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A mulher nas cartas paulinas

As Epístolas de Paulo evocam inúmeras mulheres cuja ajuda é preciosa ao apóstolo: entre outras, Febe, chamada diaconisa e protectora (cf. Rm 16,1-2), Priscila, colaboradora (cf. Rm 16,3), Evódia e Síntique, igualmente colaboradoras94 (cf. Fl 4,2-3).

No ensino do apóstolo Paulo aborda-se várias vezes a questão dos ministérios femininos sem a tratar de modo sistemático. O apóstolo Paulo, para quem a mulher não existe sem o homem, nem o homem sem a mulher (no Senhor) (cf. 1 Cor 11,11), proclama corajosamente que a graça da filiação divina é dada aos homens e às mulheres em conjunto (cf. Gn 3,26-28; 2 Cor 6,18). Igualmente pecadores, revestem Cristo e são um nele, ele em quem não há mais nem homem nem mulher (cf. Gn 3,27-28). Os carismas, necessários à

91Cf. Tina Pippin, “The Heroine and the Whore: Fantasy and the Female in the Apocalypse of John”, From Every People and Nation (Minneapolis: Ed. David Rohads, 1992): 127.

92 Cf. Tina Pippin, “The Heroine and the Whore: Fantasy and the Female in the…”: 136

93 Cf. José Carlos Carvalho, “A mulher hebraica no Apocalipse”, in Humanística e Teologia, 26 (Porto: Ed. Universidade Católica Portuguesa, 2005), 7-10.

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edificação da Igreja e à realização da sua missão, são distribuídos segundo a liberdade do Espírito a todos os membros do corpo de Cristo. As listas de carisma que dá-nos o apóstolo, não são acompanhadas de nenhuma restrição (cf. Rm 12; 1 Cor 12) quanto ao género 95 .

Mas a nova realidade que as mulheres conhecem graças ao Evangelho não elimina todas as diferenças de desempenho no serviço de Deus atribuindo aos homens e às mulheres e esta situação é absoluta, não havendo lugar para a troca de papeis atribuídos a cada um dos sexos. A propósito do serviço da Palavra, o próprio facto de a questão da palavra pública das mulheres se ter colocado, mostra que uma mudança tinha acontecido e esta mudança seria impensável numa sinagoga judaica ou numa assembleia grega96.

Paulo exprime-se mais precisamente sobre este assunto em diversas ocasiões: uma vez, reconhece às mulheres a possibilidade de profetizar ou de orar em público (cf. 1 Cor 11,5); outra vez, não lhes permite ensinar ou dominar o homem (cf. 1 Tm 2); noutro lugar ainda, menciona que as mulheres devem calar-se e permanecer submissas (cf. 1 Cor 14,34). Ele quer afastar tudo o que poderia desacreditar a Igreja de Cristo, suscitar calúnias. Seria o caso em que mulheres, abusando da sua nova liberdade, desprezassem regras de conveniência97 (cf. 1 Cor 11 e 14 são disso exemplo).

Paulo não faz somente apelo a argumentos de conveniência. Ele fundamenta as suas interdições sobre a subordinação da mulher ao homem, que se encontra associada à sua comum criação à imagem de Deus, na ordem original querida por Deus98 segundo 1 Tm 2,9- 15. O nosso respeito pela inspiração bíblica leva-nos ao dever de seguir o apóstolo nas conclusões que ele tira do texto do Génesis. Deus atribui ao homem uma autoridade específica. Se nesta autoridade se encontra uma ordem desejada por Deus, não podemos de modo nenhum inverter ou destruir esta ordem para nos conformarmos com as correntes do pensamento do mundo moderno. As mulheres cristãs não devem rejeitar toda a subordinação e recusar o papel que Deus lhes confia. Devem compreender a atitude da Igreja perante Cristo e a atitude de Cristo em relação ao Pai (cf. Ef 5; 1 Cor 11). Aliás, há uma subordinação geral e recíproca, que vale também para o homem (cf. Ef 5,21). Ela não apaga as diferenças de autoridade, mas determina a maneira como é exercida a autoridade. A autoridade do homem é a outra face do serviço pelo qual é responsável. Para a mulher, reconhecer esta autoridade não é sinal de humilhação e de desvalorização, mas ajudar o homem a trata-la com dignidade.

95 Cf. João Paulo II, Carta apostólica Mulieris Dignitatem, (15 de Agosto de 1988),25.

96 Cf. João Duque, 2010. “ A mulher entre dois mundos: de Aristóteles a São Paulo”, Revista Portuguesa de Humanidades, 14: 53-62.

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As comunidades cristãs ignoraram demasiadas vezes fechar-se na alternativa do igualitarismo e do autoritarismo. Ela compreendeu a noção de autoridade e de submissão, fiel à tradição instituída e não à luz do Evangelho. Chamada a contribuir na promoção da mulher, deixou que se estabelecesse uma relação hierárquica, dominadora, fazendo da mulher uma serva e não como adjuvante do homem, o seu prolongamento e não a companheira. Assim, a maior parte das cristãs, confinadas a tarefas menores ou como tais consideradas99, não puderam pôr ao serviço dos outros o dom que tinha tinham recebido (cf. 1 Pe 4,10).

Na Igreja de Jesus Cristo, todos os cristãos têm um ministério. Todos, homens e mulheres, são servidores ou ministros do Senhor. Na primeira comunidade cristã, é apresentado um contexto social em que as mulheres eram geralmente postas de lado, contudo, as cristãs puderam desempenhar um papel importante e útil, como diaconisas 100. A ordem das viúvas, à qual se refere 1 Tm 5,9-10, é um exemplo. Não se trata de copiar uma organização que o Novo Testamento não procura institucionalizar, mas antes descobrir em cada situação como todos os cristãos, homens e mulheres, podem realizar o melhor serviço para o Senhor. É preciso permitir às mulheres desenvolver e aplicar os dons que elas receberam de Deus e de os exercer na Igreja para o bem comum.

Uma autoridade liga-se ao exercício de certos ministérios. Podemos inclui-los entre os serviços que as cristãs podem desempenhar? A questão é particularmente delicada no que diz respeito ao ministério pastoral que implica ao mesmo tempo o exercício duma autoridade e a palavra pública.

Em certas comunidades, as mulheres são consagradas a este ministério. Outras comunidades se recusam este direito, vendo na restrição de 1 Tm 2,12 um impedimento absoluto “Não permito à mulher que ensine nem que se arrogue autoridade sobre o homem; convém que permaneça em silêncio”. Neste texto, Paulo refere-se à ordem criacional desejada por Deus: não se pode portanto pôr de parte este versículo considerando-o como simples conselho ditado pelas circunstâncias. Mas a referência à ordem da criação mostra também, pensamos nós, que ela é a intenção do texto. O apóstolo refere-se ao Génesis para estabelecer (como em 1 Cor 11) a subordinação da mulher; e não é somente para manter este princípio, a título de consequência, que ele não permite à mulher ensinar. Na época de Paulo, o laço entre autoridade e ensino era evidente para todos; nós não podemos, na nossa situação cultural, dizer o mesmo. Pode afirmar-se que o mesmo princípio genesíaco se aplica hoje de modo diferente. Por outro lado, é claro que pode conceber-se que a regra definida por Paulo definia

99 Cf. Joachim Jeremias, Jerusalén en tiempos de Jesús (Madrid: Ed. Cristiandad, 2017), 485.

100 Elisabeth Schüssler Fiorenza, As origens cristãs a partir da mulher. Uma nova hermenêutica (São Paulo: Ed. Paulinas, 2012), 97-99.

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o regime ordinário, permanecendo Deus livre de chamar uma mulher a um ministério extraordinário, confiando-lhe os dons que Ele quisera, como nos casos de Débora e de Priscila.

Jesus imprime um novo significado neste contexto em que o seu ministério se desenvolve. Ele restaura a imagem da mulher que tinha sido desprezada pela dureza do coração dos homens (cf. Mt 19, 7-8). Jesus introduzirá pensamentos que quebram radicalmente com a tradição judaica. A Sua passagem por este mundo não é a de um rabino ou qualquer professor da lei, mas desafiando mentes aprisionadas nas suas próprias ideias, Jesus lutará com mais do que palavras e acções, em vista a quebrar um cegueira espiritual, na qual manteve a mulher num “cativeiro” mental, social e religioso. Jesus “vem proclamar a boa notícia para os pobres, para curar o coração partido, para pregar a liberdade de os cativos e visão dos cegos, para colocar a liberdade para os oprimidos” (Lc 4, 18-19),onde certamente se encontram as mulheres. Contra cada contexto e tradição, a atitude de Jesus com as mulheres é um acontecimento inédito na história101. Ele olhou para elas não em termos de género, idade ou estado civil, mas em termos de irmãos, irmãs e mãe (cf. Mt 12, 49-50). Assim Jesus identifica como seus discípulos aos membros de sua família, e qualquer pessoa, homem ou mulher, que trabalhe e faça a vontade de Deus. Neste sentido, vemos como Paulo proclama uma sentença: não há mais um judeu ou um grego, há escravo ou livre, não há homem ou mulher, porque são todos um em Cristo Jesus (cf. Gal l3,28).

O valor que Jesus reconhece nas mulheres também está patente nos seus ensinamentos sobre o divórcio. As mulheres não são objectos que podem ser devolvidos por ‘qualquer motivo’. Pelo contrário, elas são pessoas projectadas pelo Criador e integradas no casamento sagrado e nenhum homem tem o direito de ‘repudiar’ esta condição102.

Jesus não criou uma escola elitista, mas um movimento de humanidade messiânica, dirigido igualmente a mulheres e homens. Jesus não quer consertar o antigo manto israelense, nem derramar seu vinho em peles desgastadas, mas para oferecer uma mensagem universal de novo nascimento. Não distingue os homens das mulheres, mas também acolhe todos, oferecendo-lhes a mesma palavra pessoal do Reino e da mesma tarefa de serviço em favor de os outros.