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Nísia Floresta: ousadia de uma feminista no Brasil do século XIX

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO HISTÓRIA

ANTÔNIO CARLOS DE OLIVEIRA ITAQUY

NÍSIA FLORESTA: OUSADIA DE UMA FEMINISTA NO BRASIL DO

SÉCULO XIX

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

PORTO ALEGRE 2013

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ANTÔNIO CARLOS DE OLIVEIRA ITAQUY

NÍSIA FLORESTA: OUSADIA DE UMA FEMINISTA NO BRASIL DO

SÉCULO XIX

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Licenciatura Plena em História, do Departamento de Humanidades e Educação da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

Orientador: Prof. Dr. Ivo dos Santos Canabarro

PORTO ALEGRE 2013

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TERMO DE APROVAÇÃO

NÍSIA FLORESTA: OUSADIA DE UMA FEMINISTA NO BRASIL DO SÉCULO XIX

por

ANTÔNIO CARLOS DE OLIVEIRA ITAQUY

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi apresentado em 09 de dezembro de 2013 como requisito parcial para a obtenção do título de Licenciado em História pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

O candidato foi arguido pela Banca Examinadora composta pelos professores abaixo assinados. Após deliberação, a Banca Examinadora considerou o trabalho aprovado.

__________________________________ Prof. Dr. Ivo dos Santos Canabarro

Prof. Orientador

_________________________________ Membro titular

___________________________________ Membro titular

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Dedico este Trabalho de Conclusão à minha família, pela compreensão de que sonhos são possíveis quando há uma permanente busca de união, amizade e laços eternos.

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho marca o ponto culminante de uma vida acadêmica que começou há muito tempo, mas que só agora se concretizou como a realização de um sonho e de um compromisso que tinha comigo mesmo.

Sinto como se fosse uma missão cumprida. Um resgate necessário. Não cessa por aqui, pois a vontade de conhecimento e ampliar os horizontes surgem a cada dia como uma incessante aspiração de cruzar fronteiras e alçar voos maiores.

Agradeço em especial à minha família, nas pessoas de minha esposa Kátia, companheira e amiga de todas as horas, em tantos anos, que compreendeu a inquietação dentro de mim e a serenou com seu incentivo. Aos meus dois filhos, Thiago e Vitória, que muitas alegrias trazem ao meu mundo e que com muita dedicação procuro dar os melhores exemplos possíveis, entre os quais a busca permanente de seus desejos e sucesso nos caminhos da vida.

Não poderia deixar de citar os meus queridos pais. Ao meu pai Armando, que tanto se esforçou para este momento, mas que a vida não lhe deu a oportunidade de presenciar. A ele ofereço meu coração e dedico esta vitória. Para a minha querida mãe, um beijo e especial abraço pelo acolhimento e preocupação constantes. A eles, o meu agradecimento pela vida, pela linda família e pelo carinho.

A todos os mestres que passaram sua experiência e sabedoria, abrindo novos conhecimentos e horizontes e, em especial, ao meu professor orientador, cujas intervenções foram interessantes e convenientes na estrutura do trabalho. Aos colegas de curso que permaneceram nesta jornada e que muito colaboraram com suas diferentes apreciações. Aos funcionários e tutores que me acompanharam e sempre deram a devida atenção.

Muito obrigado!

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“Não há caminhos? Fá-lo-emos!”

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RESUMO

O trabalho de Nísia Floresta como escritora, educadora e precursora do feminismo no Brasil foi importante para contribuir na emancipação das mulheres e para mostrar que havia um ambiente de opressão e uma necessária defesa daqueles que sofriam com as indiferenças. Durante o século XIX a forte sociedade patriarcal ainda era predominante e impunha as suas vontades. As mulheres ficavam restritas ao espaço privado e não tinham oportunidade de mostrar suas reais capacidades. Transpor estas barreiras era tornar estas mulheres protagonistas e, ao mesmo tempo, um processo desafiador ao contexto conservador. As obras literárias de Nísia, as pesquisas científicas de Constância Duarte, foram significativas para relevar como esta brasileira lutou pelos direitos que lhe eram devidos. Esta personagem quase desconhecida no Brasil é apresentada pelas reflexões e análises que sua trajetória protagonizou. Entre artigos em jornais, livros e outras eminentes mulheres, objetivou desmascarar a dupla sociedade da época, que se escondia entre dois mundos, o masculino e o feminino. Esta busca constante pela liberdade feminina nos proporciona um perfil adequado do papel da mulher no Brasil dos anos 1800, vivendo de acordo com os padrões estabelecidos. E assim poderemos compreender esta mulher em toda a sua dimensão histórica e sua contribuição para uma sociedade mais igualitária e humana, percebendo seu empenho e dedicação em causas que nela encontraram uma voz.

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ABSTRACT

Nísia Floresta's work as a writer, educator and a precursor of feminism in Brazil was important to contribute to the empowerment of women and to show that there was an atmosphere of oppression and a necessary defense of those who suffered with indifference. During the 19th century the strong patriarchal society was still prevalent and imposed their will. Women were restricted to the private area and had no chance to show his real capabilities. Overcome these barriers was to make these women protagonists and, at the same time, a lawsuit challenging the conservative context. The literary works of Nísia, the scientific researches of Constância Duarte were significant to overlook how this brazilian fought for rights that were due him. This character almost unknown in Brazil is presented by reflections and analyses his career starred in. Among articles in newspapers, books and other eminent women, aimed to expose the dual society of the day, who lurked between two worlds, the masculine and the feminine. This constant search for female freedom gives us a suitable profile of the role of women in Brazil the years 1800, living according to the established standards. And so we can understand this woman throughout its historical dimension and their contribution to a more egalitarian and humane society, realizing its commitment and dedication to causes that it found a voice.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - A dupla moralidade da sociedade patriarcal ... 15

Figura 2- Alunas da Escola Doméstica de Natal, 1915 ... 23

Figura 3 - Nísia Floresta na juventude ... 27

Figura 4 - 2ª edição do primeiro livro de Nísia, editado em Porto Alegre ... 30

Figura 5 - Mary Woolstonecraft ... 39

Figura 6 - Fachada do Colégio Augusto ... 43

Figura 7 - Lista da banca examinadora e das alunas que se destacaram ... 45

Figura 8 - Carta de Nísia ao filósofo Comte ... 51

Figura 9 - Último endereço em Paris, Rua Royer Collard, 9 ... 53

Figura 10 - Último endereço de Nísia, Grande Route, 121 ... 54

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

CAPÍTULO 1 O CONTEXTO HISTÓRICO: HOMENS E MULHERES NO SÉCULOXIX ... 14

1.1 A SOCIEDADE PATRIARCAL: O HOMEM EM EVIDÊNCIA ... 14

1.2. O MUNDO FEMININO ... 17

1.3 A REAÇÃO FEMININA ... 19

CAPÍTULO2–AVIDADENÍSIA ... 25

2.1. NASCE A MULHER QUE DESAFIOU O SEU TEMPO ... 25

2.2 NÍSIA ITINERANTE: RIO GRANDE DO SUL, RIO DE JANEIRO E EUROPA ... 29

2.3 AS OBRAS LITERÁRIAS DE NÍSIA ... 34

CAPÍTULO 3 - AS IDEIAS, OS IDEAIS E OS PENSAMENTOS: OUSADIA E VANGUARDISMO ... 38

3.1 A PRIMEIRA OBRA: ABRINDO CAMINHOS E CONTROVÉRSIAS ... 38

3.2 A EDUCADORA SÓ DE MENINAS ... 41

3.3 A NACIONALISTA NÍSIA, OS ÍNDIOS E OS ESCRAVOS ... 46

3.4 NÍSIA: A VIAJANTE E OS INTELECTUAIS ... 49

3.5 REALIDADE À MOSTRA: PALAVRAS OUSADAS, ESCRITOS QUE EMBARAÇAVAM ... 56

CONSIDERAÇÕESFINAIS ... 60

(11)

INTRODUÇÃO

Ser mulher no Brasil do século XIX não era muito fácil. As restrições que estas sofriam no dia a dia eram intoleráveis, envoltas por uma sociedade patriarcal e machista, onde o homem praticamente tornava as mulheres plenamente submissas e circunscritas ao mundo doméstico. O contexto se torna relevante ao escrever sobre Nísia Floresta, pois seus pensamentos, ideias e posições em favor do sexo feminino contrastava com a mentalidade da época. Sendo assim, sua vida, sua luta e suas conquistas nos mostram como o mundo feminino podia sair de seu limitado universo e revelar-se em busca de um espaço que se justificava, tirando-as do papel de coadjuvantes passivas perante os fatos.

Esta excessiva submissão por parte do homem em manter a mulher como praticamente uma reprodutora de sua linhagem criou, dentro da sociedade já capitalista da época, uma imagem da mulher como um ser de capacidades limitadas, proprietária de alguém.

Dentro das relações sociais e da produção social, há a intercessão inevitável dos dois gêneros. Cada um contribuindo com suas responsabilidades, muitas vezes alheias às suas vontades. O modo como a sociedade no tempo de Nísia realizava esta repartição de tarefas pode ser classificada como discriminadora, passando a ideia de separação por classes e sexo. Uma ideia de pertencimento a um determinado grupo.

A defesa de Nísia Floresta em prol do sexo feminino e com o objetivo de acabar com esta desigualdade, fez com que ela refletisse em suas obras a desconstrução da eterna resistência a uma diferença entre os gêneros, o homem x mulher, sem dúvida construída culturalmente ao longo dos séculos e permeada por incompatibilidades e contrassensos entre eles.

Não há como negar a consciência antecipadora de Nísia. Suas atitudes e visões contemplaram e deu um novo impulso à luta da emancipação feminina no século XIX. Ela deu a entender que sua luta ia além, como se houvessem de um lado opressores e de outro lado oprimidos. Rompeu barreiras, mostrou-se uma pessoa arrojada e sem medo de sair do

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anonimato. Em outras palavras, pediu que as mulheres fossem mais respeitadas, dando a entender que cada gênero tem os seus encargos, sem que um se subjugue a outro.

A vida de Nísia Floresta, personagem, em geral, desconhecida do cenário nacional, se torna mais interessante aos olhos do leitor na medida em que desvenda o papel da mulher, como se uma nova classe social estivesse surgindo.

E é exatamente sobre esta ilustre desconhecida que este trabalho de pesquisa procura desvendar uma mulher que com ousadia quebrou paradigmas e criou novas perspectivas em busca de uma sociedade mais igualitária.

Nísia mostrou que merece um destaque no panorama nacional, pela relevância do conjunto de sua obra e pela diferenciação que causava. Além disso, era viajante e nacionalista, e destacou-se como educadora.

Em Paris, onde morou um bom tempo, teve contato com o grande filósofo positivista Augusto Comte, com quem já trocava cartas. Influenciada por ideais liberais, que grassava o continente europeu, mostrou posições firmes e pensamentos relevantes, que incomodavam o conservadorismo.

Seu trabalho merece uma valorização e reconhecimento pela abrangência e ineditismo de seus escritos. É importante destacar que sejam trazidos subsídios para gerar mais conhecimento e informações de como nossa sociedade se formou.

Estudar sua trajetória é sempre significativo, pois agrega valores e conhecimento, mostrando sua face precursora.

Não podemos desconsiderar e deixar no esquecimento o trabalho daquela que é considerada a primeira feminista do Brasil, fato admirável e respeitável por si só, inserindo e mostrando a importância da mulher no contexto daqueles tempos.

Feitas estas considerações preliminares, o trabalho será estruturado em três capítulos, com subdivisões e suas análises respectivas.

No primeiro capítulo trataremos do ambiente histórico em que viveu Nísia. Importante para entender como as mulheres se portavam diante da imposição masculina e

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domínio destes sobre elas. Caracterizar esta época é fundamental para apreender as ideias díspares da mulher cercada por aquela sociedade. Sucede-se daí o pensamento de Nísia em defender as mulheres e questionar o modo de vida.

No segundo capítulo iremos seguir o caminho da vida de Nísia, seus primeiros passos acompanhando os pais e os percalços que enfrentou, onde já demonstrava sua inconformidade com a sociedade vigente, o que a levou a dar vida aos seus ideais e ideias.

Já o terceiro capítulo apresentará o pensamento daquela que é considerada a primeira feminista do Brasil. Suas ideias, seus ideais, suas ações em favor de classes desprestigiadas e colocadas em segundo plano, o que justificava, perante os olhos de Nísia, uma inquietação que precisava ser exposta.

Enfrentou o obscurantismo de uma época e, com suas obras e escritos, destacou-se como defensora de clasdestacou-ses menos favorecidas, como escravos, índios e, naturalmente, as mulheres.

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CAPÍTULO1 –OCONTEXTOHISTÓRICO: HOMENSEMULHERESNO

SÉCULOXIX

1.1ASOCIEDADEPATRIARCAL:OHOMEMEMEVIDÊNCIA

Sabemos que uma das principais características que se mostram ao longo da história são as mudanças e adaptações que a coletividade realiza frente às novas condições que se apresentam.

E não foi diferente no século XIX, que chegava com heranças do período colonial e ares de monarquia. Era um Brasil rural passando para as práticas capitalistas. A família patriarcal continua com seu legado. Era uma particularidade, a essência da sociedade e tinha papel definido. A figura central era o homem, o mundo girava à sua volta.

Para a historiadora Mary Del Priore (2006)1,

[...] se a denominação da "família patriarcal" serviu de base para a historiografia brasileira caracterizá-la como sinônimo de família extensa, devido aos estudos de Gilberto Freire e Oliveira Vianna, pesquisas mais recentes têm evidenciado que estas não foram as predominantes, mas, sim, aquelas com estruturas mais simplificadas e menor número de integrantes: famílias pequenas, famílias de solteiros e viúvos, famílias de mães e filhos sem pais, famílias de escravos. Ou seja, também no passado a noção de família se alterava conforme os grupos sociais e as regiões do país. Os escravos forros viviam de um jeito; o poderoso da elite senhorial, de outro. O que não variava era o hábito, muito comum, de integrarem amigos e parentes á família.

A afirmação de Del Priore demonstra a mobilidade das famílias com o passar dos anos, chamando a atenção que certos hábitos não mudavam. Mas o mais admirável era de que o mundo era mesmo dos homens. De acordo com o professor Aroldo de Azevedo2 (1980),

Era o patriarca de um grupo de famílias. (...) Era o Pai, o Sogro, o Avô; mas, antes de tudo, o Amigo e o Conselheiro. Jamais alguém ousou desrespeitá-lo, no lar ou fora dele. (...) Encarnava a sabedoria e ninguém dele se aproximava sem que, de imediato, se sentisse envolvido pela confiança que irradiava de _______________

1 DEL PRIORE, Mary. Monstros e maravilhas no Brasil Colonial. In: Esquecidos por Deus.

Monstros no mundo europeu e ibero-americano (séculos XVI-XVIII). São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

2

Professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, licenciado em Geografia e História. Falecido em 1974. Citado pela coleção Nosso Século, vol. 1, 1980.

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sua marcante personalidade. (Aroldo de Azevedo, referindo-se ao fazendeiro Ignácio Cochrane.)

Pelo visto, a figura masculina era o dominador naquele ambiente. Nele se configurava todo o respeito, o vulto marcante, o pedestal do restante da família. E não somente o pai desempenhava esta função. Os irmãos mais velhos tinham seus privilégios, em detrimento dos irmãos mais novos. A família patriarcal não deixava, então, de ser uma forma predominante e dominadora de constituição social e política, tendo assim o controle absoluto da sociedade. A figura 1 demonstra quem era o centro das atenções3.

Figura 1 - A dupla moralidade da sociedade patriarcal

Fonte: Priore (2012, p. 64).

Se a família ia à Igreja, o varão da família se dispunha de tal modo que ficasse clara sua posição. Jamais beijaria, por exemplo, a mão do padre; algo que sua mulher e filhas o faziam como regra. E estas prerrogativas não se limitavam somente dentro do ambiente caseiro. A dupla moralidade estava presente, pois tinham casos com criadas e ex-escravas, desde que a discrição fosse a palavra de ordem.

Se a estrutura dos tempos de colônia, a casa-grande, estendeu-se até meados do século XIX, à medida que os anos oitocentos corriam, sobrados urbanos começaram a aparecer e as profissões como funcionários públicos, comerciantes e profissionais liberais despontaram, com os homens continuando a dominá-las. O patriarca encarnava todas as virtudes que um ser humano poderia possuir. A urbanização deu ligar a uma família burguesa,

_______________

3

DEL PRIORE, Mary. Entre a casa e a rua: a família brasileira no século 19 incluía uma penca de filhos bastardos. Aventuras na História, nov. 2012, p. 64.

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deixando para trás a família patriarcal, o que fez com que a relação marido e mulher fosse mais aberta, mas sem tirar ainda determinados privilégios do homem da casa.

Há uma definição bem interessante que diferencia o modo de vida dos homens e mulheres:

Homem que se prezasse era bem-falante. A oratória compunha a personalidade masculina do mesmo modo que o fraque, o chapéu-coco, o cravo na lapela e o soberbo bigode - tudo isso acompanhado, naturalmente, de um título de doutor. "Seu Doutor" integrava o restrito exercito de bacharéis formados pelas faculdades de Direito, Engenharia e Medicina. Todas elas, e não só as de Direito (como geralmente se supõe), são terreno assolado pela retórica, a arte de bem falar. Isto é fácil de entender, já que o persuadir, o convencer e o dissuadir representavam as chaves mestras da política, do mando, do governo, do controle. E eram os bacharéis que assumiam as posições de controle no Estado, nos negócios e na família. (Coleção Nosso Século, 1980)

Natural que houvesse mulheres desgostosas com esta situação. Enxergavam muito mais aptidões do que simplesmente ficar em casa e submeter-se aos caprichos do homem. Nísia enxergou este contexto e ousou e colocou suas opiniões. O que era o normal para muitos, de repente viu-se diante de turbilhões de contestações e questionamentos, que não aceitavam com facilidade aquela situação, o conservadorismo dominante.

Até mesmo viajantes que por aqui passaram deixaram suas impressões a respeito da sociedade da época. J. K. Tuckey (apud PRIORE, 2006)4 diz:

Entre as mulheres do Brasil, bem como as de outros países da zona tórrida, não há intervalo entre os períodos de perfeição e decadência. Como os delicados frutos do solo, o poderoso calor do sol amadurece-as prematuramente e, após um florescimento rápido, deixam-nas apodrecer. Aos 14 anos tornam-se mães, aos 16 desabrochou toda a sua beleza e, aos 20, estão murchas como as rosas desfolhadas no outono. Na zona tórrida, se o homem ficar circunscrito a uma mulher, precisará passar quase dois terços de seus dias unido a uma múmia repugnante e inútil para a sociedade, a não ser que a depravação da natureza humana, ligada à irritação das paixões insatisfeitas, o conduzisse a livrar-se do empecilho por meios clandestinos. Essa limitação a uma única mulher é uma das principais causas de licenciosidade ilimitada dos homens e do espírito intrigante das mulheres. No Brasil, as relações sexuais licenciosas talvez igualem o que sabemos que predominou no período mais degenerado do Império Romano.

Outra impressão é dada pelo conde Suzannet - um dos muitos franceses que por aqui aportaram -, quando esteve de passagem pelo Rio de Janeiro , em 1825. Escreve o conde:

As mulheres brasileiras gozavam de menos privilégios do que as do Oriente. Casavam-se cedo, logo se transformando pelos primeiros partos, perdendo os poucos _______________

4

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atrativos que podiam ter tido. Os maridos apressavam-se em substituí-las por escravas. O casamento é apenas um jogo de interesses. Os filhos naturais são em grande número e recebem a mesma educação dos legítimos. A imoralidade dos brasileiros é favorecida pela escravidão e o casamento é repelido pela maioria, como um laço incômodo e um encargo inútil. (Apud PRIORE, 2006)5

Como se percebe, Nísia vivia numa sociedade nada favorável às imagens e funções das mulheres. Sabia bem discernir o papel de cada um dentro daquele contexto, mas não aceitava submissão e desigualdades gritantes, bem como desrespeito.

Esta contenda entre homem e mulher começou a mudar a partir da segunda metade do século XIX, quando começa a haver uma mudança na forma como as relações entre estes dois mundos se apresentam. Pequenas alterações são vistas no comportamento. O casamento já não se daria somente pela escolha do patriarca, mas pela escolha dos parceiros entre si, baseado no amor e romantismo. Isso acarretaria mudanças significativas no papel desempenhado por cada um.

1.2.OMUNDOFEMININO

Mas o que era ser mulher no século XIX? Diante daquela sociedade que valorizava demais o homem, dando-lhes benefícios e direitos que deixavam o sexo feminino totalmente à margem, em que elas não passavam de seres amedrontados, feitas somente para procriação e prometer obediência a seus maridos.

Como vimos, o Brasil passava de uma estrutura à outra. Não sem mudanças comportamentais e conjunturais. As mulheres incomodavam os mais conservadores com suas ideias diferentes e opiniões incisivas.

A historiadora Mary Del Priore (2006, p. 124)6 observa que:

[...] com essas mudanças vinham ideias expostas em obras literárias que influenciavam as relações entre os sexos, homens e mulheres não tinham a mesma vocação e essa diferença é que fazia a felicidade de cada um.

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5

DEL PRIORE. História do amor no Brasil, p. 177-178.

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A mulher de lidas domésticas estava tão acostumada a estas atividades no século XIX que não se comprometia ou se interessava em ser instruída. Não havia, portanto, uma consciência de que mudanças necessitavam de atitudes mais concretas e, principalmente, arrojo.

Nísia Floresta7 já começava suas considerações e não poupava críticas:

Se cada homem, em particular, fosse obrigado a declarar o que sente a respeito de nosso sexo, encontraríamos todos de acordo em dizer que nós somos próprias, se não para procriar e nutrir nossos filhos na infância, reger uma casa, servir, obedecer e aprazer aos nossos amos, isto é, a eles, homens [...]. Entretanto, eu não posso considerar esse raciocínio senão como grandes palavras, expressões ridículas e empoladas, que é mais fácil dizer do que provar.

As mulheres mais jovens das famílias burguesas tinham, geralmente, e já na adolescência, seus destinos traçados pelos patriarcas. Casavam cedo – veja o exemplo de Nísia, casada com 13 anos. A tradicional missa dominical tornava-se o local onde as moças e os rapazes poderiam de alguma maneira e sempre dando um jeito, de trocarem olhares, bilhetes e sussurros, modificando aquela atmosfera angelical num espaço único de encontros e segredos.

Isso não ficava restrito aos jovens urbanos. As mulheres que trabalhavam no meio rural usavam o mesmo artifício, já que seus encontros seriam somente uma vez a cada semana, também no domingo, durante a celebração da missa.

A educação feminina, uma das grandes bandeiras de Nísia Floresta, recebia um tratamento diferente da masculina. Guacira Lopes Louro (1993) diz que “para as meninas índias e pobres a situação era semelhante, escolas públicas não recebiam as descendentes indígenas...”. Nota-se que estes grupos de mulheres eram diferenciados dentro do seu próprio gênero, devendo ser mais educadas que instruídas. Conhecimento para quê? Os homens já o tinham suficientemente.

Essa mulher do século XIX se via excluída da sociedade, sem participação política, restrita ao mundo privado, empurradas para dentro de casa. As que tinham necessidade de trabalhar enfrentavam preconceitos, acusadas de um atentado à moral, já que

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7

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seus papeis estavam definidos – esposa, mãe e dona de casa. Sair de casa? Um pecado. Era uma marginal, socialmente falando.

O próprio contexto histórico e o mundo da produção demarcavam estas esferas, sendo que a pública ficava com o homem e a doméstica com a mulher. Portanto, esta ficava restrita a cuidar do marido, filhos e do lar. Naturalmente, o papel feminino era desvalorizado socialmente, ficando excluída do processo produtivo.

Não há como tratarmos do trabalho feminino sem traçar uma série de lutas com o objetivo de conquistar seu espaço naquele universo dominado pelo homem, o espaço público. Segundo Saffioti8 (1976),

[...] não havia necessidade de excluir as mulheres deste sistema produtivo, pois o trabalho delas, especial o daquelas das classes menos abastadas, gerava benefícios, como garantir a ociosidade das camadas dominantes.

Nem todas as mulheres se submeteram a este papel de dependência e exclusão. Muitas mulheres resolveram romper estas funções a elas atribuídas e saíram em defesa da lacuna que havia entre o orbe masculino e feminino. Nísia estava entre elas.

Com estas mudanças que começavam no meio do século 19, a mulher começava a se ver diante de novos desafios, além de cuidar dos filhos. A sociedade precisou reorganizar-se e as famílias começavam a deslumbrar um mundo mais harmonioso, com o homem perdendo o seu viés autoritário e de voz única dentro do lar.

1.3AREAÇÃOFEMININA

A história nos dá exemplos de mulheres que ultrapassaram estes limites infligidos a elas durante séculos. E eram mulheres de diferentes classes, que pressionadas pela sua cultura e necessitadas por trabalho, suplantaram sua condição feminina e embrenharam-se nos espaços públicos dominados pelos homens.

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8

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Uma das condições para que isto acontecesse foi o Iluminismo, movimento da intelectualidade europeia que exaltava o poder da razão e o conhecimento científico. Mesmo a Revolução Francesa, com a sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, que divulgaria direitos de domínio universal, não contemplou a igualdade entre homens e mulheres, deixando-as, mais uma vez, ao largo dos grandes acontecimentos e participação ativa. O filósofo Rousseau9, um dos iluministas, já dizia que a mulher devia ser subordinada ao homem, com educações diferentes. Diz ele: “Ele deve ser ativo e forte, ela passiva e fraca; é preciso necessariamente que um queira e possa; basta que o outro resista pouco” (p. 516). Além da Revolução, talvez o fato de ter perdido a mãe ainda no parto e ter sido criado pelo pai o ajudou a ter estas ideias.

Mas a reação feminina veio. Uma das expoentes foi a francesa Olympe de Gouges, que em 1791 fez um panfleto intitulado Declaração dos Direitos das Mulheres e da Cidadã, uma versão feminina da Declaração dos Homens. Nela, a francesa pede ação às mulheres: “Ó, mulheres! Mulheres, quando deixareis vós de ser cegas?”10.

A Liberdade, Igualdade e Fraternidade de 1789 não eram assim tão coerentes quanto aos direitos de todos. Olympe foi executada em 1793. Não teve direito nem a um defensor. Quando subiu ao cadafalso, ainda disse: "A mulher tem o direito de subir ao cadafalso, ela deve ter igualmente o direito de subir à tribuna”.

No ano seguinte, em 1792, foi a vez de uma escritora inglesa ir contra a Declaração dos Homens na França. Seu nome era Mary Wollstonecraft. A inglesa era uma defensora dos direitos das mulheres. O fato de ser jornalista e tradutora a ajudou em seus intentos. Encantada com as manifestações de 1789 na França escreveu uma das obras precursoras do movimento feminista, indo contra exatamente àquela Declaração masculina. Sua obra foi intitulada ‘Em defesa dos direitos da mulher’ (Vindication of the Rights of Woman). Basicamente, a escritora defendia uma mulher não atrelada somente ao marido e filhos.

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9

ROUSSEAU, J. J. Emilio ou Da Educação. Trad. Roberto Leal Ferreira. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes. 1999.

10 SILVA, A. T., NUNES, P. H. Olympe de Gouges: as mulheres e a revolução. Núcleo de Estudos

Contemporâneos [on line]. UFF. Nov. 2009. Disponível em: < http://www.historia.uff.br/nec/materia/grandes-processos/olympe-de-gouges-mulheres-e-revolução>. Acesso em: 20/10/2013.

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Aqui no Brasil, Nísia Floresta foi considerada como a primeira a realizar ‘uma tradução livre’ desta obra, em seu livro ‘Direitos das mulheres e injustiça dos homens’. É interessante ressaltar que, com esta tradução, Nísia colheu admiradores, mas também desafetos. A ideia perpetrada era de que a autora brasileira havia realizado uma simples cópia da escritora inglesa. Seria o que chamamos hoje de plágio, que não era presente naqueles tempos nos termos como o conhecemos hoje.

Em um artigo muito esclarecedor, escrito na Revista de Literatura Brasileira11, a professora Constância Lima Duarte, em contraponto a um artigo escrito por Maria Lúcia Palhares-Burke na Folha de São Paulo12, em 1995, em que ela chama a obra de Nísia de ‘plágio’ e ‘uma travessura literária’, coloca alguns retoques necessários para o bom entendimento do que representou a tradução do livro de Wollstonecraft.

Inicialmente, nas palavras de Duarte (2001),

[...] é um equívoco tentar ler e julgar hoje, a partir de uma perspectiva redutora e ingênua, algo que foi escrito há cerca de 160 anos (!), naturalmente submetidos a outros parâmetros, outros conceitos e procedimentos intelectuais.

Para ela, era natural que escritores lessem e absorvessem este conhecimento em suas obras, bem como o uso de expressões e palavras sem referências, “sem que o escritor visse diminuído seu trabalho intelectual ou sobre ele pesasse qualquer desconfiança”. Na própria capa de seu livro, Nísia imprimiu o seguinte: “traduzido livremente do francês para o português da obra de Mistriss Godwin”. Uma discussão que caracterizaria sua vida e que gerou frutos de pesquisas e análises. Mas Nísia tinha capacidade suficiente para produzir obras que iam muito além de ‘travessuras literárias’. A luta pelo espaço feminino ainda continuava.

A sociedade ocidental vê, de forma geral, a mulher como um ser inferior, o que estabelece uma coletividade que ainda valoriza o homem, sendo aquela submissa aos homens. De acordo com Besse13 (1999), em um dado momento, em nosso país, a Lei Civil Brasileira reforçava esta submissão das mulheres aos homens no matrimônio. Por ela, “subordinava as

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11 DUARTE. Revista de Literatura Brasileira, p. 154. 12 PALHARES-BURKE. Folha de São Paulo, p. 3. 13

BESSE, Susan. Modernizando a desigualdade: reestruturação da ideologia de gênero no Brasil: 1914-1940. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 1999.

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esposas aos maridos, definindo-as como eternas menores de idade, sem poder para tomar decisões finais sobre a criação dos filhos ou sequer administrar os próprios bens” (p. 14).

Pelas palavras de Goldemberg e Toscano14 (1992),

O movimento feminista, enquanto ação organizada de caráter coletivo que visa mudar a situação da mulher na sociedade, eliminando as discriminações a que ela está sujeita, só vai surgir no quadro de mudanças mais profundas que marcaram a história da Europa Ocidental a partir do século XVIII. A corrida industrial, a expressão mais evidente da expansão do capitalismo e a Revolução Francesa, seu paradigma político, foram o caldo de cultura de onde brotou o feminismo, tal como hoje entendemos.

Para termos um exemplo, a primeira legislação concernente à educação de mulheres só apareceu por volta de 1827, mas com ressalvas: as meninas só podiam frequentar escolas elementares, ficando para os meninos as mais adiantadas. Segundo Hahner15 (1981), “a tônica permanecia na agulha, não na caneta”. Ainda a autora, havia poucas escolas públicas para meninas, sendo os salários e o treinamento dos professores muito inferiores aos oferecidos a professores de escolas para meninos; as mulheres que instruíam meninas eram ainda menos treinadas e menos bem pagas do que homens que instruíam meninos.

O livro de Hahner é bastante interessante, pois mostra que o Brasil da primeira metade do século XIX ainda possuía uma sociedade altamente estratificada e uma economia dependente do trabalho escravo. Porém, na segunda metade deste século, aconteceram grandes mudanças econômicas e sociais, que teve como ponto culminante a Abolição da Escravatura, em 1888, e no ano seguinte a Proclamação da República. Estes fatos afetariam a vida das mulheres da classe superior urbana16.

Apesar de todos estes percalços, Nísia Floresta teve força e vontade para superá-los, com fortes atuações políticas e, principalmente, literárias. Não se intimidava e realizava seguidamente palestras com foco na liberdade, seja em cultos religiosos, pelos escravos, mulheres e até pela República.

Nísia recusou-se a participar daquela sociedade patriarcal. Escreveu seus livros, rompeu limites ao escrever para jornais, abrindo também a que outras mulheres o fizessem. Segundo Duarte (2010, p. 11), é preciso vislumbrá-la através das trilhas deixadas por algumas _______________

14 GOLDEMBERG; TOSCANO, 1992, p. 17. 15

HAHNER. A mulher brasileira e suas lutas sociais e políticas: 1850-1937, p. 32-72.

16

(23)

escritoras em seus textos, conscientes de que faziam parte de uma reduzida elite de mulheres letradas, e que a educação era importante para a valorização social do gênero feminino17.

A figura 2 mostra um grupo de mulheres alunas da Escola Doméstica de Natal, em 1915. Apesar da luta de Nísia, a entrada de mulheres no curso de formação de professore(as) só aconteceu em 1870.

Figura 2- Alunas da Escola Doméstica de Natal, 1915

Fonte: Acervo da Escola Doméstica de Natal

A Esccola Doméstica de Natal foi fundada em 1º de setembro de 1914 por Henrique Castriciano, que via nas mulheres um papel importante na sociedade. Na realidade, foi uma inovação, pois predominavam escolas religiosas e o poeta adotou um modelo da educação doméstica que conheceu na Suíça18.

Rosaldo e Lamphere (1979) afirmam que as mulheres têm sido consideradas universalmente como constituindo “o segundo sexo”, o “outro”. Ao longo desta trajetória de luta por mudanças, travada, em especial, através dos chamados “Movimentos Feministas”, as mulheres foram questionando sua posição como “segundo sexo” e se articulando para modificar os estereótipos vinculados à figura feminina.

Esses movimentos contestaram o modo como as mulheres eram vistas na sociedade e as condições sociais que lhe foram impostas, como as que as destinavam aos papéis de mãe e esposa e limitava sua condição no mercado de trabalho. Esses movimentos _______________

17

DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta. Recife: Editora Massangana, 2010.

(24)

foram alterando a estrutura social, tendo grande impacto no comportamento, não apenas das mulheres, mas dos homens, já que levaram a uma revisão dos padrões sociais existentes, dos lugares ocupados e dos papéis executados por ambos os sexos19.

Ainda segundo as autoras (1979),

Certamente ninguém pode questionar que os sexos diferem na constituição biológica [...] mas a observação por si só das diferenças físicas nos informam pouca coisa sobre o mundo social onde vivemos; para os homens a biologia torna-se muito importante se interpretada por normas e expectativas da cultura e da sociedade humana (p. 21).

Assim, utiliza-se o termo gênero para caracterizar o aspecto social destas diferenças entre homens e mulheres, enquanto a palavra sexo para diferenciar as características biológicas.

O século XIX trouxe mudanças significativas para as mulheres. Nísia teve uma participação bastante ativa e ajudou a mudar esta mentalidade que era fortemente sustentada pela sociedade patriarcal. A maior frequência com que passavam pelos locais públicos e o acesso à educação foram conquistas que, aos poucos, mostravam como as mulheres podiam ir além do espaço privado a elas limitado, mas sem o abandonar, sabedoras de seu dever.

Os pensamentos de Nísia e seus escritos trazem uma visão destas transformações que começaram a ocorrer na sociedade brasileira, bem como opiniões sobre outros assuntos relevantes no cenário nacional, como a escravidão, os índios, a educação e relatos de suas viagens, nas quais obteve contato com intelectuais europeus. Sua vida e suas reflexões são retratadas nos próximos capítulos.

_______________

19

ROSALDO, Michele & LAMPHERE, Louise (orgs.). A mulher, a cultura e a sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

(25)

CAPÍTULO2–AVIDADENÍSIA

2.1.NASCEAMULHERQUEDESAFIOUOSEUTEMPO

O pai de Nísia, Dionísio Gonçalves Pinto Lisboa, um português formado em advocacia, chegou ao Brasil em meados do século XIX e não se tem informações de como foi parar em uma pequena cidadezinha, quase um lugarejo, no interior do estado do Rio Grande do Norte, de nome Papari. Nome este que pode ter duas origens.

Segundo Barbosa (2006, p. 9), esta palavra “[...] ou teria vindo de Pari, a cesta usada para apanhar os muçuns, peixes abundantes nas muitas lagoas da região, ou se relaciona ao som que os peixes faziam nas águas20”.

A despeito da curiosidade do nome, pode-se perguntar e talvez nunca tenhamos a resposta, de como um cidadão vindo de outro país resolve morar num lugar longe dos grandes centros da época. Talvez algum motivo especial o tenha motivado a tal proeza.

De qualquer maneira, lá ele apaixonou-se por uma viúva de nome Antônia Clara Freire, que já tinha uma filha, de lidas domésticas, de acordo com os registros posteriormente deixados por Nísia. Pela Igreja local e dentro de seus registros batismais, uma de três filhos que teve com o bacharel, foi registrada, em homenagem ao pai, como Dionísia Gonçalves Pinto. Nascia assim, no dia 12 de outubro de 1810, aquela que viria a tornar-se uma ilustre brasileira. Seus irmãos seriam Clara e Joaquim.

A família mudava-se constantemente. Há registros de sua passagem por Goiana, Recife e Olinda, cidades de Pernambuco. A profissão do pai as obrigava a tomar esta atitude, pois ele assumia causas que iam contra os grandes fazendeiros e proprietários das regiões que passava. Provavelmente pelos desgostos ocasionados pelas sentenças desfavoráveis e onde as coisas se resolviam de maneira nada civilizada.

_______________

20

(26)

Um fato interessante chama a atenção, mostrando desde já a quebra de convenções por parte de Dionísia. Ela teve um casamento arranjado ou não – há dúvidas - quando tinha somente 13 anos. Mas durou pouco. No fim, cada um foi para seu lado, não havendo registros de conflitos maiores. Uma corajosa atitude em tempos tradicionais, distinção que a menina levaria para a vida adulta. Imagina-se a contrariedade que a sociedade adotou, com suas posturas conservadoras, ao ver uma mulher desfazer o sagrado laço do matrimônio e a posição que as mulheres possuíam naquele contexto.

Esta vida itinerante fez com que Dionísia, em Goiana, tivesse seus primeiros contatos com o liberalismo, traço característico de seu pai, que a incentivou a vasculhar e ler os livros da biblioteca do Convento das Carmelitas, existente desde o século XVII. Ali iniciava, também, os conhecimentos liberais que a caracterizariam pelo resto da vida.

Quando tinha 18 anos, em 1828, perdeu o pai, assassinado na cidade de Recife, por razões políticas, a mando de um capitão-mor21 chamado Uchoa Cavalcanti.

Em um de seus livros22, Nísia, citada por Barbosa (2006, p. 15) destaca:

[...] déspota brutal que exercia naquele tempo as prerrogativas de um título já caduco, o qual lhe dava, porém, como a muitos outros, a oportunidade de satisfazer impunemente os ferozes instintos de sua natureza, dissimulava havia algum tempo seu rancor contra o digno advogado que tivera a coragem de defender a causa de um infeliz pai de família que seu despotismo oprimia, e de enfrentar, com isso, o terror que seu nome inspirava.

Pelo seu desabafo, este ato brutal marcou Dionísia e sua família, pois perder assim, de repente, o patriarca e pai que lhes dava sustento, teria consequências nefastas. Mas a dor e o luto do momento não podiam ser maiores do que seguir a vida.

Sendo assim, aquela menina decidida de outrora começava a mostrar seu temperamento. No mesmo ano da morte do pai, já uma moça, conhece um cidadão de nome Manoel Augusto de Faria Rocha, com quem inicia um romance. O rapaz era estudante de direito e tiveram uma ligação intensa, marcante. Segundo o Almanaque Histórico Nísia

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21

De acordo com o Dicionário Priberam, “era uma autoridade militar que comandava numa cidade ou vila a milícia chamada ordenanças”. Disponível em: <http://www.priberam.pt/DLPO/>. Acesso em: 12/09/2013.

22

AUGUSTA, Nísia Floresta Brasileira. Fragmentos de uma obra inédita: notas biográficas. Paris: A. Chérié Editeur, 1878. Citada por BARBOSA, 2006, p. 15.

(27)

Floresta23 (2006, p. 15) esta união foi tão impetuosa que “[...] que o nome de Nísia está registrado, ainda hoje, na Biblioteca Nacional de Paris: Mme. Faria”. A figura 3 mostra Nísia em sua juventude.

Figura 3 - Nísia Floresta em sua juventude

Fonte: Duarte (2006, p. 11).

Juntos tiveram uma filha, em 1830, que seria a grande companheira e tradutora de Nísia em suas viagens. Chamaram-na de Lívia Augusta de Faria Rocha. No Recife, ainda tiveram um segundo filho, em 1831, mas que infelizmente foi “cedo arrebatado pela morte”, nas palavras da mãe.

É sempre conveniente explicar o pseudônimo que Dionísia adotou quando começou a escrever suas obras e expressar seus pensamentos, Nísia Floresta Brasileira Augusta.

Nísia como sendo um diminutivo de Dionísia. Floresta era o nome do sítio onde

moravam quando ela nasceu. Brasileira pelo seu nacionalismo, exaltado talvez pelo tempo que morou na Europa, 28 anos. E Augusta em homenagem ao seu segundo marido, Manoel Augusto.

_______________

(28)

Seus primeiros escritos datam de 1831, em artigos num jornal, O Espelho das Brasileiras24, de Pernambuco, onde fala sobre as mulheres nas antigas culturas. Começava ali, portanto, o talento e a luta que Nísia iria carregar pela sua vida literária.

Em 1832, Nísia já se perguntava por quais motivos as mulheres estariam sendo ‘empurradas para dentro de casa’, ficando sempre à margem da sociedade.

Neste particular, Constância Duarte25, em artigo, alerta que

Nísia Floresta questiona em 1832 o porquê de não haver mulheres ocupando cargos de comando, tais como de general, almirante, ministro de estado e outras chefias. Ou ainda, porque não estão elas nas cátedras universitárias, exercendo a medicina, a magistratura ou a advocacia, uma vez que têm a mesma capacidade que os homens. Como se vê, ela vai fundo em suas intenções de acender o debate e de abalar as eternas verdades de nossas elites patriarcais.

Já é uma demonstração que Nísia estava incomodada com a posição da mulher em relação à sociedade e que mudanças poderiam ser feitas em sua luta contra as posições masculinas.

Neste mesmo ano, 1832, ela publica com apenas 22 anos, seu primeiro livro, cujo título já dá mostras de seu pensamento a respeito da sociedade patriarcal da época: Direitos das mulheres e injustiças dos homens.

Floresta, citada por Duarte (2006, p. 11), apresenta-nos uma indagação, uma provocação ao predomínio do homem sobre as mulheres: “Se este sexo altivo quer fazer-nos acreditar que tem sobre nós um direito natural de superioridade, por que não nos prova o privilégio, que para isso recebeu da Natureza, servindo-se de sua razão para se convencerem?”.

Constância deixa bem claro determinadas características de uma sociedade dominada por homens. Nísia tinha o instinto e a capacidade de procurar respostas a estas questões, bem como a disposição de enfrentá-las, não sem afrontar o conservadorismo nítido e

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24

Joana Paula Manso de Noronha, Julia de Albuquerque Sandy Aguiar, Francisca Senhorinha da Motta Diniz, Josefina Álvares de Azevedo, Presciliana Duarte de Almeida, Júlia Lopes de Almeida e Júlia Cortines são algumas das mulheres que, desafiando os costumes do século XIX, utilizaram-se da imprensa para divulgar e defender a causa feminina. (BARBOSA, 2006, p. 17). O jornal pertencia a um francês chamado Adolphe Emile de Bois Garin, feito especialmente para as mulheres pernambucanas.

25

DUARTE, Constância Lima. Pioneira do Feminismo Brasileiro – Séc. XIX. Revista Mulheres. Ano 1, vol. 1, 1997.

(29)

imposto pelo sexo masculino. Mas sua obra deixará marcas de como uma brasileira erudita podia contestar aquele modo de vida, já dando sinais de que a mulher tinha sim um espaço a buscar.

Em novembro de 1832, Nísia e sua família mudam-se para o Rio Grande do Sul. Esta mudança radical oportunizou diversas indagações. Uma delas, a de que seu primeiro marido a perseguia. E assim, veio morar em Porto Alegre.

2.2 NÍSIA ITINERANTE: RIO GRANDE DO SUL, RIO DE JANEIRO E

EUROPA

Nísia, além do marido e filha, trouxe para o sul também a mãe viúva e a irmã Clara. Seu irmão, Joaquim, como tinha entrado na faculdade de Direito de Olinda, ficou por lá.

Porto Alegre, para onde vieram a convite do irmão de Manoel, chegou o seu segundo filho, em janeiro de 1833, Augusto Américo de Faria Rocha. Mas, ao mesmo tempo em que a alegria tomava conta da família, no mesmo ano, em agosto, seu marido faleceu, aos 25 anos. Mais uma vez, de repente, Nísia perdia uma pessoa amada.

A dor da perda repentina agarrou-se a ela pelo resto da vida. Lembranças de tempos difíceis, sem o companheiro e assumindo uma posição de liderança junto à família, responsabilidade que levaria com firmeza e convicção de seu papel. Tristeza que ela descreveu muitos anos após em um de seus livros de viagem, Três anos na Itália, seguidos de uma viagem à Grécia26, em 1859. Escreveu ela, citada por Duarte (2006, p. 13):

Dia de eterno luto para o meu coração. Esta aurora surge aos meus olhos depois de uma série de longos anos, sempre carregada de tristeza! (...) Mas eu sinto com toda a minha alma que é cedo demais para esquecer um anjo que não fez mais do que passar um momento sobre a terra para difundir em minha alma o encanto de uma felicidade cujo segredo ele levou para o céu!

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26

FLORESTA, Nísia. Trois ans en Italie, suivis d’un voyage en Grèce. Paris: E. Dentu Libraire-Éditeur et Jeffes Libraire A. Londres, 1871. (vol. II)

(30)

Na capital gaúcha, Nísia já demonstrava seus instintos educacionais. Manteve uma escola, talvez para manter a família, de 1834 a 1837, acredita-se que só para meninas, a exemplo do que fez no Rio de Janeiro posteriormente. Não há registro de qual escola seria esta e se ainda existe. Segundo o professor Luis Carlos Freire27, um dos maiores pesquisadores de Nísia, tarefa que realiza desde 1992, provavelmente ela ensinava em casa, como era costume na época. Seria uma atitude corajosa ensinar somente às meninas numa terra especialmente caracterizada e dominada pela figura do gaúcho. Como foi no período inicial da Revolução Farroupilha, talvez esta escola não tenha sido mantida e, consequentemente, teria deixado de existir ou sequer existiu como instituição. Até porque, em 1837, em função da revolução, Nísia deixa o Rio Grande do Sul.

Importante ressaltar que aqui ela lançou a 2ª edição do seu primeiro livro (fig. 4). Também escreveu em alguns periódicos, como o ‘Belano’, que circulou em Porto Alegre entre 1833 e 1834. Pode ser que tenha usado outro nome, outro pseudônimo para não despertar muito a ira dos conservadores.

Figura 4 - 2ª edição do primeiro livro de Nísia, editado em Porto Alegre

Fonte: Duarte (2006, p. 12).

_______________

27

(31)

A Revolução Farroupilha trouxe para Nísia, além de alguns pensamentos mais liberais e revolucionários, uma amizade com Anita Garibaldi e Giuseppe Garibaldi, considerados, respectivamente, ‘heroína e herói de dois mundos’. Posteriormente, em uma de suas viagens ao velho continente, Nísia encontrou seu antigo amigo Giuseppe, o qual dedicará em algumas páginas de seu livro editado à época palavras generosas ao revolucionário.

Portanto, revoluções não eram novidades para Nísia. Ela que, no nordeste brasileiro, em Recife, já havia presenciado a chamada Revolução de 1817, onde os nativos da região lutaram contra o domínio e exploração dos estrangeiros.

Também, em 1824, ela estava na chamada Confederação do Equador, definida pelo Almanaque Histórico28 (2006, p. 15) como “um movimento de liberais pernambucanos que se recusaram a aceitar a Constituição outorgada pelo Imperador e sua política centralizadora, esquentando os ânimos contra os portugueses”.

Se naqueles tempos o pai de Nísia se via cansado destas agitações, não foi diferente com Nísia aqui no sul. Viúva, chefe da família, não aguentou o clima pesado que uma revolução apresenta em seus bastidores. Em 1837, muda-se de novo, seguindo o exemplo de seu pai, para o Rio de Janeiro, local onde iniciaria nova vida e acentuaria mais suas ideias e lançaria a terceira edição de seu primeiro livro.

Em 1847, já no Rio de Janeiro, publica um livro que diz respeito ao Rio Grande do Sul. A obra, intitulada Fany ou O modelo das Donzelas29, segundo Castro30 et. al., (2010, p. 4):

Um livro que conta a história de vida de uma jovem que vive em Porto Alegre, nos tempos da Revolução Farroupilha (o que nos permite conhecer uma versão de Nísia sobre o episódio). Esta jovem reúne todas as qualidades que seriam desejadas por uma moça: beleza, amor pelos humildes, obediência aos pais e sentimento maternal pelos irmãos mais novos.

Este livro de Nísia foi destacado numa obra intitulada ‘O papel da mulher na Revolução Farroupilha’31 (Retamozo et. al.,1985), série de ensaios publicados quando dos

_______________

28 BARBOSA, 2006, p. 15.

29 FLORESTA, N. Fany ou o modelo das donzelas. Rio de Janeiro: Edição do Colégio Augusto, 1847. 30 CASTRO et al., 2010, p. 46-55.

31

RETAMOZO e colaboradores. O papel da mulher na Revolução Farroupilha. Porto Alegre: Editora Tchê!. 1985.

(32)

150 anos deste episódio, citado por Constância Duarte32. Nele, enxergam Nísia e sua personagem como favoráveis à revolução. Como exemplo, temos o ensaio de uma das colaboradoras desta obra, Niamara Ribeiro33, que considera a voz de Nísia a única adepta de tal movimento.

Interessante que este parece ser um ponto em comum em todos os escritores destes ensaios, ressaltando a importância do feminino dentro da Revolução. Maria Dutra da Silveira considerou o fato de Nísia assumir a chefia de sua família como sendo “as vicissitudes de uma família em Porto Alegre”, ressaltando e destacando ainda mais a função da mulher dentro da insurreição gaúcha. Ainda destaca Hilda Flores:

[...] trata mais detidamente de Nísia Floresta incluindo-a também entre as intelectuais dessa época. Afirma que Nísia identificou-se com os farroupilhas, abraçando, como eles, a causa republicana e se indaga até que ponto não teria havido um intercâmbio ideológico entre a escritora e os farroupilhas, uma vez que Nísia teria trazido do Nordeste experiência política mais antiga que a dos sul-rio-grandenses.

Mesmo após dez anos de ter deixado a capital gaúcha, Nísia escreve esta novela e dá uma pincelada sobre a cidade de Porto Alegre da época, deixando suas impressões e caracterizando a cidade com um carinho especial.

Abaixo um trecho de seu livro:

A capital de S. Pedro do Sul está situada numa risonha e agradável colina à margem oriental do Rio Jacuí. O habitante de Porto Alegre goza do ponto de vista o mais encantador e que pode despertar no homem a idéia sublime do Criador. De um lado vêem-se as águas dormentes do vasto rio lambendo as fraldas da colina, e trazendo ao porto embarcações carregadas de diversas mercadorias de outras províncias do Império e de diferentes nações do mundo; de outro avistam-se férteis campinas, semeadas aqui e ali de uma multidão prodigiosa de flores, cujas diferentes cores, formando o mais agradável contraste, trazem à imaginação o quadro que se nos traça desse Éden feliz, onde a soberana Bondade de Deus colocou o primeiro homem; quadro que é completado pela simplicidade e lhaneza dos excelentes habitantes desses campos, que hora descrevo. Chácaras, onde abundam saborosos frutos da Europa, se oferecem aos olhos do contemplador, que se extasia à vista da simetria com que ali brotam as roseiras e os cravos de todas as qualidades sem exigirem difícil cultura. As frentes da maior parte dessas chácaras, coroadas de rosas e como que situadas por entre o azul do céu e o verde das montanhas, apresentam no delicioso Outubro um panorama digno do pincel de Rafael!

_______________

32DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.

168 p.

33

(33)

Nísia refere-se ao grande pintor italiano Rafael Sanzio, da época do Renascimento (séculos XV e XVI). Artista de linhas suaves, Nísia descreveu seus sentimentos comparando a capital dos gaúchos às obras do famoso renascentista. Sinal de que levou em sua bagagem lembranças significativas e marcantes, a ponto de colocar todo o seu talento nesta obra.

Em novembro de 1849, Nísia parte com a filha Lívia para Paris, onde ela pretendia tratar a filha após uma queda de cavalo. Há controvérsias nesta versão. Outros dizem que ela viajou para fugir das pressões e campanhas que a imprensa realizava contra o Colégio Augusto, que ela fundara no Rio de Janeiro, exclusivamente para as meninas.

Neste período esteve no Brasil algumas vezes. Mas fixou residência na Cidade Luz e realizou muitas viagens a países como França, Inglaterra, Alemanha, Grécia, Itália e Portugal. Morou no velho continente durante muitos anos.

Entre um misto de tristezas e alegrias, muitas obras suas retratam estas viagens, o encontro com o filósofo Comte e o lançamento de novos livros, artigos e notícias que tornavam Nísia mais conhecida do que os patriarcas gostariam. Esta experiência de circular por diversos lugares e diferentes culturas deu-lhe um conhecimento e a possibilidade de ser uma pessoa mais flexível, aberta e avançada, suficiente para romper os limites a que estavam expostas as mulheres de seu tempo, tentando colocá-las mais participativas naquela sociedade.

Nísia Floresta Brasileira Augusta faleceu em 24 de abril de 1885. A imprensa local não ficou indiferente e manifestou-se em suas publicações. Apresentamos três exemplos, conforme Constância Duarte (2006, p. 40)34. Primeiro o jornal O País, do Rio Grande do Norte, em 27 de maio de 1885:

A 24 do passado faleceu em Rouen, França 24 do passado faleceu em Rouen, França, a nossa compatriota e distinta escritora Nísia Floresta Brasileira Augusta, senhora de um espírito esclarecido, de coração generoso e que dedicou a maior parte de sua existência à educação da infância de seu sexo.

O Jornal do Comércio, em 26 de maio de 1885 também noticiava:

Faleceu em Ruão, França, onde desde alguns anos se achava D. Nísia Floresta Brasileira Augusta, escritora cujo nome é conhecido nas letras pátrias. Por muitos anos exerceu aqui no Rio de Janeiro o mister de educadora da mocidade do sexo _______________

34

DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta: uma mulher à frente de seu tempo: fotobiografia. Brasília: Mercado Cultural, 2006. 120 p.

(34)

feminino, e da operosa tarefa a que se impusera, larga foi a compensação que encontrou nas muitas discípulas que lhe fizeram e ainda lhe fazem honra.

Também o jornal A Província de São Paulo, em 29 de maio de 1885 dizia em seu periódico:

Brasileira notável. Faleceu em França uma escritora distinta, nossa patrícia, a sra. D. Nísia Floresta Brasileira Augusta. Deixa trabalhos de valor, entre os quais livros de viagem e romances escritos em francês.

2.3ASOBRASLITERÁRIASDENÍSIA

Sua vida foi marcada pelo exercício de diversas funções, muito diferentes daquelas que tradicionalmente caracterizava o sexo feminino na época.

Além de ser mãe e esposa, atuou como escritora, educadora, jornalista, poetisa, memoralista, professora, conferencista, tradutora, abolicionista e republicana. Na Europa, fez a maior parte de suas obras, inusitadas e precursoras para os tempos que vivia. De acordo com a obra de Zélia Maria Bezerra Mariz35 (Natal, 1982) sobre Nísia Floresta, os principais enfoques temáticos podem ser separados da seguinte maneira: quatro moralistas, quatro educativas, três de poesia, duas memórias de viagem (Alemanha, Itália e Grécia), duas saudosistas (Brasil), uma sobre feminismo e duas com cenário revolucionário: Praieira e Farroupilha.

Além disso, em 1855, trabalhou como enfermeira no Rio de Janeiro, quando aconteceu uma epidemia de “cólera morbus”. É uma literatura comprometida ao “veicular ideias revolucionárias a respeito da sociedade e da educação brasileiras36”.

Abaixo, uma relação de suas obras, listadas por Constância Lima Duarte,37 o que nos dá uma dimensão diversificada de seu respeitável talento e capacidade de escrita e pensamento.

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35

RETAMOZO e colaboradores. O papel da mulher na Revolução Farroupilha, p. 141.

36

(35)

FLORESTA, N. A lágrima de um caeté. 2. ed. Rio de Janeiro: Typographia de L. A. F. Menezes, 1849.

______. A lágrima de um caeté. Rio de Janeiro: Typographia de L. A. F. Menezes, 1849. ______. Conseils a ma fille. Traduit de l’Italien par B.D.B. Florence: Le Monnier, 1859. ______. Conselhos à minha filha, com 40 pensamentos em versos. 2. ed. Rio de Janeiro: Typographia de F. de Paula Brito, 1845.

______. Conselhos à minha filha. Rio de Janeiro: Typographia de J. S. Cabral, 1842. ______. Consigli a mia figlia. 2. ed. Mandovi: [s. n.], 1859.

______. Consigli a mia figlia. Firenze: Stamperia Sulle Logge del Grano, 1858. ______. Daciz ou a jovem completa: historieta oferecida à suas educandas. Rio de Janeiro: Typographia de F. Paula Brito, 1847.

______. Dedicação de uma amiga. (Romance histórico). Niterói: Typographia Fluminense de Lopes & Cia, 1850. 2. vol.

______. Direitos das mulheres e injustiça dos homens. 2. ed. Porto Alegre: Typographia de V. F. Andrade, 1833.

______. Direitos das mulheres e injustiça dos homens. 3. ed. Rio de Janeiro: [s. n.], 1839.

______. Direitos das mulheres e injustiça dos homens. Recife: Typographia Fidedigma, 1832.

______. Discurso que às suas educandas dirigiu Nísia Floresta (18 de dezembro de 1847). Rio de Janeiro: Typographia Imparcial de F. Paula Brito, 1847.

______. Fany ou o modelo das donzelas. Rio de Janeiro: Edição do Colégio Augusto, 1847. ______. Fragments d’un ouvrage inédit: notes biographiques. Paris: A. Chérié Editeur, 1878.

______. Itineraire d’un voyage en Allemagne. Paris: Firmin Diderot Frères et Cie, 1857.

______. Le Brésil. Paris: Libraire André Sagnier, 1871.

______. Le lagrime d’un caeté. (trad. Ettore Marcucci) Firenze: Le Monnier, 1860.

_______________

37

(36)

______. O pranto filial. (crônica) jornal O Brasil Ilustrado, Rio de Janeiro, 31 mar. 1856. p. 141-2.

______. Opúsculo humanitário. Rio de Janeiro: Typographia de M. A. Silva Lima, 1853. ______. Páginas de uma vida obscura; Um passeio ao Aqueduto da Carioca; O pranto

filial. Rio de Janeiro: Typographia N. Lobo Vianna, 1854.

______. Páginas de uma vida obscura. (crônica) jornal O Brasil Ilustrado, Rio de Janeiro, jan.-jun. 1855.

______. Parsis. Paris: [s. n.], 1867.

______. Passeio ao Aqueduto da Carioca. (crônica) jornal O Brasil Ilustrado, Rio de Janeiro, 15 jul. 1855. p. 68-70.

______. Scintille d’un’anima brasiliana. Firenze: Tipografia Barbera, Bianchi & C. 1859. ______. Trois ans en Italie, suivis d’un voyage en Grèce. Paris: Libraire E. Dentu,

1864. v. 1.

______. Trois ans en Italie, suivis d’un voyage en Grèce. Paris: E. Dentu LibraireÉditeur et Jeffes, Libraire A. Londres, 1872. v. 2.

______. Um improviso, na manhã de 1. do corrente, ao distinto literato e grande

poeta António Feliciano de Castilho. (poema) jornal O Brasil Ilustrado, Rio de

Janeiro, 30 abr. 1855. p.157.

______. Woman. Londres: G. Parker, 1865.

Nísia Floresta, além destas inúmeras obras, teve publicadas edições póstumas, a seguir relacionadas38:

______. A lágrima de um caeté. (Estudo e notas de Constância Lima Duarte). Natal: Fundação José Augusto, 1997.

______. A lágrima de um Caeté. (apres. Modesto de Abreu.) Revista das Academias de

Letras, Rio de Janeiro, jan 1938.

______. Auguste Comte et mme. Nísia Brasileira: correspondance. Paris: Libraire Albert Blanchard, 1929.

______. Cartas de Auguste Comte a Nísia Floresta (texto original e tradução) jornal A República, Natal, jan.-fev. 1903.

______. Cartas de Nísia Floresta & Auguste Comte. (trad. Miguel Lemos e Paula

_______________

38

(37)

Berinson. Organização e notas de Constância Lima Duarte.) Florianópolis: Mulheres/Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2002.

______. Cintilações de uma alma brasileira. (trad. Michelle Vartulli. Apres. e notas biográficas de Constância Lima Duarte) Florianópolis: Mulheres/Santa Cruz do Sul: Edunisc, 1997.

______. Direitos das mulheres e injustiça dos homens. 4. ed. (apresentação, notas e posfácio de Constância Lima Duarte. São Paulo: Cortez, 1989.

______. Fany ou o modelo das donzelas. In: OSÓRIO, Fernando. Mulheres

farroupilhas. Porto Alegre: Globo, 1935.

______. Fragmentos de uma obra inédita. (trad. Nathalie Bernardo da Câmara. Apres. Constância Lima Duarte) Brasília: Ed. UnB, 2001.

______. Itinerário de uma viagem à Alemanha. 2. ed. (trad. Francisco das Chagas Pereira. Estudo e notas biográficas de Constância Lima Duarte) Florianópolis: Mulheres/Santa Cruz do Sul: Edunisc, 1998.

______. Itinerário de uma viagem à Alemanha. (trad. Francisco das Chagas Pereira) Natal: Ed. UFRN, 1982.

______. Opúsculo humanitário. 2. ed. (introd. e notas de Peggy Sharpe-Valadares. Posfácio de Constância Lima Duarte) São Paulo: Cortez, 1989.

______. Sete cartas inéditas de Auguste Comte a Nísia Floresta. Rio de Janeiro: Centro do Apostolado do Brasil, 1888.

______. Três anos na Itália. (trad. Francisco das Chagas Pereira. Apres. Constância Lima Duarte.

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CAPÍTULO3-ASIDEIAS,OSIDEAISEOSPENSAMENTOS:OUSADIAE VANGUARDISMO

3.1APRIMEIRAOBRA:ABRINDOCAMINHOSECONTROVÉRSIAS

Nísia Floresta tinha motivos de sobra para ir ao lado contrário daquela sociedade que vivia e acompanhava, submetendo as mulheres e demais classes a papeis subalternos. Para isso usou seu talento para fazer o que sabia de melhor: escrever. Em 1832 escreve seu primeiro livro ao qual deu o nome de ‘Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens’. Como já dissemos, ela mesma disse que era uma ‘tradução livre’ do livro de Mary Woolstonecraft (1759-1797), o que gerou dúvidas e discussões.

Era uma obra que abria caminhos e mostrava a insatisfação das mulheres de seu tempo no Brasil, passando a partir deste momento a usar o pseudônimo que a caracterizaria e levaria para o resto de sua vida. Mas para entendermos o significado deste livro, é importante conhecer quem foi a autora inglesa que inspirou Floresta..

Segundo o Almanaque Histórico (BARBOSA, 2006, p. 19), Mary sempre lutou pelos direitos das mulheres, contagiada que foi quando era correspondente de um jornal londrino em Paris, em 1792. Seu livro, ‘Em defesa dos direitos da mulher’ (Vindication of the Rights of Woman) foi considerado a primeira carta do feminismo moderno. Um livro produzido em apenas seis semanas e que respondia à Declaração Universal dos Direitos dos Homens, reivindicando a emancipação feminina e objetivando um destino desatrelado do marido e filhos. Seu nascimento coincidia com a vigência do Ato de Harwicke39 que limitava em muito o sexo feminino. A especialista em história das mulheres, a historiadora Michelle Perrot40 cita em seu livro o filósofo francês Sylvain Maréchal (1750-1803), quando este refere-se às mulheres com enorme ênfase no papel que elas deveriam desempenhar: “Quer a razão que as mulheres não metam jamais o nariz num livro, jamais a mão numa pena”. Mary _______________

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Ato que dava ao marido amplos poderes sobre a esposa, sendo esta desprovida de direitos patrimoniais, direitos sobre os filhos e até mesmo do direito à proteção a integridade física dentro de sua própria casa. Mary Woolstonecraft e Nísia Floresta: diálogos feministas. Raquel Martins Borges Carvalho Araújo, licenciada em Letras pela Universidade de Brasília, 2010, p. 2. Disponível em: <http://unb.revistaintercambio.net.br/24h/pessoa/temp/anexo/1/256/210.pdf>. Acesso em: 25/10/2013.

40

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(figura 5) que viveu na França durante a Revolução, pregava a mesma ‘liberdade, igualdade e fraternidade’, que caracterizou aqueles tempos, para as mulheres também.

Figura 5 - Mary Woolstonecraft

Fonte; Almanaque Histórico

Percebe-se a contradição entre o que pregava o liberalismo então vigente entre os principais intelectuais franceses e o espaço privado a que as mulheres se viam prisioneiras. A própria revolução tentava delimitar o espaço ocupado pelos diferentes sexos. O questionamento que surge é como este processo pode ser controlado se o seu lema principal diz exatamente ao contrário. As revoluções caracterizam-se por mudanças em toda a sociedade. Segundo Raquel Araújo (2010, p. 4) “as contradições, por anos abafadas, ressurgem fortes; afinal, como falar de liberdade, igualdade e fraternidade se não é relegada a condição de cidadão à metade dos seres humanos?”.

Mesmo assim, a educação e o contexto europeu eram bem diferentes da nossa realidade. Essa particularidade não tira o mérito de Nísia ter feito em sua primeira obra uma adaptação do livro de Mary, pelas peculiaridades que apresentava o mundo cultural brasileiro e aquela sociedade fortemente marcada pelo patriarcado. O historiador Boris Fausto41 cita em

seu livro o forte papel desempenhado pela igreja no período:

[...] como tinha em suas mãos a educação das pessoas, o controle da alma na vida diária, era um instrumento muito eficaz para veicular a ideia geral de obediência e, em especial, a de obediência ao poder do Estado.

Portanto, é prudente salientar que há uma linha separatória entre as duas obras, mas pontos em comum, como a busca de direitos das mulheres frente às situações que se

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