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A narrativa jornalística em Bases de Dados

Desde as primeiras experiências com a produção de conteúdos jornalísticos, antes mesmo do aparecimentos dos primeiros editores de texto, então basea- das na simples transposição mecânica do material dos meios convencionais, era evidente a necessidade da criação novos modelos narrativos, (Machado e Palacios, 1996). Com a incorporação pelas organizações jornalísticas dos sistemas de gerenciamento de conteúdos estruturados na forma de Bases de Dados para formatação das informações (Machado, 2004), passa a existir a infra-estrutura necessária para diversificação de tipos de narrativas nos dife- rentes meios jornalísticos existentes no ciberespaço (Diaz Noci e Salaverria, 2003). A linguagem XML, utilizada nestes sistemas automatizados de ges- tão de informações dos produtos jornalísticos, permite desvincular a forma dos conteúdos, o que pode vir a aumentar o grau de liberdade dos jornalistas quando da composição das matérias (Salaverria, 2004).

Como a formatação dos conteúdos no jornalismo em Bases de Dados ocorre de forma automática, de acordo com as instruções previamente deter- minadas pelo programador, ao contrário do possa transparecer da afirmação de Salaverria que sustenta que “...el autor de los contenidos sólo se preocupa de cuestiones redaccionales y, em su caso, de edición audiovisual. Es el sis- tema de gestión de contenidos el que se ocupará por si sólo de distribuir la materia prima informativa textual y audiovisual a los distintos medios, y aco-

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modar el formato a las características de cada soporte”, cabe ao jornalista participar de modo ativo do desenho destes sistemas complexos de produção e gestão de conteúdos. Se o sistema de gestão de conteúdos for desenvolvido sem uma participação direta dos jornalistas, como ocorre na maioria das ve- zes, pode ocorrer uma drástica redução das possibilidades de narrativa. Ao mesmo tempo que permite a desvinculação da forma dos conteúdos, automa- tizando o processo de distribuição para distintas plataformas de circulação, no jornalismo como em qualquer outro tipo de uso, a linguagem XML exige uma definição prévia da estrutura e dos formatos para que a complexidade do sistema seja expressada na diversificação das modalidades de narrativa dispo- nibilizadas para os jornalistas.

A mudança no processo tecnológico de produção dos conteúdos jornalísti- cos decorrente da chegada dos sistemas automatizados de gestão das informa- ções está provocando alterações profundas nas funções desempenhadas pelos jornalistas. Salaverria (2005) identifica três aspectos novos na atividade do re- dator dos cibermeios: 1) a passagem do conceito de escrita puramente textual para um modelo de composição multimídia; 2) a possibilidade de que o reda- tor exerça o trabalho de qualquer lugar, sem necessidade de estar presente na redação e 3) o aparecimento de modalidades de redação coletiva o cooperativa em comparação com o modelo clássico individual.

Antes de entrarmos na discussão mais específica do alcance destas mu- danças para a prática jornalística como um todo, o que gostaríamos de chamar a atenção aqui é que a adoção dos sistemas automatizados de gestão de con- teúdos, a depender da estrutura e da diversidade de narrativas viabilizadas pelo modelo, pouco pode contribuir para a transformação das Bases de Dados como espaços para a composição de produtos multimídia.

O próprio Ramón Salaverría (2005) se encarrega de classificar duas moda- lidades de multimídialidade existente nos cibermeios: 1) a multimidialidade por justaposição e a multimidialidade por integração. No primeiro caso sim- plesmente basta com que os distintos elementos – texto, foto, áudio, vídeo, animação – apareçam lado a lado, sem a necessidade de uma articulação di- reta que caracterize a peça como uma unidade narrativa complexa e única. A multimidialidade por justaposição, como sustenta Salaverria, apresenta os elementos multimídia de forma desconexa e a leitura, a audição ou a visão destes conteúdos somente pode ser realizada de forma independente y conse- cutiva (Salaverria, 2005:58). Em contrapartida, a multimidialidade por inte-

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gração vai além da justaposição dos conteúdos textuais, icônicos ou sonoros, articulando-os em uma narrativa única e coerente.

A diferenciação de Salaverria demonstra como mais do que definir o sis- tema de gestão de conteúdos como requisito tecnológico essencial para a com- posição de narrativas multimídia em Bases de Dados, existe a necessidade de perceber que, no caso jornalístico, este sistema deve apresentar determinadas características particulares. A diversidade de etapas do processo de produ- ção de conteúdos jornalísticos – apuração, composição, circulação – demanda a existência de um sistema complexo de produção e gestão, que seja capaz de incluir subsistemas específicos. O de composição de narrativas tem que estabelecer uma dupla articulação. De um lado, com as possibilidades diver- sificadas de formatos – axiais ou reticulares (Diaz Noci e Salaverria, 2003) e de outro, com os diferentes tipos de gêneros ou formatos jornalísticos.

Uma das limitações dos sistemas de gestão de conteúdos existentes con- siste em que têm como objetivo principal distribuir de forma automática a matéria informativa textual e audiovisual aos distintos meios e de acomodar o formato as características de cada suporte (Salaverria, 2005). A prioridade dada à maximização da produtividade conduz a uma padronização dos for- matos o que contraria a diversidade de possibilidades criadas pelas estruturas axiais ou reticulares ou pelos gêneros e formatos jornalísticos.

Para o aproveitamento destas potencialidades os sistemas de gestão de conteúdos devem optar pela padronização que respeite as particularidades dos formatos e gêneros jornalísticos. Se desconsiderado este cuidado, em que pouco importa o tipo de gênero – notícia ou reportagem – a estrutura da in- formação no ciberespaço acaba sendo sempre muito similar, estática e plana - mais adiante trataremos com mais detalhes do que seja uma estrutura na- vegável plana. Ver ALMEIDA, Leila. 2005 - porque elaborar produtos com diversos itinerários narrativos, abertos a participação do usuário e que com- binem textos, imagens e áudio pressupõe a existência de uma infra-estrutura tecnológica que ofereça automaticamente este repertório de alternativas aos jornalistas.

Quando o sistema automatizado de composição de conteúdos amplia o número de alternativas de formatação e de gêneros oferecido aos jornalistas, atende aos requisitos da cadeia de produção das empresas jornalísticas, que exige destes profissionais a utilização de processos de composição rápidos e padronizados. Como está obrigado a produzir com rapidez o abandono das

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estruturas planas e simples em favor de estruturas complexas e profundas pelo jornalista depende de que o sitema de formatação dos conteúdos permita di- versificar os modelos de narrativa sem perda de tempo. Se estiver desprovido de um sistema de composição complexo e automatizado, o imperativo da ur- gência, como constata Salaverria, 2005, limita muito a possibilidade de que o jornalista explore novos formatos mais ricos e diversificados. O que é impor- tante que se diga aqui é que enquanto a criação de estruturas hipertextuais, dos fluxos de narrativa e das combinações de elementos multimídia estiver a cargo unicamente dos profissionais, dificilmente, com exceção dos especiais ou da infografia multimídia, em que o profissional dispõe de mais tempo, os ciber- meios vão aproveitar todas as potencialidades expressivas do ciberespaço.

O inventário dos tipos de gêneros ciberjornalísticos revela uma variedade de formatos provados ao longo destes 10 anos de desenvolvimento do web- jornalismo (Salaverria e Diaz Noci, 2003; Salaverria, 2005; Almeida, 2005; Ribas, 2005). Almedia, 2005 estudando o webjornalismo audiovisual identi- fica 8 formas simples e 8 formas complexas de formatação utilizadas (tabela- resumo 5). Deste total, seis são planas, ou seja, sem links. São elas: 1) textual; 2) imagética; 3) imagético-textual; 4) imagético-auditiva; 5) audio-textual e 6) imagético-audio-textual. Nas formas complexas, como se pode ver abaixo, o usuário vai precisar da visão e da audição para compreender plenamente a mensagem.

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Planas (s/Link) Navegáveis (Hpernarrativas) Formas Simples (Um sentido) Textual Imagética Imagética-Textual Hipertextual Hiperimagética Hiperimagético-textual Textual-Hiperimagética Imagético-hipertextual Formas Complexas (Dois sentidos) Imagético-auditiva Áudio-Textual Imagético-Audio-Textual Áudio-hiperimagética Áudio-hipertextual Áudio-hipertextual- hiperimagética Áudio-imagético-hipertextual Áudio-hiperimagético- hipertextual

Tabela Resumo. Fonte: Almeida, 2005.

No mesmo ano Ribas, 2005 elabora uma classificação que incorpora as ca- tegorias de forma simples e forma complexa navegável de Almeida, 2005 para organizar, tomando como parâmetro as classificações de Garcia e de Salaver- ria, uma tipologia que descreva as formas-padrão da narrativa webjornalística. Ver Tabela abaixo.

Forma Simples Navegável Nogueira, 2005

Forma Complexa Navegável Nogueira, 2005

Garcia, 2003 Reportagem de Atuali- dade

Especial Temático e Informe Documental Salaverria, 2005 Informe Documental Reportagem Documental

Fonte: Ribas, 2005.

Os diversos inventários sobre a diferenciação paulatina dos formatos ci- berperiodísticos são um indício de que à medida que melhora a infra-estrutura tecnológica mais complexos vão ficando os modelos de narrativa. Do ponto de vista jornalístico cabe esclarecer que as narrativas mais complexas nem sempre são as melhores e que, muitas vezes, as formas mais simples, princi- palmente no caso das chamadas últimas notícias, são as mais indicadas. O que se chama atenção aqui é que a utilização em larga escala de modelos narrati- vos mais complexos vai exigir o desenvolvimento de sistemas de composição

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de conteúdos mais dinâmicos e versáteis, capazes de oferecer aos jornalistas uma variedade de alternativas de formatos e de gêneros, previamente estru- turados, mais ou menos como ocorre hoje com os programas de editoração eletrônica para a paginação de jornais e revistas.