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A multiplicidade de interpretações

I. O CONCEITO DE PROJECTO URBANO

1.4. A multiplicidade de interpretações

A consolidação do conceito de Projecto Urbano não foi imediata e provavelmente ainda não está encerrada, continuando a ser feita em função das experiências no terreno, pelo menos no contexto nacional, a partir do reconhecimento dos seus princípios, da sua identificação com os propósitos de intervenção, ou, por outro lado, através da difusão das vantagens resultantes dos modelos de organização, ou melhor, das suas componentes operacionais, que fazem a diferença relativamente a outros instrumentos, que se identificam mais com a noção de Plano.

Nessa óptica, se considerarmos a realidade profissional, ou se nos lembrarmos da anterior interpretação legal, verificamos que nem sempre se reconhecem as suas reais potencialidades, até porque entre os instrumentos disponíveis é corrente haver alguma margem de escolha, no momento da decisão . Sucedendo que muitas das vezes os critérios de opção prendem-se mais com as contigências processuais, resultantes de uma interpretação oficial, ou, não menos frequente, exigência política. O que leva a que a adopção desses instrumentos se justifique por uma questão de formalidade processual, de validação de resultados, e nem tanto pelos conteúdos, ou finalidade decorrente dos processos, esses sim, de facto, passíveis de se aproximarem da matriz do conceito.

Aliás, é a partir dessa distinção, que passa pela sua vocação, objectivos e adequação a uma dada tipologia de intervenção, sem deixar de considerar as particularidades do modo de actuação, ou criação das condições para uma gestão continuada e permanente, que se pode eleger a noção mais correcta e adequada, ou, eventualmente, delinear a formalização legal do instrumento.

A testemunhar a evolução da terminologia, e a variabilidade de aplicações, em contraponto com a afirmação de certas qualidades que se foram revelando com o instrumento, e que permitem enquadrá-lo institucionalmente, registe-se: La notion de plan, autrefois largement employée par les acteurs – décideurs de l’aménagement et de l’urbanisme, en France, a été actuellement suplantée par la notion de projet urbain. Cette expression était déjà à la mode dans les années 1970, principalement employée par les architectes comme synonyme de «composition urbaine». Ils y associaient aussi l’idée d’un projet d’architecture «à grand échelle». Autrement dit, la notion de «projet» classique, processus technique du ressort de l’architecte, l’emportait sur celle, plus large, d’«urbain» qui se rèfere à la ville et qui renvoie de ce fait à des compétences multiples et donc pas uniquement aux problèmes d’organisation spatiale. Cetle double dénomination de «projet» et d’ «urbain» a favorisé une certaine ambiguîté de la notion.(17) (17) INGALLINA, Patrizia, 2001 “Le Projet Urbain”, p.5.

- A pretensa substituição do termo ‘urbanismo’.

Resultante de à época se associar a expressão ‘urbanismo’ ao Funcionalismo, por sua vez identificado com o Movimento Moderno, levando à adopção de um termo alternativo, que acentuasse a diferença de princípios, ou uma nova atitude projectual que, em total contraste com a prática anterior, defendia as pré-existências, a valorização das especificidades locais, ou a contextualização dos monumentos, conseguida com a preservação dos tecidos edificados, por exemplo, recuperando os edifícios comuns, situados na sua envolvente. Representando na prática, as teses que chamavam a atenção para a identidade sócio-cultural das populações, para a necessidade de uma análise integrada dos problemas, nas suas múltiplas dimensões, imprescindíveis em qualquer processo de decisão. Princípios, que anunciavam um método(?) alternativo ao modernismo, cujas intervenções ficariam conhecidas pelos seus cânones impositivos, de expressão internacional, cujo ideal de progresso implicou, em certos casos extremos, a descaracterização dos sítios, ou o sacrifício de um legado histórico de séculos.

Fig. 11: Estudo morfológico de um quarteirão na Shutzenstrasse, Berlim: Aldo Rossi, 1992-97; Fonte: Casabella n.º 654, Março 1998, p.17

- A identificação com as grandes intervenções urbanísticas.

Devido à vontade política de se concretizarem grandes operações de renovação e revitalização urbana, e a uma estratégia de dinamização económica, muitas vezes cúmplice da realização de certos eventos internacionais, proporcionando os apoios institucionais e a visibilidade.

Aspecto, que remete para o papel de concretização de políticas públicas, as quais não são indiferentes da natureza dos problemas urbanos, que estão representados na seguinte classificação, ou tipologia de intervenções, cujas variáveis justificam o formato matricial:

Fig. 12: Quadro ‘tipológico’ de Projectos Urbanos;

- A identificação com o projecto de espaços públicos.

Embora a afirmação possa ser considerada redutora, é através do investimento em espaços públicos ou nos equipamentos de referência, especialmente se extravasando o âmbito local, naquilo a que se

convencionou chamar de Sistema de Espaços Colectivos (SEC)(18), enquanto intervenções pontuais,

mas claramente estratégicas, de ‘projectos estruturantes’, capazes de se tornarem potenciais ‘alavancas’ de outras mais transformações, num processo análogo ao dos fenómenos ‘catalíticos’. É de se observar que tal selecção não deverá ser confundida com uma simples lista de acções, se, e como se viu, deve implicar sempre um enquadramento superior, seja através de um plano de estrutura, e/ou uma estratégia de desenvolvimento urbano, que contemple à escala da cidade, a definição das prioridades, ou a devida articulação e coerência entre todas acções.

Fig. 13: Localização e tipologia de intervenções na ‘Ciutat Vella’, Barcelona;

Fonte: ‘Barcelona - the urban evolution of a compact city’, Joan Busquets, 2005, p.447 (18) PORTAS, Nuno “Os Tempos das Formas – A Cidade Feita e Refeita”, p.195.

- Intervir na cidade existente, articulando as partes com o todo.

Dado que é fundamental uma perspectiva integradora, capaz de reunir as diferentes lógicas sectoriais, e se, isso, pressupõe o envolvimento de vários profissionais, representativos das muitas especialidades, sem esquecer a organização da participação e da negociação, e se, paralelamente, requer uma visão abrangente dos problemas, indispensável à interpretação dos fenómenos urbanos, especialmente em situações com fortes interacções e dinâmicas de transformação, como condição para se encontrarem as soluções mais equilibradas e contextualizadas.

Um método cujo potencial se mostra igualmente eficaz em outras situações, inclusivamente em projectos ditos à escala territorial, ainda que a origem das metodologias, dos seus princípios se situar na experiência de reabilitação dos centros históricos, onde e à semelhança de outros cenários, a complexidade, a carga de condicionantes físicas, cadastrais, sociais, etc, as muitas implicações,

associadas aos diversos actores envolvidos, se mostra bem mais evidente.

Fig. 14: Projecto de Reconstrução do Chiado - Lisboa, 1989 : Álvaro Siza. arq.tº; Fonte: “Álvaro Siza – 1986-1995” p. 162

- A relação com o conceito de ‘Novo Urbanismo’.

É um termo ambíguo, dado que apresenta diversos significados, alguns deles contraditórios, podendo ir desde os modelos extensivos de ocupação, tipicamente norte-americanos, de bairros de moradias individuais, em oposição à cidade tradicional, até a um certo tipo de condomínios fechados, que funcionam como ‘ilhas’, onde, e bem pelo contrário, se pretendem ressuscitar linguagens conservadoras, conotadas com um certo prestígio social, a partir da colagem de arquétipos clássicos. Até, por último, e bem mais pertinente relativamente ao tema, e, espera-se, mais consensual, em que está subentendida a ideia de competitividade entre cidades, nas intervenções que obtiveram visibilidade internacional, designadas no meio profissional por ‘grandes projectos urbanos’ (GPU) e que, exactamente por terem apostado na revitalização e requalificação urbana, baseados em padrões de qualidade elevados, isto é, na oferta de espaços públicos e de equipamentos colectivos relevantes, ajudaram a reconciliar as populações com a cidade consolidada, com certas áreas que, se inicialmente decadentes ou semi-abandonadas, por serem vazios, zonas centrais ou ribeirinhas, etc viriam a ressurgir como espaços públicos de excelência, muitas das vezes, também pela sua localização privilegiada, integração na rede de transportes ou outras potencialidades latentes.

Fig. 15: Proposta para La Bastide, Bordéus, 1986-89 : Ricardo Bofill, arq.tºs; Fonte: www.bofill.com

1.5. As questões em torno deste Instrumento.