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O entrosamento entre a Arquitectura e o Urbanismo

III. CARACTERIZAÇÃO

3.6. O entrosamento entre a Arquitectura e o Urbanismo

- A componente disciplinar: princípios, métodos e objectos-materiais.

Atendendo à noção de que a cidade se constrói ao longo de um processo constituído por sucessivos passos, num horizonte temporal indefinido, com o contributo de unidades que correspondem a peças de arquitectura, e tendo consciência de que existe uma lógica, ou uma (infra)estrutura, inerente à cidade que se situa num campo disciplinar autónomo, do urbanismo, onde se faz o entrosamento da arquitectura com o desenho urbano, sem descurar a realização de outras ‘pontes’ disciplinares.

A demonstrar tal argumento está a hipótese, levada ao absurdo, de que se a simples aglomeração de boas peças de arquitectura, dificilmente constrói ‘cidade’, ou gera um ambiente urbano de qualidade, também é verdade (embora menos determinante) que uma estrutura física, uma composição ou elemento construído (no caso de um revestimento de chão), dificilmente se compatibiliza com uma envolvente formal medíocre, ou tipologicamente desqualificada, se não houver investimento à escala arquitectónica, a nível das unidades que ‘formalizam’ um determinado conjunto.

Fig. 50: Proposta de Renovação Urbana ‘Concurso para Kreuzberg - Berlin’; 1976 –77, Álvaro Siza. arq.tº; Fonte: “Álvaro Siza – Profissão poética” p. 149

- A (re)construção do Espaço Colectivo, como regulação da ocupação.

Na sequência da anterior reflexão é de se concluir que a definição dos traçados reguladores, das implantações e correspondentes afastamentos, ou seja, a composição dos espaços públicos e a sua articulação e coerência, aferível num todo superior, é fundamental e reflecte-se directamente, não só num funcionamento equilibrado, na eficiência da resposta aos usos e fluxos presentes, mas igualmente a nível do bem estar das populações, ajudando a construir a identidade colectiva, idelevelmente associada à imagem do ambiente urbano, em teoria, o suporte da res pública. Isto é, o lugar onde ocorrem físicamente os encontros, onde acontecem as inter-acções sociais, cujo significado, ou representatividade colectiva é tão ou mais importante que a avaliação funcional, ou quantitativa, que decorre da programação de equipamentos colectivos e demais infra-estruturas.

Reconhecendo-se que a definição da estrutura do espaço colectivo deve preceder a ocupação urbana (reconhece-se porém, que na nossa realidade territorial, principalmente na cidade-alargada, raramente é assim, com todos os inconvenientes conhecidos), antecipando fases de crescimento e necessidades futuras, perspectivando uma ‘temporalidade’ que vá mais além do horizonte imediato, porque os traçados urbanos constituiem elementos perenes, sejam geometrias cadastrais ou eixos materializáveis em vias, revelando-se resistentes, com ritmos de transformação distintos dos edifícios.

Fig. 51: Proposta de Requalificação Urbanística de Alcoitão; Fonte: Exercício de Projecto, 2005-7, Planta de Síntese.

- A temporalidade dos ciclos de produção.

Um aspecto que resulta da verificação de que o tempo em urbanismo contrasta com o da arquitectura, muito mais imediata no acto de executar, e também menos duradoura, dado que o primeiro, pelas suas implicações e impacto geral, pode prolongar-se ao longo de várias gerações, apresentando fases e ciclos diferentes, podendo manifestar uma ordem de interesses (individuais e colectivos) nem sempre coincidentes. Não obstante, é de notar que tal facto pode ser transformado num parâmetro de trabalho, desde que se encontrem soluções de projecto suficientemente inteligentes e criativas, abertas e flexíveis, capazes de ‘incorporar’ o tempo na sua concretização, sem prejuízo (ou, porventura com ganhos?) da imagem de conjunto, antecipando e regulando ‘momentos’ de transformação, inovando em termos conceptuais, propondo soluções formais compatíveis com esse desígnio.

Fig. 52: Projecto de Requalificação Urbanística ‘Quinta da Malagueira - Évora’; 1977, Álvaro Siza. arq.tº; Fonte: “Álvaro Siza – Profissão poética” p. 96

- A cidade como artefacto, produto cultural e legado histórico.

Interpretada como o resultado de uma lógica de produção de património, na sua acepção mais alargada, traduzindo os valores de uma determinada época.

- A dimensão colectiva, e sócio-cultural vs o papel da autoria.

Porque a cidade é sempre representativa da sociedade e talvez a sua expressão mais completa e complexa...

Fig. 53: Projecto para o Parque Mayer: Frank Ghery, arq.tº

Fonte: Revista LXF – Lisboa Futura n.º 05, Setembro 2005, p. 106

La notion moderne de projet est plus que jamais au coeur de cet urbanisme. Mais le projet n’y est plus seulement un dessein doublé d’un dessin. C’est aussi un outil don’t l’élaboration, l’expression, le développement et la mise en oeuvre révèlent les potencialités et les contraintes qu’imposent la societé, les acteurs en présence, les sites, les circonstances et les événements. Le projet est également un analyseur et un outil de négotation.(58)

- A diversidade formal e de tipos, com intensidade e mistura de usos.

Enquanto fórmula de sucesso de alguns empreendimentos que, e com bastante ironia, propõem um regresso aos ‘arquétipos’ da cidade tradicional, como reacção e solução para ultrapassar certas fragilidades, ou problemas a nível da sua apropriação e monotonia visual, que se associou a muitas das urbanizações pensadas de raiz, consequência das metodologias de uma planificação demasiado racionalista, com outras prioridades ou preocupações, condicionadas pela sua própria dimensão, excessivamente ‘simplistas’ no seu modelo urbano, no condicionamento e distribuição das actividades... No fundo, é mais um sintoma de nostalgia, pós-moderna, expressa na recusa do zonamento, da ordem e dos pressupostos rígidos do funcionalismo, defendendo em sua substituição, e expressão limite, a utopia do ‘regresso’ a processos de geração semi-espontânea da ocupação, de complexos tecidos urbanos, reinterpretando as tipologias locais, de modo a se obter diversidade formal, morfologias mais elaboradas, sem receio da densidade, já que se comprova que a concentração e a mistura de usos estimulam a animação urbana, numa referência óbvia, curiosamente, às condições originais de formação da cidade consolidada, nomeadamente, nas zonas históricas tradicionais.

Fig. 54: Esquema funcional ‘Projecto Urbano Almada Nascente’; Richard Rogers & Santa-Rita, arq.ts Fonte: “Exposição Jornadas da Associação de Urbanistas - C. M. Almada”