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CAPÍTULO 3 AS IDEIAS, OS IDEAIS E OS PENSAMENTOS: OUSADIA E

3.2 A EDUCADORA SÓ DE MENINAS

Há mais de um motivo para lembrar-se de Nísia Floresta como a precursora do feminismo no Brasil. A fundação do Colégio Augusto – nome em homenagem ao pai de seus filhos e que morreu muito jovem -, no Rio de Janeiro, em 15 de fevereiro de 1838, o que seria notícia em todos os jornais. Em 31 de janeiro daquele ano, o Jornal do Comércio anunciava a inauguração do estabelecimento:

D. Nísia Floresta Brasileira Augusta tem a honra de participar ao respeitável público que ela pretende abrir no dia 15 de fevereiro próximo, na rua Direita, nº 163, um colégio de educação para meninas, no qual, além de ler, escrever, contar, coser, bordar, marcar e tudo o mais que toca à educação doméstica de uma menina, ensinar-se-á a gramática da língua nacional por um método fácil, o francês, o italiano, e os princípios mais gerais da geografia. Haverão igualmente neste colégio mestres de música e dança. Recebem-se alunas internas e externas. A diretora, que há quatro anos se emprega nesta ocupação, dispensa-se de entreter o respeitável público com promessas de zelo, assiduidade e aplicação no desempenho dos seus deveres, aguardando ocasião em que possa praticamente mostrar aos pais de família que a honrarem com a sua confiança, pelos prontos progressos de suas filhas, que ela não é indigna da árdua tarefa que sobre si toma. (DUARTE, 2006, p. 25)

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As disciplinas citadas no anúncio eram destinadas mais aos homens. Então, um colégio que se propunha a adotar ensinamentos ‘avançados’ para as mulheres não foi muito bem recebido. Afinal, contrariava o que os homens pensavam: o universo das mulheres era o doméstico.

Enquanto este periódico simplesmente anunciava a inauguração do colégio com detalhes, não havia naturalmente quem fosse a favor. O jornal O Mercantil considerava totalmente desnecessária estes ensinamentos, como insinua em sua publicação:

[...] Há casas de educação que têm o mau gosto de ensinar às meninas a fazer vestidos ou camisas. Mas parece que D. Augusta acha isto muito prosaico. Ensina- lhes latim. E por que não grego e hebraico? Pobre diretora! Está tão satisfeita de si mesma e de seu colégio; está tão intimamente persuadida que é o primeiro estabelecimento de instrução do império, que, em verdade causa dó arrancar-lhe tão suave ilusão!..É pois natural que D. Nísia que nunca viu senão o próprio colégio o ponha acima dos demais. Há mais nesta opinião mais ingenuidade do que vaidade. Notaremos apenas a D. Floresta que se esquece um tanto do verdadeiro fim da educação, que é o de adquirir conhecimentos úteis e não vencer dificuldades, sem nenhuma utilidade real. (O MERCANTIL, 17 de janeiro de 1847)47

Nísia mostrava assim o seu caráter questionador, as suas virtudes de enxergar além das paredes limitadas do lar. Imaginemos uma mulher criticando e criando desafios novos em tempos históricos. O preconceito, a controvérsia, a discussão estava presente em sua índole. Afinal, o que queria aquela mulher que ousava ir além e ensinar às mulheres coisas exclusivas dos homens?

Certamente surgiram perguntas sobre aquela escola (figura 6), que surgia como uma ofensa à sociedade conservadora. Mas novos tempos estavam por vir e Nísia não podia deixar de fazer parte daquelas mudanças.

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CASTRO, A contribuição de Nísia Floresta para a educação feminina: pioneirismo no Rio de Janeiro

Figura 6 - Fachada do Colégio Augusto

Fonte: Mapa Arquitetural da Cidade do Rio de Janeiro, 187448

Este mesmo jornal ironiza de maneira acintosa a realização de Nísia e seu colégio. Não parava de lançar notas e observações sobre o modo de educar as mulheres. Em uma de suas edições, na coluna chamada de Estatística Colegial, ao tratar sobre as avaliações finais, escreveu: “Trabalhos de língua não faltaram; os de agulha ficaram no escuro”. Em seguida acrescentou: “Os maridos precisam de mulher que trabalhe mais e fale menos49”.

Nísia costumava discursar para as meninas que ali estudavam. Suas palavras eram contundentes e a faziam mostrar também a importância do trabalho intelectual:

[...] não inutilizeis os esforços, que pela vossa educação se tem feito, deixando-vos de aplicar ao estudo de bons livros nas horas vagas, que vos ficarem de um trabalho proveitoso, com o qual deveis procura entreter o vosso espírito, a fim de que a ociosidade não o venha assaltar com os seus terríveis efeitos, e torna-lo incapaz de uma virtude, pela qual chegareis ao apogeu da felicidade. O sublime Fenelon compreendeu bem essa felicidade, quando disse: “A ignorância de uma donzela é causa de que ela se ache muita vez nesse estado indefinível fastio do mundo, no qual não sabe em que se deva ocupar inocentemente. Quando ela chega a uma certa idade, sem aplicar-se a cousas sérias, não pode ter um gosto, nem estima para com elas; tudo o que é sério lhe parece triste; tudo o que demanda uma atenção constante, a fatiga; a inclinação aos prazeres, tão forte, durante a mocidade; o exemplo de pessoas de sua idade, engolfadas aos seus divertimentos, tudo serve de lhe fazer _______________

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DUARTE, 2006, p. 27.

temer uma vida bem regulada e laboriosa” (Discurso que a suas educandas dirigiu, FLORESTA, 1857)

Sempre é bom lembrar que a educação no Brasil, conforme Saffioti (1979), “era um monopólio dos jesuítas e não se preocupavam com a educação da mulher nas escolas, restritas aos afazeres domésticos, excluídas sempre dos hábitos de leitura e escrita”.

Somente em março de 1827, D. Pedro I assinou a primeira legislação relativa ao acesso de mulheres às escolas, mas somente as escolas elementares, ficando as avançadas para os homens50. Citando o viajante francês Saint-Hilaire, este afirma que a mulher brasileira era a última numa escala social, inferiorizada até por um cão: “Cercado de escravos, o brasileiro habitua-se a não ver senão escravos entre os seres sobre os quais tem superioridade [...]. A mulher é, muitas vezes, a primeira escrava da casa, o cão é o último.” (1940, p. 37)51

O Colégio Augusto investe-se de mais importância ainda quando inovou o ensino para as mulheres incluindo disciplinas como latim, caligrafia, história, português, francês, italiano, religião, inglês, dança, música, piano, desenho, costura. As próprias palavras de Nísia enfocam a importância da mulher naquela sociedade, dando-lhe o devido valor e abrindo novos caminhos para a emancipação feminina e suas conquistas que, aos poucos, viria ao longo dos anos.

Guacira Lopes Louro52 também avançando pelos estudos sobre a história da mulher no Brasil, mas fazendo uma abordagem específica sobre a questão da educação feminina, discutiu as representações e os discursos formadores da imagem da professora, assinalando a figura feminina no magistério que vai assumir, aos poucos, já final do século XIX, o espaço do antigo primário, que os homens abandonariam lentamente. Para consolidar o papel social da professora, os médicos e higienistas, baseando-se em conceitos psicológicos, associam o magistério à responsabilidade da maternidade, construindo a figura da mulher como o elemento específico para tal atividade. Por conta desta análise, Guacira Louro defendeu a inclusão do estudo de gênero à história da educação53.

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CASTRO et al., 2010, p. 7.

51 Tradução de Rubens Borba de Moraes. CASTRO, loc. cit.

52Mulheres em sala de aula. In DEL PRIORE, Mary. História das mulheres no Brasil. 1997, p. 443-481. Citada por CUNHA; SILVA, p. 101.

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CUNHA, Washington; SILVA, Rosemaria. A educação feminina do século XIX: entre a escola e a literatura.

A figura 7 mostra uma lista de alunas que se destacaram nos exames finais do colégio fundado por Nísia. Isso mostrava a qualidade do ensino presente.

Figura 7 - Lista da banca examinadora e das alunas que se destacaram

Fonte: Duarte (2006, p. 17).

Nota-se que a filha de Nísia (grifado), Lívia, aparece como destaque em latinidade. A senhora Nísia Floresta encantava assim diferentes públicos com seus discursos e escritos, com

seu ensino eficiente e sua demonstração de convicção no que fazia, bem como nas palestras que proferia.

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