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A NACIONALISTA NÍSIA, OS ÍNDIOS E OS ESCRAVOS

CAPÍTULO 3 AS IDEIAS, OS IDEAIS E OS PENSAMENTOS: OUSADIA E

3.3 A NACIONALISTA NÍSIA, OS ÍNDIOS E OS ESCRAVOS

Nísia não ficava restrita ao mundo escolar. Saía pela cidade do Rio de Janeiro a dar conferências defendendo diversas causas que provocavam aflição a diferentes pessoas. E a política também entrava em suas pautas. Ignez Sabino54, em sua obra ‘Mulheres Illustres do Brazil’ citada por Constância Duarte (2006, p. 15), não poupava elogios:

Saíam dali deslumbrados não só pela presença agradável da jovem senhora, como pela audácia da sua inteligência de primeira água e ainda mais...um horror para aquele tempo!...por ousar a ilustre dama falar em abolição e federalismo. (SABINO, 1996, p.172)

Os indígenas eram defendidos por Nísia, que achava que estavam em situação degradante. Ao contrário da maioria dos romancistas e viajantes estrangeiros da época, que viam os índios como selvagens, exóticos e frutos de muitas curiosidades, Floresta pensava na situação daqueles que para ela foram vítimas de opressão da colonização portuguesa, principalmente os nordestinos.

Em 1849 escreve uma obra intitulada ‘Lágrimas de um Caeté’, exaltando a natureza e a valorização do índio. Esta obra é um poema de 172 versos escrito após a Revolta da Praieira55 ocorrida em Pernambuco. Nísia traçou um paralelo entre a opressão do império aos nacionalistas e o sofrimento vivido pelo índio. O principal personagem do livro é Caeté, revoltado com a subjugação e não passivo diante da situação. A perda da identidade ‘silvícola’ é ressaltada em um trecho de seu poema:

Indígenas do Brasil, o que sois vós? Selvagens? Os seus bens já não gozais... Civilizados/ não.vossos tiranos

Cuidosos vos conservam bem distantes Dessas armas com que ferido tem-vos. De sua ilustração, pobres caboclos! Nenhum grau possuís!...Perdestes tudo.

Exceto de covarde o nome infame...(FLORESTA, apud DUARTE, 2006, p. 35)

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Poetisa, contista, memorialista, romancista e biógrafa que lutou também pelos direitos feministas. Escreveu diversas obras e teve educação no estrangeiro. Nascida em 1853 e falecida em 1911. Disponível em: <http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/IgnezSPM.html>. Acesso em: 29/10/2013.

55 Movimento separatista, ocorrido em Pernambuco, de 1848 a 1850, disputado entre dois partidos, o Liberal e o

Conservador. Revoltas populares aconteceram contra os portugueses, acusados como os principais responsáveis. (Almanaque Histórico, p. 31)

Na análise de Duarte (2006, p. 37), o índio de Nísia não é inocente nem personifica a bondade natural idealizada nas teorias filosóficas europeias. E seu pranto não representa apenas o epitáfio poético da Revolução Praieira, mas, principalmente, o fim da resistência indígena frente ao branco invasor. Nísia assinou este trabalho como Telesila56 que - como a poeta grega -, lutou contra a opressão, pela liberdade dos oprimidos e pela liberdade das mulheres.

Já a escravidão, iniciada desde os tempos coloniais e que se estendeu por mais de 300 anos, teve em Nísia uma de suas combatentes. Apesar de nomes como Ignez Sabino (1899), Henrique Castriciano(1909) e Oliveira Lima (1919), entre outros, terem registrado seu descontentamento com a escravidão e, naturalmente, serem favoráveis ao abolicionismo, Nísia Floresta foi a mais incisiva em revelar-se contra o sistema escravocrata, juntamente com uma negra maranhense chamada Maria Firmina dos Reis57.

Muitas outras mulheres e autoras manifestaram-se contra a escravidão. Temos exemplos como Narcisa Amália, Ana Aurora do Amaral Lisboa, Luiza Regadas, Revocata de Melo, Chiquinha Gonzaga, Corina Coaracy e outras. Mas suas vozes, apesar de alguma repercussão, não lograram tanto êxito quanto os escritos masculinos, isso lá pelos anos 1870 e 1880.

Exatamente neste ponto é que residem os méritos de Nísia e Firmina, como precursoras nos anos 1840 e 185058. Em se tratando de Nísia, temos algumas obras que abordaram este nefasto sistema, dando voz aos escravizados. Além do A lágrima de um Caeté (1849), outros escritos foram importantes: Opúsculo humanitário (1853); Passeio ao Aqueduto da Carioca (1855) e Páginas de uma vida obscura (1855). Mas em uma obra em especial, Três anos na Itália, seguidos de uma viagem à Grécia (1864) é que a autora vai explicitar de maneira mais contundente a sua inconformidade com a escravidão que atravessava o país e manchava nossa reputação, já que na maioria dos países este sistema

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56 Poetisa grega (VI-V a.C.) natural de Argos. Quando Esparta marchou contra sua cidade, ela exaltou seus

soldados com seus cantos guerreiros e assim ajudou a repelir o inimigo. Disponível em: <http://www.biografiasyvidas.com/biografia/t/telesila.htm>. Acesso em: 29/10/2013.

57 Escritora brasileira (1825-1917), criadora do Hino à Libertação dos Escravos e autora de Úrsula (1859),

considerado o primeiro romance abolicionista brasileiro e um dos primeiros de autoria feminina no Brasil. Disponível em: <http://www.letras.ufmg.br/literafro/data1/autores/102/mariafirminacritica02.pdf>. Acesso em: 29/10/2013.

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estava já sendo abolido, era considerado ‘a vergonha da civilização moderna’. Eis um trecho de sua obra:

Ó minha pátria querida, Éden desse mundo imenso e extraordinário, reaparecido ao olhar deslumbrado de Colombo, deixa, ah! Deixa livremente explodir de teu nobre peito o grito humanitário, que sufocas penosamente, por força dos deploráveis preconceitos transmitidos por teus antigos dominadores de além-mar! Sê consequente com as instituições livres que te regem, com a religião que professas: quebra, oh! quebra os grilhões de teus escravos! (FLORESTA apud DUARTE, p. 51)

Em Páginas de uma vida obscura, Nísia faz uma referência diretamente aos mercadores de escravos, que tinham em sua mente a ideia de estarem fazendo um bem aos negros:

Os negros d’África são mais infelizes vivendo ali livres, do que escravos em qualquer outra parte; nós lhes fazemos pois um bem arrancando-os à miséria em que vivem na sua pátria’. Assim dizem geralmente imprudentes e sofísticos mercadores que não se envergonham de mentir à humanidade e à sua própria consciência! Como se vê, a escravidão para alguns era algo normal, com pessoas sendo tratadas como ‘coisas’ e mercadorias, num processo de compra e venda59.

Nísia viveu na Europa durante longos 28 anos. Lá, sua produção literária foi intensa e seu encontro e convivência com intelectuais lhe trouxe mais ainda novos olhares e sentimentos. Um destes sentimentos foi o nacionalismo, saudades do Brasil e valorização de nossa terra. Achava que tinha uma missão, mostrar aos europeus como era realmente o país de seu nascimento. Isso a influenciou tanto que alterou a autoria de seus livros, proclamando-se Mme. Brasileira, como ficaria conhecida no velho continente.

Sua paixão era tanta que escreveu um livro, primeiramente em italiano e depois em francês, Brasil (1859). Desta maneira, Mme. Brasileira procurava expor seu lado ufanista, mostrando aos estrangeiros que já naqueles tempos criticavam o Brasil, que tínhamos uma terra rica, majestosa, e que projetava um futuro muito promissor ao país.

Sua partida em 1849 foi envolta, como já dissemos, em controvérsias. A saúde da filha, a campanha contra o colégio, a irritação do Imperador com seu livro A lágrima de um Caeté, enfim, talvez todos estes fatores tenham contribuído para sua partida.

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Sugestão de leitura sobre este tema: Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte, de Sidney Chalhoub. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, 1ª edição.

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