. Outra dificuldade decorre da assimetria de informação, isto é, não é possível avaliar antecipadamente a superioridade de uma trajetória.

O atual padrão de produção flexível, e de grandes mudanças em curtos períodos de tempo, imprime mudanças no comportamento das empresas e no ambiente econômico. Nestes termos, espera-se que num ambiente dinâmico, no qual evoluções ocorrem ao longo do tempo, que as ações que as empresas estão realizando hoje sejam, totalmente ou em grande parte, herança das características e comportamentos acumulados por elas ao longo do tempo. Os processos de mudança acontecem como resposta aos estímulos do ambiente, todavia, suas características serão determinadas pela “genética” da empresa, sendo que as rotinas são os genes das empresas e irão determinar como será o seu possível comportamento.

Segundo Nelson e Winter (2006), as rotinas definem como será o comportamento das empresas, em função de variáveis externas e de variáveis internas ao ambiente organizacional da empresa. A formação de rotinas de atividades em uma empresa constitui a mais importante forma de estoque do conhecimento operacional específico, de maneira que as rotinas se transformam em uma memória que caracteriza a empresa, e é gerada pelas atividades oriundas das rotinas organizacionais. Desta forma, Nelson; Winter (2006) apresentam as seguintes características para as rotinas:

• Rotina como memória da organização – a rotinização das atividades de uma organização constitui a forma mais importante de estocagem do conhecimento específico da organização;

• Rotina como trégua – o efeito combinado do mecanismo de imposição de regras e de outras motivações assume tal forma que deixa os membros satisfeitos em cumprir suas funções na rotina da organização, ou seja, a operação rotineira envolve uma ampla trégua nos conflitos internos à organização, uma forma de resolver conflitos;

• Rotina como meta: controle, cópia e imitação – as empresas precisam definir novas rotinas e partem através de rotinas conhecidas de outras empresas para os processos de seleção, monitoramento e adaptação;

• Rotinas e habilidades: comparações – a compreensão das habilidades individuais informa a compreensão do comportamento da organização, primeiramente, em decorrência de os indivíduos exercerem habilidades em suas

funções como membros da organização, as características das capacidades da organização são diretamente afetadas pelas características do comportamento habilidoso individual. Existe ainda a contribuição no nível da metáfora, onde as rotinas são as habilidades de uma organização;

• Rotina ótima e rotinas de otimização – o conhecimento das rotinas é o coração da compreensão do comportamento. Modelar as firmas significa modelar as rotinas, e como se modificam ao longo do tempo;

• Rotinas, heurísticas e inovação – a inovação envolve mudança na rotina. Na associação do comportamento rotinizado com o comportamento inovador, uma heurística (perguntas úteis geradas por anomalias) adequada, pode levar à novas rotinas, ou seja, novas metas;

• Rotinas como genes – as informações essenciais de coordenação são preservadas no funcionamento rotineiro da organização e “lembradas fazendo”. Como no caso das habilidades individuais, a especificidade do comportamento envolvido é simplesmente a observância de sua eficácia, muito do conhecimento subjacente ao desempenho eficiente é conhecimento tácito da organização.

Ainda que seja um processo muito particular de cada empresa, Nelson e Winter (2006), com base nos modelos evolucionários, afirmam existe a possibilidade de cópia das rotinas de uma empresa por outra. Entretanto, isto seria custoso e demorado, de forma que serão copiados por outras empresas os processos que tenham se mostrado eficazes, eliminando o risco de se investir em algo que não traga os retornos esperados.

O processo de busca não só poderá como irá modificar as rotinas, entretanto a busca também será condicionada pelas rotinas, ou seja, o processo de busca também pode ser rotinizado em maior ou menor grau. Nestes termos, como o processo de busca será cadenciado pelas rotinas organizacionais. Cada empresa possui uma forma de busca inovativa particular, diferente de sua concorrente, e desta forma este processo de busca é condicionado por fatores internos à empresa e por fatores externos à empresa.

Entre os fatores internos os autores apontam a base de conhecimento científico e tecnológico, o desempenho passado na busca inovativa, a coerência da diversidade dos seus produtos e a sua capacidade organizacional, administrativa e de pessoal, entre outros. Já os

fatores externos estão principalmente relacionados com o ambiente econômico no qual a empresa está inserida, o paradigma científico e tecnológico vigente, as fontes externas de informação e o comportamento, ou ausência, de concorrentes. E desta forma, a maneira como este arcabouço de fatores se relaciona dentro da empresa determinam como irá se desenvolver a sua busca inovativa.

Os fatores básicos que caracterizam a busca são processos irreversíveis, pelo seu caráter contingente e sua incerteza fundamental. O agente econômico que toma as decisões sobre P&D deve seguir um conjunto de regras que, irão determinar a direção da busca. Também o produto das buscas de hoje não será somente uma nova tecnologia, como também um aumento de conhecimento que servirá de base para novos blocos a serem utilizados no futuro, e são estes blocos que definem a característica cumulativa do progresso tecnológico. Com base nestas constatações, pode-se apontar como foi formulado o conceito de “ciclo do produto”. A dinâmica de diversas tecnologias parece ser determinada por relevantes invenções que ocorrem ocasionalmente que serão complementadas por uma onda de invenções menores, dadas pelo processo de evolução do projeto.

Estas ondas de invenções menores podem tomar diversas direções diferentes, entretanto quando essas ondas de invenções menores convergem para um mesmo sentido esse caminho pode ser chamado de trajetória natural. Segundo Nelson e Winter (2006) as trajetórias naturais são especificas a uma tecnologia particular ou são genericamente definidas como regime tecnológico e estão relacionadas com as expectativas dos técnicos qual será o caminho viável. Nestes termos, as trajetórias e estratégias promissoras para o avanço técnico de um determinado regime podem estar associadas a aprimoramentos dos principais componentes ou de seus aspectos. Mesmo que as trajetórias naturais estejam invariavelmente ligadas a elementos especiais associados a tecnologia específica, parece existir certas trajetórias naturais que são comuns a um amplo espectro de tecnologias.

Nelson e Winter (2006), apresentam um modelo geral para o ambiente de seleção com os seguintes pontos: i) a natureza dos benefícios e dos custos considerados pelas organizações que irão decidir adotar ou não uma nova inovação; ii) a maneira pela qual os consumidores ou as preferências e as normas reguladoras influenciam o que é lucrativo; iii) a relação entre o lucro e a expansão ou a contração de organizações; e iv) a natureza dos mecanismos pelos

quais uma organização toma conhecimento das inovações bem-sucedidas de outras organizações e dos fatores que facilitem ou não a imitação.

Entretanto, para que a empresa adote essa tecnologia é necessário que ela seja reconhecida como vantajosa por esta, determinando se será ou não utilizada. Sendo assim, se a inovação progredir e sua utilização se expandir, a firma deverá encontrar um novo produto ou um processo lucrativo para colocá-la em prática. Se esta inovação que foi colocada em prática as organizações deverão encontrar maneiras para difundir esta inovação e torná-la lucrativa. Nelson e Winter (2006) apontam dois tipos de mecanismos que podem ser usados para difundir esta inovação. O primeiro deles é a maior utilização da inovação pela firma que a introduz primeiramente. Se a firma gera uma variedade de produtos, ou se executa uma variedade de atividades, isso poderá ocorrer pela substituição dos antigos pelos novos produtos e atividades. O segundo mecanismo é que a firma pode, ainda, crescer tanto em termos absolutos como relativos atraindo novos recursos.

A inovação bem sucedida provocará na empresa tanto uma elevação do lucro do inovador como criará oportunidades mais lucrativas de investimento. Desta forma as empresas mais inovativas encontram melhores condições para crescer e ao fazê-lo conquistam maior parcela dos mercados das firmas que não inovam e reduzem sua lucratividade, o que por sua vez as força a se contraírem. Tanto os lucros visíveis das empresas inovadoras como as perdas das que ficaram defasadas estimulam essas últimas a tentar imitar as primeiras.