• Nenhum resultado encontrado

REALIDADE À MOSTRA: PALAVRAS OUSADAS, ESCRITOS QUE

CAPÍTULO 3 AS IDEIAS, OS IDEAIS E OS PENSAMENTOS: OUSADIA E

3.5 REALIDADE À MOSTRA: PALAVRAS OUSADAS, ESCRITOS QUE

Ao longo de sua vida, Nísia Floresta fugiu dos lugares comuns destinados às mulheres no século XIX, contrariando com suas ideias e pensamentos a sociedade vigente. Buscava a igualdade, tão propalada nos liberais europeus e que ela simpatizava e queria que os mesmos ares se espalhassem pelo Brasil.

Para tanto, sabemos que usou a palavra escrita em suas obras para divulgar seus pensamentos e ideias, os quais procurava, assim, posicionar a mulher dentro daquela sociedade dominada pelos homens.

Afinal, por que a mulher deveria ficar de fora? Por que não poderia dar opiniões? Por que não poderia expressar seus pensamentos?

É sempre esclarecedor colocar o que Nísia escreveu e questionou para termos uma exata magnitude de seus objetivos.

Para tanto, segue abaixo uma coletânea68 de seus pensamentos, frases e ideias que mostravam, ao mesmo tempo, a realidade à sua volta e os anseios dos mais oprimidos, colocados à margem e praticamente excluídos do contexto.

“Certamente Deus criou as mulheres para um melhor fim, que para trabalhar em vão toda sua vida” (Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens, 1832).

“Que personagens singulares![...] exigir a uma servidão que eles mesmos não têm coragem de se submeter, [...] e querer que lhe sirvamos de ludibrio, nós, a quem eles são obrigados a fazer a corte e atrair em seus laços com as submissões as mais humilhantes” (Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens, 1832).

“Flutuando como o barco sem rumo ao sabor do vento neste mar borrascoso que se chama mundo, a mulher foi até aqui conduzida segundo o egoísmo, o interesse pessoal, predominante nos homens de todas as nações” (Passeio ao Jardim de Luxemburgo. 1857).

_______________

68

“A escravidão [...] foi sancionada pelos mesmos homens, que tudo haviam sabido sacrificar para libertar-se do jugo de seus opressores, e assumirem a categoria de nação livre! Eles, que acabavam de conquistar a liberdade, não coravam de rodear-se de escravos!” (Páginas de uma Vida Obscura, 1855).

“As dores morais do negro passam despercebidas nas habitações do branco.” (Páginas de uma Vida

Obscura, 1855).

“Se cada homem (...) fosse obrigado a declarar o que sente a respeito de nosso sexo, encontraríamos todos de acordo em dizer que nós nascemos para seu uso, [...] reger uma casa, servir, obedecer e aprazer aos nossos amos, isto é, a eles homens.” (Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens, 1832).

“A esperança de que, nas gerações futuras do Brasil, ela [a mulher] assumirá a posição que lhe compete nos pode somente consolar de sua sorte presente.” (Opúsculo Humanitário, 1853).

“Ei-lo este filho predileto da natureza, este Éden do presente [...] Ei-lo assentado entre diamantes e ouro, [...] e recebendo a homenagem do Atlântico, que vai deitar a seus pés o engenho de muitos e variados povos, em troca de suas raras e preciosas produções, e de sua liberalidade.” (O Brasil, 1859).

“Nosso olhar estava preso ao horizonte; [...] e o pensamento [...] estabelecia entre o Brasil e Heidelberg uma comunicação de ideias, de amor e de esperanças que emprestavam encanto a todas as belezas melancólicas ou luminosas que nos tocavam [...]” (Itinerário de uma Viagem à Alemanha, 1857).

“Todos os brasileiros, qualquer que tenha sido o lugar de seu nascimento, têm iguais direitos à fruição dos bens distribuídos pelo seu governo, assim como à consideração e ao interesse de seus concidadãos.” (Opúsculo Humanitário, 1853).

“A escravidão [...] foi sancionada pelos mesmos homens, que tudo haviam sabido sacrificar para libertar-se do jugo de seus opressores, e assumirem a categoria de nação livre! Eles, que acabavam de conquistar a liberdade, não coravam de rodear-se de escravos!” (Páginas de uma Vida Obscura, 1855).

Em uma carta escrita por Comte dirigida a Nísia Floresta, o filósofo mostrava que o seu ponto de vista valorizava as mulheres. Em um dos trechos diz:

“Ninguém avalia melhor do que eu a importância habitual das dignas relações femininas, sobretudo entre os verdadeiros filósofos”.

Como viajante, Nísia escreveu muito sobre o que observava, aflorando sua sensibilidade e impressões sobre os parques, museus, bibliotecas e igrejas. Numa delas diz:

“É triste ver-se, querer-se bem, para deixar-se logo em seguida! São, assim, no entanto, as ligações de turistas! Meu espírito ama as viagens, meu ser físico nelas se compraz, mas meu coração nunca será viajante”.

Nísia Floresta Brasileira Augusta expressava seus conceitos e julgamentos dessa maneira, abrangendo os mais diversos assuntos e temas. Não é à toa que Nísia, até hoje, é a única mulher a integrar a Galeria de Honra da Fundação Joaquim Nabuco, como mostra a figura 11.

Figura 11 - Nísia, em obra de 1974

Fonte: Fundação Joaquim Nabuco

Nísia Floresta, postumamente, ocupa a 17ª cadeira da Academia Literária Feminina do Rio Grande do Sul69.

Para Barbosa (2006, p. 64), Nísia era branca e mulher e, como tal, deveria conformar- se com um destino restrito ao universo doméstico: o marido, a família, a etiqueta e os valores sociais.

Entretanto, preferiu a caneta – ou a pena, como era então – e registrou as ideias de seu espírito batalhador e inquieto. Assim agindo, incomodou, chocou e, como “castigo”, recebeu críticas, foi difamada e esquecida em sua pátria natal.

_______________

Muitas mulheres tiveram papel preponderante na construção da história do Brasil. Uma história de opressão, falta de bom senso e difamação. Mas, graças à persistência e consciência maiores, este quadro está mudando.

Já é realidade que a educação, um dos caminhos escolhidos por Nísia para a busca da emancipação, é vista nos dias atuais como de fundamental importância no desenvolvimento não só da nação, como das pessoas. Nísia deixou sua coragem e exemplos a serem seguidos.

CONSIDERAÇÕESFINAIS

A história da mulher ainda está sendo contada pelos olhares que enxergam nelas verdadeiras protagonistas ao longo dos séculos. O ideário de Nísia faz parte desta longa trajetória.

A sociedade patriarcal que contextualizou a vida de Floresta permitiu que ela se tornasse uma porta-voz do sexo feminino que se via relegado a um segundo plano e vendo seus direitos serem flagrantemente violados. De modo geral, verificamos que a escritora, educadora, mãe e esposa tornou-se uma referência para divulgar e delatar os diferentes propósitos então vigentes, norteados pela dominante presença do homem. Além disso, via nos menos favorecidos a mesma prerrogativa que era imposta às mulheres.

Através da pesquisa de autores e autoras dedicados ao trabalho de Nísia e pelos seus escritos, vimos que as diversas obras mostraram uma visão avançada e distinta da que predominava em seus tempos. Nísia era uma visionária e corajosa, disposta a sair do lugar destinado à mulher e realçar seus objetivos, virtudes que a fizeram ser considerada a ‘precursora do feminismo no Brasil’. Não sem motivos, muitos a viam como avançada para sua época. Há de se destacar, também, outras mulheres que inspiradas pelos ideais da ‘augusta brasileira’, encorajaram-se e tiveram a mesma determinação para participar de uma sociedade que se modificava a olhos vistos.

Analisando o século que viveu, sentimos que as dificuldades que o sexo feminino enfrentava eram enormes. Restritas a um espaço privado, enquanto homens ocupavam mais os espaços públicos, as mulheres eram mantidas dentro de casa, atendo-se aos trabalhos domésticos que lhe eram próprios e cuidar do restante da família, como esposo e filhos. Sem dúvida, esta cultura arraigou-se de tal forma que a população feminina não via outra saída diante das inconveniências que uma comunidade organizada daquele jeito infligia às suas matronas.

Inspirada por outras mulheres que habitavam o continente europeu e pelo liberalismo nascente, Nísia resolveu seguir a mesma linha e propor às brasileiras que seguissem os exemplos de igualdade e liberdade entre os gêneros. As dificuldades enfrentadas em família,

como a perda do pai e do marido ainda jovem, apresentaram-se como uma oportunidade de dedicar-se mais ainda em sua produção literária. Sua coragem de abrir um colégio para somente para meninas e ensinar-lhes disciplinas restritas aos homens, incomodou muita gente e não sem consequências. Por conta disso, é natural que a difamassem a não a vissem com bons olhos. Mas era necessário seguir em frente.

Foi possível verificar que suas viagens e o fato de morar na Europa durante longos vinte oito anos, trouxeram-lhe novos caminhos. Não há como negar que o contato com intelectuais de distintas áreas ajudaram-na em seus intentos. Via neles inspiração para combater males que angustiavam e atormentavam o país, muitos deles já extintos em lugares do velho mundo.

É quase que incompreensível que uma brasileira deste porte permaneça, até hoje, uma desconhecida e esquecida por quem deveria lembrar as grandes personagens e suas influências para as demais camadas da população. Seu trabalho merece ser lembrado como uma abertura a novos caminhos e um enfrentamento necessário para que a educação se torne cada vez mais um degrau na escalada longa que a mulher ainda possui nos dias atuais. Salienta-se que o movimento feminista tornou-se o ponto essencial nesta constante busca de igualdade entre gêneros.

Ainda há muito a ser feito. Mas podemos observar que pessoas como Nísia conseguiram, com arrojo e ousadia, transpor empecilhos antes impensáveis às mulheres. O seu engajamento é um modelo a ser seguido e seus pensamentos são ainda muito presentes e reais num mundo sempre desigual, mas que poderia ser menos injusto. Naturalmente sua vida não se encerra por aqui. Há ainda muito a ser descoberto e estudado sobre Nísia. Transformações ocorrem pelas ações, e Nísia Floresta Brasileira Augusta sabia bem disso.

REFERÊNCIAS

ALBERTON, M.; CASTRO, A. M. A.; EGGERT, E. Nísia Floresta A mulher que ousou

desafiar sua época: educação e feminismo. Poiésis - Revista de Pós-Graduação em

Educação, Tubarão, v.3, n.5, p.46-55, 2010. Disponível em:

<http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/Poiesis/search>. Acesso em: 27 set. 2013.

AUGUSTA, Nísia Floresta Brasileira. Fragmentos de uma obra inédita: notas biográficas. Paris: A. Cherié Editeur, 1878. 148 p. Citada por BARBOSA, 2006, p. 15.

BARBOSA, Paulo. Nísia Floresta: uma mulher à frente de seu tempo: almanaque

histórico. 21ª edição. Brasília: Mercado Cultural, 2006. 64 p. Disponível em:

<www.projetomemoria.art.br/NisiaFloresta/pro.html > Acesso em: 8 out. 2013.

BESSE, S. Modernizando a desigualdade: reestruturação da ideologia de gênero no

Brasil: 1914-1940. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1999.

CASTRO, L. M. A contribuição de Nísia Floresta para a educação feminina: pioneirismo

no Rio de Janeiro oitocentista. Revista Outros Tempos, Rio de Janeiro, v. 7, n. 10, p. 237-

256, 2010. Disponível em:

<www.outrostempos.uema.br/OJS/index.php/outros_tempos.../84 >. Acesso em: 28 out. 2013. CUNHA, Washington.; SILVA, Rosemaria. A educação feminina do século XIX: entre a escola e a literatura. Revista Gênero. Niterói, v. 11, n. 1, p. 97-106, 2. Sem. 2010.

DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta: vida e obra. 1ª ed. Natal: UFRN, 1995. 150 p. ______. Pioneira do Feminismo Brasileiro. Revista Mulheres, São Paulo, v.1, n.3, p.45-47, 1997. Disponível em: <<http://www.litcult.net/revistamulheres_vol1.php?id=7>> Acesso em: 22 out. 2013.

______. Nísia Floresta: a primeira feminista do Brasil. 1ª ed. Santa Catarina: Mulheres, 2005. 144 p.

______. Nísia Floresta e Mary Woolstonecraft: diálogo ou apropriação?. Revista de Literatura Brasileira, Belo Horizonte, n. 7, p. 154, 2001. Disponível em:

<http://www.letras.ufmg.br/poslit/08_publicacao002300.htm>. Acesso em: 5 set. 2013. ______. Nísia Floresta: uma mulher à frente de seu tempo: fotobiografia. 21. ed. Brasília: Mercado Cultural, 2006. 120 p. Disponível em:

<http://www.projetomemoria.art.br/NisiaFloresta/pro.livro/foto.html>. Acesso em: 3 out. 2013.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. 11ª ed. São Paulo: EDUSP, 2002. 660 p.

FLORES, H. A. H. Presença Literária 2006. 1. ed. Porto Alegre: Ediplat, 2006. 184 p. FLORES et al. O papel da mulher na Revolução Farroupilha. Porto Alegre: Tchê!, 1985. FLORESTA, Nísia. Cartas de Nísia Floresta & Augusto Comte. 1ª ed. Florianópolis: Mulheres - EDUNISC, 2003. Prefácio e notas de Constância Lima Duarte.

______. Fany ou o modelo das donzelas. Rio de Janeiro: Colégio Augusto, 1847.

______. Três anos na Itália, seguidos de uma viagem à Grécia. 1ª ed. Natal: UFRN, 1998. Traduzido por Francisco das Chagas Pereira.

______. Trois an Italie, suivis d'un voyage en Grèce. Paris: E. Dentu Libraire-Éditeur et Jeffes Libraire A. Londres, 1871.

FRANCO, Stela Maris Scatena. Peregrinas de Outrora: viajantes latino-americanas no

século XIX. Florianópolis: Editora Mulheres - EDUNISC, 2008. 300 p.

GOLDEMBERG, M.; TOSCANO, M. A revolução das mulheres. Rio de Janeiro: Revan, 1992. 120 p.

HAHNER, June. A mulher brasileira e suas lutas sociais e políticas: 1850-1937. São Paulo: Brasiliense, 1981. 140 p.

LAMPHERE, Louise; ROSALDO, Michele. A mulher, a cultura e a sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. 256 p. Org.

LOURO, Guacira Lopes. Mulheres em sala de aula. In DEL PRIORE, Mary. História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997, p. 443-481.

PALHARES-BURKE, Maria Lúcia. Nísia Floresta. Folha de São Paulo, São Paulo, nº 5, p. 3, 1995. Caderno Mais! Disponível em:<http://www.acervo.folha.com.br/fsp/1995/09/10/72>. Acesso em: 10 set. 2013.

PERROT, Michelle. Minha História das Mulheres. 1ª Ed. São Paulo: Contexto, 2007. 190 p.

PRIORE, Mary Del. História do amor no Brasil. 2ª. Ed. São Paulo: Contexto, 2006. 177 p. PRIORE, Mary Del. Esquecidos por Deus: monstros no mundo europeu e ibero-

americano (séc. XVI-XVIII) . São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 168 p.

PRIORE, Mary Del. Entre a casa e a rua: a família brasileira no século 19 incluía uma

SABINO, Ignez. Mulheres Illustres do Brasil. Fac-similar. Editora Florianópolis: Mulheres, 1996.

SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mitos e realidades. 1ª ed. Petrópolis: Vozes, 1979.

SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis: Vozes, 1976.

SAINT-HILAIRE, A. Viagem à Província de São Paulo e resumo das viagens ao Brasil. 1ª ed. São Paulo: Martins, 1940. Tradução de Rubens Borba de Moraes.

A Comuna de Paris.. Publicado por Rainier Gonçalves Sousa. Disponível em:

<http://www.mundoeducacao.com/historiageral/comuna-paris.htm>. Acesso em: 30 out. 2013.

A Escola Doméstica de Natal. Disponível em:

<http://www.escoladomestica.com.br/2012/quemsomos.php>. Acesso em: 21 out. 2013.

A visão de Rousseau sobre as mulheres. Disponível em:

<http://www.cafecomsociologia.com/2010/11/visao-de-rousseau-sobre-as-mulheres.html>. Acesso em: 21 out. 2013.

Mary Woolstonecraft e Nísia Floresta: diálogo feminista . Disponível em:

<http://unb.revistaintercambio.net.br/24h/pessoa/temp/anexo/1/256/210.pdf>. Acesso em: 25 out. 2013.

Olympe de Gouges: a revolução e as mulheres. Núcleo de Estudos Contemporâneos - UFF

Disponível em: <http://www.historia.uff.br/nec/materia/grandes-processos/olympe-de- gouges-mulheres-e-revolução>. Acesso em: 20 out. 2013.

Pioneira do Feminismo Brasileiro. Disponível em:

<http://www.litcult.net/revistamulheres_vol1.php?id=7>. Acesso em: 28 out. 2013.

Projeto Memória Banco do Brasil. Disponível em:

<http://www.projetomemoria.art.br/NisiaFloresta/obr.html>. Acesso em: 28 out. 2013.

Significado de Capitão-mor. Disponível em: <http://www.priberam.pt/DLPO/>. Acesso em: 12 set. 2013.

Documentos relacionados