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A distribuição mundial da cadeia têxtil-confecções e a governança dos países líderes no conjunto da cadeia.

3. Estrutura da Indústria e Padrão de Concorrência

3.3 A distribuição mundial da cadeia têxtil-confecções e a governança dos países líderes no conjunto da cadeia.

A cadeia têxtil-confecções vem nos últimos 30 anos passando por um profundo processo de modificação de seu padrão produtivo. Este processo está relacionado à mudança no padrão tecnológico que toda a indústria experimentou a partir da década de 1970 com a introdução da microeletrônica nos processos produtivos e o rápido avanço dos meios de comunicação que em conjunto possibilitaram a redução das barreiras comerciais entre os países e também a elevação da produtividade e das condições para a constante busca por inovações. Com efeito, mesmo a indústria têxtil-confecções sendo caracterizada como um setor tradicional, a introdução das tendências tecnológicas desenvolvidas pelo novo paradigma, causou um profundo processo de rejuvenescimento no setor, adequando-o ao padrão tecnológico, produtivo e comercial vigente.

Este processo está relacionado a uma re-localização da produção, tanto no setor como outras indústrias. Desta maneira, a cadeia têxtil distribuiu sua produção internacionalmente de forma que os países mais desenvolvidos passaram a ser detentores das etapas mais intensivas em capital e em tecnologia, e que por este motivo são as etapas que possibilitam maior participação no total de valor que é arrecadado pela produção de toda a cadeia. Com efeito, estes países passam a concentrar a produção dos bens de capital usados no setor,

desenvolvimento de novas fibras, das principais marcas mundialmente conhecidas, das tendências de design nas diferentes estações do ano, relegando aos países periféricos as etapas intensivas em mão-de-obra e recursos naturais. Segundo Graziani (1999) este processo está reduzindo a participação do setor têxtil no conjunto da indústria Européia, transferindo-se, portanto, para os países em desenvolvimento. O trecho abaixo mostra a opção dos países mais desenvolvidos pela produção de bens mais intensivos em tecnologia e capital, deslocando a produção de bens mais intensivos em trabalho para os países em desenvolvimento:

Western textile and clothing producers are losing ground vis-à-vis new competitors from the developing word. At a certain development stage, countries abandon this type of labor-intensive production (in response to changes in their pattern of comparative advantage) for more high-tech undertakings. (Graziani, p. 211, 1999).

Esta nova configuração afeta a distribuição da cadeia têxtil tanto em termos de apropriação do valor adicionado como na localização das etapas que dão origem aos novos padrões tecnológicos que irão vigorar em toda a cadeia. Como as etapas mais intensivas em capital estão concentradas, as decisões sobre o que e como produzir também estão, restando aos países em desenvolvimento acatar o padrão produtivo imposto sem grandes condições de contestar sua posição dentro da cadeia têxtil-confecções internacional.

Em relação às máquinas e equipamentos, como nestes países há maior capacitação tecnológica, são introduzidas com maior facilidade as novas soluções tecnológicas que permitem produzir com maior qualidade, quantidade e menor necessidade de uso de mão- de-obra. Tais países também encontram facilidade em concentrar a elaboração de novos tipos de filamentos em virtude de que este processo envolve além do domínio dos novos compostos químicos a partir de minerais, fibras naturais e sintéticas, o uso de recursos tecnológicos importantes como a nanotecnologia. Outro ponto apontado por Gorini (2000) é que as empresas deste segmento são empresas de maior porte, que em geral estão representadas em diversos países, e desta maneira conseguem fazer com que suas inovações tecnologias tenham maior alcance internacional.

A explicação para que os países mais desenvolvidos detenham o padrão de design utilizado na maioria dos países, notadamente os países capitalistas, refere-se à capacidade de

consumo destas economias. Esta capacidade de consumo determina o padrão das coleções desenvolvidas e desta maneira o padrão de consumo que irá se firmar, implicando em efeitos de transferência destes padrões para grande parte dos países em desenvolvimento. A potência do padrão de design cresce quanto ele se alia às grandes marcas internacionais. A distribuição dos artigos com a etiqueta das grandes marcas internacionais acaba influenciando a produção das coleções em nível local, ainda que com adaptações aos costumes e hábitos locais há interferência do design e da marca internacional.

A distribuição das etapas de produção da cadeia têxtil segundo as vantagens produtivas de cada país, impõe aos países centrais distribuir entre os menos desenvolvidos as etapas em que estes apresentam maiores vantagens competitivas. Tais etapas estão relacionadas às intensivas em mão-de-obra e recursos naturais. Para exemplificar este mecanismo de transferência das etapas produtivas, verifica-se o fluxo de grande parte das roupas americanas: os tecidos produzidos nas modernas tecelagens americanas seguem para o México para receber o acabamento e em seguida para as confecções em países da América Central como El Salvador, e em seguida retornam aos Estados Unidos para que recebam a etiqueta com a marca, e posteriormente ingressam no mercado mundial com o preço determinado na etapa de “colagem da etiqueta”.

Neste processo, as empresas desconcentram suas atividades e se especializam apenas nas funções que agregam maior valor e que lhe permitem coordenar toda a rede de fornecedores e distribuidores. Segundo Gereffi (1994, 1999, 2002) apud Lupatini (2004, p. 20) existem três tipos as empresas governança na cadeia têxtil de vestuário: i) produtores com marca; ii) comercializadores com marca; e iii) varejistas com marca.

A cadeia dos produtores com marca são aquelas em que os produtores que antes cuidavam de todas as etapas da produção do vestuário, desde a compra dos tecidos até a comercialização, agora além das questões de produção também focam suas atenções na parte jusante da cadeia, preocupando-se também com a marca e com os processos de marketing, design, coordenação dos fornecedores e comercialização. Entre os exemplos destas empresas estão Levi Strauss & Co (Estados Unidos) e Benetton (Europa).

Os comercializadores com marca, não se envolvem diretamente com o processo de produção, dirigem seus esforços para as etapas e funções a jusante, ou seja, no design,

marketing e comercialização. Este tipo de coordenação de produção vem ganhando dimensão crescente nos últimos anos, tendo como empresa emblemática deste tipo de arranjo a Nike.

Finalmente, o terceiro tipo de coordenação de produção corresponde aos varejistas com marca, que por serem os detentores dos canais de comercialização e cada vez mais com marcas próprias, estão tendo maior poder para comandar os elos da cadeia desde a montante, concentrando seus esforços no design, negociação com fornecedores e gestão das marcas. Entre estes tipos de coordenação destacam-se The Gap (Estados Unidos) e C&A (Europa).

Tal forma de coordenação confere às grandes empresas ter controle sobre todo o processo de produção, de modo que fica concentrado estrategicamente em apenas um agente, ateliês de design, fornecedores de fibras e outras matérias-primas, tecelagens, confecções e grandes cadeias varejistas. Este agente pode concentrar seus esforços em ativos intangíveis como a marca, o desenvolvimento de produto, marketing, distribuição e comercialização, que são notadamente as fases de maior lucratividade.

Através desta forma de coordenação, é possível controlar mais harmonicamente todos os processos produtivos, fazendo com que as estratégias mercadológicas e tecnológicas sejam desenhadas abrangendo todos os elos da cadeia e trazendo dinamismo as mudanças no padrão de produção, dos produtos e dos canais de comercialização. Esta harmonia também proporciona maior agilidade no desenvolvimento dos processos tecnológicos em função que se sabe onde quer chegar com aquela inovação, e o seu reflexo em cada uma das etapas da cadeia. De maneira que se pode até desenvolver as inovações complementares nos outros elos em função da inovação maior que deu origem ao processo, através da governança centralizada.

A organização dos países desenvolvidos com parceiros menos desenvolvidos dentro dos blocos de “livre” comércio constitui uma ferramenta extremamente importante para o bom funcionamento deste processo de terceirização das etapas em que os países detém menores vantagens comparativas.

Segundo Gorini (2000), dentro do NAFTA a estratégia adotada pelos Estados Unidos é exportar pré-cortados e outras matérias-primas para o México, que por sua vez fica responsável pela confecção destes produtos e re-exporta para os Estados Unidos em condições de acesso privilegiadas. Entretanto, as matérias-primas empregadas na produção enviadas do México para os Estados Unidos devem necessariamente ter como origem o NAFTA. Assim como ocorre em relação ao México, funciona o relacionamento dos Estados Unidos com os países do Caribe. Note-se que a redução das barreiras tarifárias entre os países que pertencem ao bloco econômico constituem não somente uma ferramenta de redução dos custos, como também de agilização do processo de exportação e re- importação.

Os países europeus, assim como nos Estados Unidos, também desenvolveram formas de criar um ambiente propício para a troca de papéis na indústria têxtil por meio dos acordos comerciais intra-blocos. Os países da Europa Central e Oriental, incluindo a Turquia, também obtiveram acesso ao mercado europeu, através do “Outward Processing Trade” (OPT). Este processo tem como característica a exportação de tecidos para os países vizinhos com mão- de-obra barata para serem confeccionados e re-exportados para a União Européia, com tarifas apenas aplicadas ao valor adicionado (em alguns casos nem mesmo sobre o valor adicionado) (Gorini 2000).

Entre os países asiáticos o processo de distribuição das etapas da cadeia têxtil é bastante semelhante o desenvolvido pelos Estados Unidos e pelos países europeus, de maneira que os acordos econômicos firmados entre estes países têm grande relevância para a dinâmica da cadeia nestes países. Entretanto, estes países apresentam uma particularidade em relação a Europa e os Estados Unidos. Há alguns anos, apenas o Japão dispunha de capacitação tecnológica para desenvolver fios e para construir equipamentos de fiação, tecelagem e acabamento com as mesmas características do padrão tecnológico vigente na Europa e nos Estados Unidos. Todavia, nos últimos 30 anos, os países do Leste Asiático, principalmente a China, intensificaram suas atividades no setor têxtil-confecções e através disso se desenvolveu capacitação tecnológica para construção de máquinas, equipamentos, filamentos e compostos químicos para o acabamento dos tecidos, em um padrão próximo ao que há nos países mais desenvolvidos.

Este fator torna particular a distribuição da cadeia têxtil-confecções nestes países quando comparada ao que se verifica nos países desenvolvidos. Tomando-se a China como exemplo, nota-se que este país já é capaz de produzir teares que utilizam o mecanismo de jato de ar, dispensando o uso de lançadeiras, o que confere uma velocidade muito maior à produção e, ao mesmo tempo, dispor de mão-de-obra em abundância para realizar etapas intensivas em mão-de-obra sem a necessidade de transferi-la para outro país. Todavia, neste país ainda não se verifica o estabelecimento de grandes marcas de impacto mundial e de referência em design, que são juntamente com os elos intensivos em capital as principais fontes de geração de valor para a cadeia.

Da maneira como está organizada a cadeia têxtil-confecções na China, pode-se dizer que ela se apresenta em um estágio intermediário, já que apresenta elementos singulares ao que se verifica nos países mais desenvolvidos, porém, também apresenta diversas características comuns aos países em desenvolvimento. É importante ressaltar que mesmo nesta posição intermediária, a China, juntamente com os outros países do Leste Asiático, ainda sejam conhecidos mundialmente por produzir tecidos de menor valor, adotando principalmente fibras sintéticas, produção padronizada e em massa. Porém, com a introdução de um setor de bens de capital nestes países, este quadro tende a mudar nos próximos anos.

O Brasil, pelo fato de não estar inserido dentro de nenhum dos blocos de comércio internacional(is) mais dinâmicos, não recebe com grande intensidade parte da produção desverticalizada dos países desenvolvidos, nem transfere parte de sua produção para os países menos desenvolvidos ao seu redor. Podem ser destacados dois fatores para este fato: a fragilidade das relações comerciais do MERCOSUL e a distância geográfica do Brasil em relação aos principais países produtores e consumidores do setor têxtil-confecções. Estes dois fatores reunidos podem reduzir a capacidade de internacionalização da produção têxtil nacional.

Em termos gerais, não somente na China como também em outros países em desenvolvimento, entre os quais podemos destacar como exemplo o México, Brasil e países do leste europeu, verifica-se grande especialização na produção de tecidos pouco intensivos em capital. Normalmente são produtos padronizados, com pouca diversificação e por meio disso, têm baixo valor agregado. Além do fato de produzirem tecidos menos intensivos em

capital, a abundância e o custo da mão-de-obra nestes países em desenvolvimento constituem um fator competitivo interessante para a produção de confecções mais padronizadas e de menor valor agregado, expressos nos produtos mais populares e mais baratos. Estes produtos encontram demanda não só domesticamente como em diversos países pobres, que nem mesmo desenvolveram internamente condições de estabelecer indústrias primárias e de tecnologia difundida com é a têxtil, em função do baixo valor destes produtos.

Ainda que nestes países produtores de artigos têxteis e confecções voltados a mercados menos exigentes e com menor agregação de valor, não fica descartada a adoção de métodos de produção com o intento de reduzir o custo de produção. Desta forma, a introdução de inovações em processo faz parte das estratégias produtivas destas empresas, assim como a cópia do design e dos padrões administrativos das empresas que direcionam sua produção para os mercados mais exigentes. Nestes termos, é inegável, ainda que de uma forma defasada, a terceirização internacional de etapas produtivas acaba disseminando parte do padrão tecnológico vigente para os países menos desenvolvidos através da governança exercida pelos grandes players da cadeia em nível mundial.

Finalmente, da forma como está se caracterizando o processo de desverticalização e a configuração da indústria têxtil-confecções mundial, nota-se que a divisão internacional do trabalho está direcionando o setor de confecções para as economias em desenvolvimento. Isto ocorre porque estas economias são caracterizadas pela oferta de mão-de-obra abundante e de baixo custo, já que neste setor não se exige intensivo investimento em capacitação dos trabalhadores e pequeno investimento em bens de capital. Nestes termos, os países mais desenvolvidos estão concentrando os setores com maior valor agregado, como o desenvolvimento de novos materiais, o design, e as inovações em bens de capital e automação da produção, diminuindo nestes países o uso de mão-de-obra e aumentando o valor dos produtos produzidos. É importante ressaltar que ainda que o processo de confecção seja realizado nos países periféricos, os produtos voltam aos países de origem para receber as etiquetas que conferem o maior valor agregado ao produto (Prochinick, 2002, p. 7). De maneira que os países menos desenvolvidos só irão participar das etapas mais valorizadas da cadeia no momento em que criarem condições de desenvolver

localmente as etapas mais dinâmicas, como os bens de capital, elaboração de filamentos mais sofisticados e a etapa de design juntamente com o estabelecimento de marcas.

3.4 Principais países produtores, principais países exportadores e