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A mulher na reparação do seu pecado com a Redenção de Cristo

2.1. As mulheres no Magistério Pontifício: as visões do magistério de João XXIII até Francisco

2.1.2 Concílio Vaticano

2.1.4.3. A mulher na reparação do seu pecado com a Redenção de Cristo

J. Ratzinger considerou, portanto, que era necessário romper com a lógica do pecado, de forma a buscar uma saída, para que o pecado pudesse ser eliminado do coração do Homem pecador137:

“A superação do pecado - a redenção - deve, portanto, também se manifestar na superação dessa perversão no restabelecimento de uma ordem segundo a criação, no retorno do "opositor ao co-sujeito". A esse respeito, o Papa, em sua Carta, ilustra insistentemente como a acção redentora de Cristo também envolve a restauração dos direitos e da dignidade das mulheres”138

Podemos então considerar que é necessário que a Igreja deva adoptar este esquema em todos os sentidos, mas especialmente no campo pastoral e jurídico. A cultura do machismo é uma consequência do pecado que não pode ser apoiado pela Igreja ou pela Sociedade. São feridas da natureza humana transformada em cultura. Infelizmente, esses parâmetros culturais não são apenas conscientemente ou inconscientemente assumidos, mas muitas vezes tornam- se normas dentro e fora da Igreja, ignorando a novidade do cristianismo. Por isso, como afirma Virgínia Azcuy:

“Quando o machismo penetra nas estruturas, deixa de haver espaço para a dignidade, a participação e as relações de reciprocidade no amor e no cuidado reciproco. Portanto, não é suficiente a conversão do coração, mas é necessária uma transformação das estruturas. Como resposta à situação de desigualdade e violência que muitas mulheres vivem, é preciso prospectar uma antropologia inclusiva”139.

137 Cf. Cardeal Joseph Ratzinger, Carta aos bispos da Igreja Católica sobre a colaboração do homem e da mulher…, 8.

138 Cardeal Joseph Ratzinger, Apresentação da carta apostólica “Mulieris Dignitatem”…, 2.

139 Virginia R. Azcuy, “O evangelho, a carta fundamental sobre a dignidade das mulheres”, L’Osservatore Romano (1 de Novembro de 2014): 5.

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Uma das contribuições mais valiosas do magistério de João Paulo II, a este respeito, tem sido a de empreender uma exegese da Sagrada Escritura em consonância com o projecto original do Criador. Através dela, os abusos cometidos contra as mulheres são denunciados sem receios, os quais por séculos foram injustamente e criticamente consideradas de forma desigual, como por exemplo, adultério, mães solteiras, entre outros. Neste sentido, veja-se a exegese de João Paulo II do episódio bíblico da mulher adúltera e a sua corajosa denúncia às terríveis consequências que muitos homens, que não só não assumiram as responsabilidade das suas acções perante as mulher, mas também propiciaram julgamentos, normas ou instituições que, com a hipocrisia puniam as mulheres com grande dureza (cf. MD 14).

Também o Santo Padre interpreta os textos paulinos discutindo a submissão da esposa ao marido. Ele levanta a questão auferindo que “na relação marido-esposa, a submissão não é unilateral, mas recíproca” (MD 24). Portanto, é injustificável qualquer tipo de submissão da Mulher no casamento, entendida como dominância ou desigualdade. Esta imagem reforçada da igual dignidade de ambos os cônjuges atinge a sua formulação jurídica na concepção conjunta do casamento no Código do Direito Canónico de 1983, no cânone 1135, que afirma claramente: "ambos os cônjuges têm a mesma obrigação e direito a tudo o que pertence ao consórcio da vida conjugal." O vínculo matrimonial é único, com direitos e obrigações idênticos para ambos os cônjuges. Assim, não existem diferentes valorizações de exclusão ou abuso de direitos e deveres matrimoniais, com base em razões culturais. Nesta dualidade complementar “ […] a Igreja, iluminada pela fé em Jesus Cristo, fala em vez de uma colaboração activa entre homem e mulher, precisamente no reconhecimento da própria diferença140. Consequentemente, conduziria a uma perda irreparável para mulheres e para a sociedade para conceber a promoção e a realização pessoal das mulheres como uma reprodução mimética do modelo masculino 141. Pelo contrário, sempre e em qualquer parte cada cônjuge deve respeitar-se a si e à sua cônjuge com verdade e responsabilidade (MD 12), o que também implica assumir a responsabilidade pro-criativa e educacional como única e com implicações para ambos os cônjuges (CEC 2379). Como recorda João Paulo II, “É preciso que o homem seja plenamente consciente de que contrai […] um débito especial para com a mulher. Nenhum programa de «paridade de direitos» das mulheres e dos homens é válido, se não se tem presente isto de um modo todo essencial” (MD 18). Em suma, a maternidade das mulheres representa um apelo e um desafio especial destinado ao homem e não pode ser evitada a sua paternidade (cf. MD 16). Nesse sentido, a pastoral familiar deve

140 Cardeal Joseph Ratzinger, Carta aos bispos da Igreja Católica sobre a colaboração do homem e da mulher…, 4.

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incidir na formação e acompanhamento dos homens para que assumam com mais dedicação e comprometimento esta faceta do seu casamento e da sua vocação paterna. Paradoxalmente, uma boa parte dos movimentos feministas que tem ajudado a excluir os homens na questão da procriação e no papel da paternidade. A libertação da maternidade em favor da causa feminina alcançou uma banalização perigosa do aborto, ficando-se com a ideia de que a culpa é só das mulheres. Todavia, sem minimizar a gravidade da moralidade do aborto, nem as suas consequências penais (cf. EV 59), os Papas João Paulo II (cf. EV 99) e Francisco (cf. EG 214) falam das condições dolorosas que levam as mulheres a abortar, apontando e exigindo responsabilidades para aqueles que exercem essa pressão. Assim, primeiramente, “ culpado pode ser o pai da criança, não apenas quando claramente constringe a mulher ao aborto, mas também quando favorece indirectamente tal decisão ao deixá-la sozinha com os problemas de uma gravidez ” (EV 59). Os médicos e os trabalhadores da saúde também compartilham essa responsabilidade, quando colocam em prática a promoção da morte, bem como as clínicas que praticam o aborto, bem como os legisladores, políticos, instituições internacionais, fundações e associações que lutam sistematicamente pela legalização e difusão do aborto por todo o mundo (cf. EV 59). No entanto, nada pode justificar a eliminação deliberada de um ser humano inocente, reafirmando assim a posição da Igreja contra o aborto (cf. EG 24).

Pelo contrário, os Papas do novo milénio querem procurar alternativas que não penalizem as mulheres no seu papel da maternidade. Defendem uma política de conciliação laboral que permita às mulheres exercer livremente as suas opções, sem repreensões ou julgamentos pelas duas decisões142. O problema não é apenas jurídico, económico ou organizacional, mas é sobretudo o problema da mentalidade, da cultura e do respeito 143. É, portanto, necessário repensar as políticas laborais, urbanísticas, habitacionais e serviços para que os horários de trabalho e família possam ser conciliados, dando atenção às crianças e aos anciãos. Isto requer, entre outras coisas, transformar a política familiar no eixo e motor de todas as políticas sociais, a fim de garantir condições de verdadeira liberdade na decisão sobre paternidade e maternidade, bem como uma avaliação justa do trabalho desenvolvido pela Mulher na família (cf. EV 91).

2.1.5. Bento XVI

O magistério deste Papa cresce à sombra de duas décadas de serviço fiel a João Paulo II, como prefeito da Congregação para a doutrina da fé. Muitas das suas contribuições estão

142 Cf. Francisco, Discurso do Papa Francisco aos participantes do congresso nacional do centro italiano feminino (25 de Março de 2014).

143 Cardeal Joseph Ratzinger, Carta aos bispos da Igreja Católica sobre a colaboração do homem e da mulher…, 13.

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incorporadas na doutrina previamente exposta. Do seu pontificado, sublinharia algumas intervenções que convergem numa crítica directa da filosofia de género e num reducionismo antropológico, para que eles assumam a negação radical da criatura e filialdade do Homem, isolado numa solidão dramática144. O Papa adverte que o mais assustador desta corrente de pensamento é a absolutização do homem: “o homem quer ser ab-solutus, isto é, desvinculado de qualquer laço e de qualquer constituição natural. Ele pretende ser independente e pensa que a felicidade se encontra unicamente na afirmação de si mesmo”145. Em consequência, somente

o Homem existiria, autónomo e estando apenas ligado à sua natureza, excluindo o Criador. Estas correntes culturais e políticas tentam eliminar e confundir as diferenças sexuais na natureza humana, considerando-as um constructo cultural. A dualidade essencial do ser humano é, portanto, desafiada: o masculino e feminino, como dados originais, como a natureza da pessoa humana. E essa negação carrega com ela a família como uma realidade pré-estabelecida pela criação, como também a prole, que se transforma num objecto a que um é intitulado. Quer no desenvolvimento, quer na promoção humana, uma vigilância crítica deve levar à rejeição de qualquer colaboração que favoreça directa ou indirectamente projectos ou acções que contrastem com a antropologia cristã 146.

Pelo contrário, a igreja está sempre empenhada em promover a pessoa humana de acordo com o plano de Deus, na sua dignidade integral, em relação à sua dimensão vertical e horizontal dupla, intrinsecamente ordenada à relação e socialização. Concluindo, o Pontifício Magistério das últimas décadas tem levado a cabo uma importante visão das transformações culturais e sociais que tiveram um impacto sobre a identidade e o papel das mulheres na família, na sociedade e na Igreja. O saldo global é positivo: recuperou muito a igualdade original na interpretação da antropologia bíblica e no campo jurídico-canónico. Mas ainda há desafios importantes a serem enfrentados na evangelização das culturas e na práxis eclesial. No entanto, tem havido uma maior preocupação em reflectir e desenvolver o papel e a missão das mulheres, quer no ambiento eclesial, quer no âmbito da sociedade. No processo missionário da Igreja é importante a evangelização da cultura, com outras línguas e sensibilidades, em que as mulheres devem estar presentes e directamente envolvidas147.

144 Cf. Bento XVI, Discurso do Papa Bento XVI aos participantes da assembleia plenária do pontífice conselho Cor Unum (19 de Janeiro de 2013).

145 Bento XVI, Discurso do Papa Bento XVI aos participantes da assembleia plenária do pontífice conselho Cor Unum …

146 Cf. Bento XVI, Discurso à Curia Romana (21 de Dezembro de 2012). http://w2.vatican.va/content/benedict- xvi/pt/speeches/2012/december/documents/hf_ben-xvi_spe_20121221_auguri-curia.html

57 2.2. O lugar teológico da mulher

Nas últimas décadas, começa a surgir uma maior consciência da realidade no campo teológico e eclesial, tanto em homens quanto em mulheres. A mulher passou a ser objecto e sujeito de reflexão na área da teologia, bem como reflexão do seu papel na Igreja148. O sucesso desta novidade desperta interesse, perplexidade, interrogação, como também insegurança ou até mesmo rejeição. O surgimento de mulheres na teologia representa uma das principais oportunidades e desafios que se apresentam para igrejas cristãs deste tempo, porque ainda não é tudo dito sobre a dignidade das mulheres na história e porque é necessário.

Esta descoberta pode agravar, especialmente no pós-Vaticano II: o desenvolvimento da tarefa teológica das mulheres que está directamente ligada ao processo de renovação iniciado na Igreja e o lugar dos leigos têm neste. Nesse sentido, imaginemos que um processo de promoção das mulheres na teologia esteja directamente relacionado à promoção dos leigos, enquanto as dificuldades para cumprir tal objectivo convidam a examinar as tensões levantadas na busca de uma maior participação destas nas suas comunidades. O crescente número de mulheres que se dedicam ao ensino e à reflexão teológica está a ser sentida e isso está a criar uma nova consciência. Como em todo o começo, os pequenos passos adquirem o significado dos acontecimentos e são vividos com responsabilidade e audácia ao mesmo tempo. Isso compromete a mulher a dar a sua contribuição à Igreja, em humildade e serviço, não podendo renunciar às exigências que isso implica, embora “ser a novidade” tenha o seu preço e, às vezes, possa levar ao desânimo.