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“[...] Quantas forças uma mulher deve ter para carregar a tortura, a ansiedade e a esperança, quantas palavras terá a oração da eterna clemência a um deus desconhecido, cuja resposta não virá jamais?”

37 Como afirma a indiana Gayatri Spivak (2014, p. 90): “A mulher se encontra duplamente na obscuridade”, jogada no silêncio social, tendo às margens a sua habitação e distante de um lugar de fala:

[...] a relação entre a mulher e o silêncio pode ser assinalada pelas próprias mulheres; diferenças de raça e de classe estão incluídas nessa acusação. A historiografia subalterna deve confrontar a impossibilidade de tais gestos [...]. No contexto do itinerário obliterado do sujeito subalterno, o caminho da diferença sexual é duplamente obliterado (SPIVAK, 2014, p. 84-85).

Em uma relação íntima, a voz das mulheres, de modo geral, confunde-se constantemente com o silêncio, contudo, em territórios africanos isto ocorre de maneira dupla, tripla. Enfim, acontece por se tratar – grosso modo – de negros, africanos, e, além disso, mulheres. Esta violência tem caráter quantitativo, agregada ao seu ser mulher, povo duplamente colonizado como coloca Paula Tavares, no poema “Vieram muitos”:

Vieram muitos à procura de pasto

traziam olhos rasos da poeira e da sede e o gado perdido.

Vieram muitos à promessa de pasto de capim goro

das tranquilas águas do algo. Vieram de mãos vazias mas olhos de sede e sandálias gastas da procura de pasto. Ficaram pouco tempo

mas todo o pasto se gastou na sede enquanto a massambala crescia a olhos nus.

Partiram com olhos rasos de pasto limpos da poeira

levaram o gado gordo e as raparigas. (TAVARES, 2011, p. 87).

O desabafo nos mostra um eu-lírico cansado de ser explorado em todos os sentidos. Não se diz de maneira direta quem são esses muitos que chegaram à busca de terra e pasto, mas sabe-se que eles passaram por esse território deixando marcas e vazios. Definidas como pessoas de “[...] olhos rasos da poeira e da sede” (TAVARES, 2011, p. 87) são estes que procuram pelos pastos e pelos gados perdidos.

38 Sabendo que na poesia de Tavares o corpo da mulher é constantemente metaforizado na figura da terra, podemos compreender que esses colonizadores, – independente de sua nacionalidade – homens rasos, fatigados e sedentos de algo, estão em busca de uma terra sobre a qual possam exercer o domínio, dominar a nação representada na figura e no corpo da mulher. O gado perdido, sem dono, vaga pelos pastos e encontra-se com o dominador pronto a possuir algo que não lhe é de direito.

Estes muitos chegaram à terra do sujeito-lírico de mãos vazias, farejando a “[...] promessa de pasto/de capim gordo/das águas tranquilas [...]” (TAVARES, 2011, p. 87), com sandálias gastas, eles chegaram, passaram pouco tempo, porém tempo suficiente – “[...] enquanto a massambala crescia” (TAVARES, 2011, p. 87) – para irem embora levando o gado gordo e as moças da região, tornando-as vítimas do colonialismo masculino opressor, como afirma Spivak (2014, p. 85): “É mais uma questão de que, apesar de ambos serem objetos da historiografia e sujeitos da insurgência, a construção ideológica de gênero mantém a dominação masculina”, assim como também expõe a filósofa contemporânea Djamila Ribeiro (2017, p. 66): “Pensamos lugar de fala como refutar a historiografia tradicional e a hierarquização de saberes consequente da hierarquia social”. Pensar em um lugar de fala é mais do que simplesmente refutar os fatos da história, mas é recontar a história, contudo, agora, não pela voz dos opressores, porém pela voz dos oprimidos. Em Paula Tavares, seja pela voz da menina, da moça ou da mulher, o sujeito-lírico sempre tem lugar de fala para contar sua visão e versão da história:

Não conheço nada do país do meu amado Não sei se chove, nem sinto o cheiro das laranjas

Abri-lhe as portas sem perguntar nada Não sei que tempo era

O meu coração é grande e tinha pressa

Não lhe falei nada do país, das colheitas, nem da seca Deixei que ele bebesse do meu país o vinho o mel a carícia Povoei-lhe os sonhos d asas, plantas e desejo

O meu amado não me disse nada do seu país Deve ser um estranho país

o país do meu amado

pois não conheço ninguém que não saiba a hora da colheita

o canto dos pássaros

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Nada me disse o meu amado Chegou

Mora no meu país não sei por quanto tempo É estranho que se sinta bem

e parta.

Volta com um cheiro de país diferente

Volta com os passos de quem não conhece a pressa. (TAVARES, 2011, p. 82).

Apaixonadas por eternos desconhecidos, as mulheres abrem o ser para relatar que em tudo se ofereceram ao amado. Em tudo se entregaram. Entregaram as terras, as posses, os animais, suas frutas, seu próprio país, sua história e seu corpo. Lançadas a este ser conhecido, mas também completamente desconhecido, as mulheres não conheceram nada do país deste homem que vem explorá-las, como diz o sujeito-lírico: “Abri-lhe as portas do meu país sem perguntar nada [...]” (TAVARES, 2011, p. 82), ao ponto de que na mesma medida em que se entregaram não obtinham a reciprocidade esperada: “Não conheço nada do país do meu amado/Não sei se chove, nem sinto o cheiro das/laranjas” (TAVARES, 2011, p. 82).

Vivendo, ou melhor, sobrevivendo a esta relação de amor monótona, o eu-lírico confessa sua rendição a este Outro: “O meu coração é grande e tinha pressa/Deixei que ele bebesse do meu país o vinho o mel a carícia [...]” (TAVARES, 2011, p. 82). De peito aberto, aceita a exploração que lhe foi imposta, de modo inconsciente concorda e reproduz o discurso de opressão imprimido pela sociedade, ainda que tenha se oferecido por completo ao Outro, ela continua sem conhecer nada sobre o lugar de origem e a história deste homem: “Nada me disse o meu amado/Chegou/Mora no meu país não sei por quanto tempo/É estranho que se sinta bem/e parta.” (TAVARES, 2011, p. 82), nesse vai-e-vem, a exploração se faz contínua. O amado vai, contudo, ao mesmo tempo, mora no país do eu-lírico, a poetisa esclarece: “[...] não sei por quanto tempo [...]”, mas é certo que mesmo na indeterminação desta habitação é ali que este homem mora e não só mora como domina e coloniza. Ele vai, mas ao voltar: “Volta com um cheiro de país diferente/Volta com os passos de quem não conhece a pressa” (TAVARES, 2011, p. 82). Na doçura das palavras acima ditas por Paula Tavares podemos encontrar a denúncia daquela que se acostumou a ser explorada em todos os sentidos: territorialmente, fisicamente, psicologicamente e sexualmente. Vítima de uma dependência emocional encontra na figura do masculino o sentido de sua existência e na figura, não somente do homem, mas do homem branco, a afirmação do seu ser, de maneira automática, corresponde

40 ao discurso opressor: “Abri-lhe as portas do meu país sem perguntar nada [...]” (TAVARES, 2011, p. 82). É no não poder acessar a terra e os mesmos ambientes que este homem branco e estrangeiro e na falta de conhecimento pleno sobre quem ele é, que ela, o sujeito-lírico de Paula Tavares encontra sua existência, como afirma Djamila Ribeiro:

[...] não poder acessar certos espaços, acarreta em não ter produções e epistemologia desses grupos nesses espaços [...] impossibilita que as vozes dos indivíduos desses grupos sejam catalogadas, ouvidas [...]. O falar não se restringe ao ato de emitir palavras, mas de poder existir. Pensamos lugar de fala como refutar a historiografia tradicional a hierarquização de saberes consequente da hierarquia social. Quando falamos de direito à existência digna, à voz, estamos falando de locus social, de como esse lugar imposto dificulta a possibilidade de transcendência (RIBEIRO, 2017, p. 66).

Nesse diálogo que não fala por e nem de alguém, mas exprime nosso desejo de falar com esse alguém, no caso em questão, falar com Angola e seus anônimos protagonistas por meio da poesia de Paula Tavares. Transcendendo o lugar secundário que lhe cabe, Tavares ergue sua voz ao encontro daquelas que foram dupla, tripla, quadruplamente exploradas e colonizadas. De modo aparentemente doce e inocente, Paula Tavares nos fisga e envolve por sua poesia, à medida que lemos e a estudamos percebemos que suas palavras são amargas e falam sobre as experiências do seu povo, sua poesia é a linguagem que se assemelha ao que diz Rancière:

Contra todo principio de indiferencia, la poesía es un lenguaje caracterizado por su motivación, por su semejanza con lo que dice. Al contrario del libre artista, el poeta es aquel que no puede expresar nada distinto de lo que expresa y que no puede expresarlo en ningún otro modo del lenguaje (RANCIÈRE, 2009a, p. 76)16.

Existem fatos que, se falados de maneira prosaica, jamais serão percebidos. Tanto que quando falados por meio da poesia, nos poemas, como em Paula Tavares, nos envolvem com suas palavras doces de gosto amargo. Existem fatos que quando são contados apenas por uma pessoa, por um tipo de pessoa ou por uma determinada classe de pessoas, sempre serão ouvidos por um único ponto de vista, como sempre o ponto de vista eurocêntrico e masculino. Paula Tavares é, conscientemente, subversiva:

16Contra todo princípio de indiferença, a poesia é uma linguagem caracterizada por sua motivação e por sua verossimilhança com o que diz. Ao contrário do artista livre, o poeta é aquele que não pode expressar nada além do que ele expressa e que não pode expressá-lo de nenhuma outra maneira a não ser pela linguagem.

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É preciso que a mulher escreva pelo seu corpo, que invente a língua inexpugnável que ripa as clausuras, classes e retóricas, receitas e códigos; que ela submerja, libere o “discurso-e-reserva” último, incluindo aquele que sorri por ter que dizer a palavra “silêncio”, aquele que, visando ao impossível, fica parado diante da palavra “impossível” e a escreve como “fim” (CIXOUS, 2005, p. 137).

Subvertendo a cultura falocêntrica, saindo do silêncio, na poesia de Paula Tavares, as mulheres são as protagonistas, o silêncio, a música de fundo, o histórico de dor e opressão compõem o cenário e a história são o palco onde atuam no teatro da vida:

colonizamos a vida plantando cada um no mar do outro

as unhas da distância da palavra da loucura enchendo de farpas a memória

preenchemos os dias do vazio no alto destes muros

muitos brancos duas bandeiras velhas

a meia–haste saúdam-se, solenes

(TAVARES, 2011, p. 61).

Fugindo à regra gramatical, Paula Tavares nos dá um poema totalmente escrito por letras minúsculas, assim podemos ver a materialização do silêncio, a lacuna da memória individual e coletiva, fazendo uso deste artifício para representar este silêncio que habita a voz, na verdade que habita a ausência desta voz, apresentando por Jacques Rancière define como a terceira forma de comunidade:

[...] a terceira forma de comunidade: aquela que o modo de comunicação sensível próprio ao poema projeta como possível relação entre os humanos. A política do poema pode, então, se definir como a configuração de um sensorium específico que mantém juntas essas três comunidades. [...] A poesia, em primeiro lugar, não é uma maneira de escrever, mas uma maneira de ler e de transformar o que se leu em maneira de viver, de fazer disso o suporte de uma multiplicidade de atividades: errar e vaguear, refletir, fazer a exegese, sonhar. É verdade que a própria atividade se presta à discussão (RANCIÈRE, 2017a, p. 82-84).

No silêncio dos anônimos da vida e da arte, Tavares não apresenta uma maneira de escrever, mas revela como ela vê o mundo, ou melhor, o seu mundo, sua Angola. Tratando-se de um poema curto, composto por apenas duas estrofes, com uma aliteração da sonoridade do “s” na segunda estrofe e com versos que não obedecem a um espaço, mas que estão deslocados no corpo do poema, Tavares nos

42 apresenta as irregularidades desta sociedade, a falta de igualdade e equidade entre os níveis sociais. Faço uso das palavras da Hélène Cixous (2005, p. 137) para respaldar os versos acima: “[...] sua carne fala a verdade”. Sua poesia alcança e nos apresenta voz dos esquecidos, faz-se o verbo encarnado contando, por meio de uma visão marginal, uma história contada a contrapelo, as histórias dos anônimos e dos povos que colonizaram a vida sobreviveram e continuam a sobreviver às explorações sofridas e preencheram o vazio de sua história plantando no mar um do outro.

2 SANTA E LOUCA

Tenho pena

das mulheres que riem com os braços e choram de mentira para os homens. E descobrem o seio antes do convite e morrem no prazer... olhos fechados.

Hilda Hilst

O empenho pela libertação do país, de certa maneira, colaborou para a criação e o reforço de estigmas e estereótipos na cultura angolana. Mesmo em busca de uma libertação de uma reconstrução por completo na cultura, não há como negar que existem pessoas que sofreram mais do que outras com a subalternização, os presentes pela sua ausência, sabemos que eles estão ali, porém não escutamos sua voz. Em Aula, Roland Barthes afirma:

Por um lado, os signos de que a língua é feita só existem na medida em que são reconhecidos, isto é, na medida em que se repetem; o signo é um seguidor gregário; em cada signo dorme este monstro: o estereótipo: nunca posso falar senão recolhendo aquilo que se arrasta na língua. Assim que enuncio, essas duas rubricas se juntam em mim, sou ao mesmo tempo mestre e escravo: não me contento com repetir o que foi dito, como alojar-me confortavelmente na servidão dos signos: digo, afirmo, assento que repito (BARTHES, 1980, p. 15-16).

Ao declarar isto, Barthes está explicando sobre o poder e sua relação com a sociedade, dizendo que não há instância sem poderes, e quanto extenuado, o poder sempre se encontrará de alguma maneira em algum outro lugar. O crítico literário denuncia a língua como um destes lugares em que o poder pejorativo se faz presente, como mais um âmbito de opressão, repressão e invisibilidade. Barthes afirma que um signo repetido constrói um monstro conhecido como estereótipo, e não há melhor

43 lugar do que se combater a língua senão através dela própria, por isso o escritor se faz servo e senhor da língua: servo por usar dela, senhor por poder refazê-la.

Com base nisto, Barthes (1980, p. 17, grifo do autor) considera que: “[...] esse logro magnífico que permite ouvir a língua fora do poder no esplendor de uma revolução permanente, eu a chamo, quanto a mim: literatura”. E o crítico entende por literatura:

[...] o grafo completo das pegadas de uma prática: a prática de escrever [...] tecido de significantes que constitui a obra, porque o texto é o próprio aflorar da língua, e porque é no interior da língua que a língua deve ser combatida, desviada: não pela mensagem que ela é o instrumento, mas pelo jogo de palavras que ela é o teatro. [...] As forças de liberdade que residem na literatura não dependem da pessoa civil, do engajamento político do escritor que, afinal, é apenas um “senhor” entre outros, nem mesmo do conteúdo doutrinal de sua obra, mas do trabalho de deslocamento que ele exerce sobre a língua [...] (BARTHES, 1980, p. 17-18).

Nesta tentativa de reconstrução, vemos os escritores angolanos guerreando contra os estigmas que excluem e lançam o anônimo no lugar do silêncio. A figura mítica da mulher como Mama África vai desaparecendo e cede lugar à mãe, à viúva, à prostituta, às lavadeiras, às mulheres trabalhadoras, que além de viverem as guerras que rodearam quase que incessantemente Angola, também lutavam pela simples sobrevivência longe da colonização dos seus corpos. Agora na literatura produzida em Angola vemos a figura feminina como uma tentativa de produzir personagens que rompem com os estereótipos impostos, como aponta Tânia Macêdo:

São personagens positivas e rompem definitivamente com os estereótipos forjados pelo colonizador sobre a lascívia feminina, a partir de um imaginário em que ganha preponderância a nudez dos corpos e uma suposta libertinagem sexual que substitui a inteligência. Ou seja, uma visão colonialista de sensualidade exacerbada e embotamento da mulher africana, a literatura dos colonizados irá procurar contrapor, seus sexos, um modelo de trabalhadora exemplar (MACÊDO, 2008, p. 125).

Tendo cuidado para não sair de uma categorização e cair em outra, Paula Tavares combate o poder e a língua por meio da literatura, quando questionada sobre o teor de sua poesia, se era uma poesia de gênero ou não, a poetisa respondeu, em entrevista já citada, ao Portal Buala:

Até muito pouco tempo, isto não era preciso. A voz da mulher realmente não tinha uma identidade, embora houvessem vozes femininas que tinham construído seus trabalhos em determinados momentos, como a poesia sobre a terra... Mas eu penso que essas mulheres, incluindo dentre elas Alda Lara, não tinham ainda uma consciência das particularidades do “eu feminino” dentro daquele universo. É muito difícil nós falarmos da poesia de gênero,

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pelo menos até certa época, até certo ponto, com relação à poesia angolana escrita por mulheres (TAVARES, 2010).

É por meio dos corpos, subjugados e estereotipados, como máquinas de fazer filhos, que Tavares convida os seus leitores para uma viagem pelo deserto do Kalahari. Paisagem misteriosa, porém, convidativa, dunas que mudam de lugar causando confusão em seus peregrinos, contudo, repletas de segredos a serem desbravados pelos aventureiros que se permitem viver esta aventura.

Agora, Tavares usará a representação do anônimo para falar de si mesma. Lançado ao silêncio, o eu-lírico feminino de Paula Tavares fará do seu corpo, estereótipo do desejo masculino, uma arma de guerra. A poetisa romperá com os títulos e o rótulo imposto por meio dos poemas, irá viajar pelos labirintos do erotismo que, agora, não será mais um meio de condenação, porém de emancipação, como agrega Rancière (2009b, p. 36):

O artista é aquele que viaja nos labirintos ou nos subsolos do mundo social. Ele recolhe os vestígios e transcreve os hieróglifos pintados na configuração mesma das coisas obscuras e triviais. Devolve aos detalhes insignificantes da prosa do mundo sua dupla potência poética e significante [...] ele dá a conhecer a história verdadeira de uma sociedade, de um tempo, de uma coletividade; faz pressentir o destino de um indivíduo ou de um povo. Tudo fala, isso quer dizer também que as hierarquias de ordem representativa foram abolidas (grifo do autor).

Paula Tavares habita os subsolos do anonimato feminino, ela não apenas transcreve o anonimato e a colonização sofrida por suas semelhantes, contudo, ela rescreve estas histórias, arrancando-as do seu lugar de subalternidade. Não mais máquinas de procriação, não mais o rótulo de pureza e castidade perante um povo, mas Tavares “tudo fala”, reescrevendo as histórias das mulheres anônimas de Angola. Agora, elas falam, seus silêncios recolhidos pelos leitos dos parceiros agora ecoam pela transgressão dos interditos. Não existem, para a poeta, temas nobres e temas vulgares, existe um povo que fala e será por meio de sua arte que essa voz se fará ser escutada:

Não existem temas nobres e temas vulgares, muito menos episódios narrativos importantes e episódios descritivos acessórios. Não existe episódio, descrição ou frase que não carregue em si a potência da obra. Porque não há coisa alguma que não carregue em si a potência da linguagem. Tudo está em pé de igualdade, tudo é igualmente importante, igualmente significativo. [...] A escrita muda das coisas revela, na sua prosa, a verdade de uma civilização ou de um tempo, verdade que recobre a cena outrora gloriosa da “palavra viva” (RANCIÈRE, 2009b, p. 36-38).

45 Para a poetisa, o silêncio de suas compatriotas é nobre, torna-se sua temática e pela sua poesia, torna-se subversão e resistência. Sua palavra outrora muda, voa, fala a quem deve e a quem não deve falar, o que se quer e o que não se quer escutar. Transgride. O erotismo e o sagrado se tornam principais armas de emancipação nas mãos da poetisa.

2.1 A mulher reescrevendo e se reescrevendo na história por meio do erótico e

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