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Para compreender melhor o novo status ou novo “lugar” para esta tecnolo- gia da informação no jornalismo presente nas redes digitais, agregamos um conceito do campo das novas mídias. Trata-se de remediation ou remediação (Bolter & Grusin, 2000), palavra-chave para a mídia digital, que implica no reconhecimento do meio anterior, da sua linguagem e da sua representação social. Entendemos que remediation se mostra apropriado para a nossa pes- quisa, pois permite perceber a ampliação do significado de bases de dados, a partir da concepção de BDs como forma cultural simbólica na contempo- raneidade (Manovich, 2001), assim como a de formato no jornalismo digital (Machado, 2004a).

Segundo os autores norte-americanos, as inovações trazidas pelas novas mídias não ocorrem de maneira divorciada em relação aos meios existentes. Ao contrário, as novas mídias remediam, isto é, melhoram seus predecessores, tanto o jornal, a revista, o rádio, o telefone, a arte, o vídeo, a fotografia, a comunicação face-a-face, os modos de publicar, assim como a experiência social e o espaço urbano. A internet, por sua vez, remedia todos os meios, melhorando-os em muitos aspectos e acrescentando recursos novos, enquanto a web, especificamente, tem uma natureza remediadora, operando de modo híbrido e inclusivo (Bolter & Grusin, 2000, p. 198).

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As bases de dados, mesmo não sendo um meio de comunicação, um es- paço visual, social ou urbano, são remediadas, melhoradas, pelo fato de que a internet vai garantir novas técnicas e linguagens para a sua construção e aplicação (Sousa, 2002), de um lado, como sofrerão remediações, ganhando novas funcionalidades de acordo com os usos e apropriações no jornalismo digital, modalidade que surge com a tecnologia das redes, da qual a internet é o maior paradigma. Além disso, os próprios autores observam que as bases de dados textuais precederam a introdução da web e dependeram dos serviços anteriores da internet ou mesmo da gravação digital para realizar a remediação do livro (Bolter & Grusin, 2000, p.201).

Em um sentido, o emprego e a utilização de BDs no jornalismo digital opera remediações nos sistemas de produção, de obtenção da informação, no âmbito dos gêneros jornalísticos e da apresentação dos conteúdos, e, em outro, vai gerar inovações quanto aos modos de fazer jornalismo nas redes digitais, configurando, então, um cenário de dupla via caracterizado por remediações e rupturas (Barbosa, 2004b).

Testamos a propriedade de tal argumento, apresentando-o a um dos auto-

res – Jay David Bolter6 - que, apesar de se mostrar surpreso com a conexão

entre o conceito de remediation e a noção de bases de dados tal como empre- gamos no nosso estudo, considerou: “The notion of greater authenticity does fit in with remediation”. Bolter explica que:

To me, an analysis based on remediation would look at the relationship between online journalism as an attempt to imitate and surpass earlier forms (. . . ) The database argument is based, I think, on the notion that a rupture (as you suggest) has occurred (. . . ) perhaps the database could be understood as the feature that makes the online journal a more authentic or compelling experi- ence in comparison the printed newspaper (Bolter, 2005).

Tais rupturas, como já explicado, estariam na quebra de um certo padrão até então empregado, para a organização e estruturação das informações, para

6A oportunidade para apresentar a nossa apropriação do conceito ocorreu na palestra re-

alizada pelo autor no dia 06 de maio de 2005, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT), em Lisboa, e seus comentários aqui reproduzidos foram enviados por e-mail no dia 21 de Maio de 2005.

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a construção das narrativas, para o arquivamento e recuperação dos conteúdos publicados, como também para a criação de elementos conceituais novos para apresentação das informações.

A partir das possibilidades combinatórias e do cruzamento entre as in- formações inseridas numa BD, ordenadas no processo de classificação in- terna, a apresentação dos conteúdos poderá contemplar novas tematizações, por exemplo, incorporando os contextos temporal, geográfico, histórico, cul- tural, econômico, religioso, entre outros. Outra possibilidade surge se pensar- mos em relação ao material contido no arquivo, que permitirá outras classi- ficações externas, para além da já incorporada “Pesquisa”, “Edições Anterio- res” ou “Arquivo de Notícias”, uma vez que a co-relação entre as informações permite criar canais, por exemplo, com fatos históricos ocorridos numa deter-

minada data ao longo de décadas ou séculos7. As retrospectivas são também

outra possibilidade. Ao explorar novas tematizações, surge, em contrapartida, o potencial para originar novos gêneros ou híbridos entre gêneros, assim como remediações em relação aos gêneros jornalísticos tradicionais.

Se o aparecimento dos gêneros em todas as esferas da atividade social está diretamente condicionado a determinadas condições sócio-históricas (Main- gueneau, 2000, p.61), no caso dos gêneros jornalísticos, José Alvarez Marcos (2003, p.239) ressalta que eles são resultado de uma lenta elaboração que se encontra ligada à evolução do jornalismo. De acordo com ele, esse processo de acomodação de gêneros e o surgimento de novas formas vive na internet um momento de ápice, pois a estrutura hipertextual e os elementos audiovi- suais implicam a redefinição dos gêneros jornalísticos clássicos. “La edición en internet requiere readaptar los géneros informativos conocidos e inventar otros nuevos (Marcos, 2003, p.239).

A reportagem, por exemplo, afirma Javier Díaz Noci (2001, p.123), é um gênero que se beneficia com o uso de recursos, como som, imagens fixas e em movimento, gráficos, e animações em três dimensões e, principalmente, pela ausência de limites crono-espaciais. Já a entrevista é modificada, pois, pode

7O portal Terra (www.terra.com.br), por exemplo, disponibiliza tal canal, apresentando-o

com o subtítulo “O que fez esse dia entrar para a história”. O canal destaca um evento para um determinado dia e mostra uma lista para acontecimentos correspondentes à cada ano, o que ainda é tímido diante das diversas possibilidade de combinações e cruzamentos entre notícias. Antes dele, o Estadão (www.estadao.com.br) fez experiência com o material de arquivo num canal exclusivo chamado “Diário do Passado”, entre 2003 e 2004.

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ser usada como formato de perguntas e respostas que podem ser ouvidas e vis- tas; pode resultar em perfis multimídias e mesmo aparecendo como texto em si e, pode, principalmente, ter como protagonistas os usuários atuando como entrevistadores ao participar de chats com personalidades, onde os jornalistas assumem função de intermediários, filtrando as perguntas.

Ramón Salaverría (2005, p.144), por sua vez, afirma, categoricamente, que os gêneros ciberjornalísticos8já existem e têm padrões e formatos edito-

riais bastante consolidados. E quais seriam eles? A crônica de última hora ou

flash(segundo ele, um dos principais valores informativos para os conteúdos

dos meios digitais e que se apresentam como hard news stories, informação nova de importância média ou baixa; e breaking news stories, aquelas estrita- mente de última hora e de elevada importância e grande impacto informativo); a crônica ao vivo (de acontecimentos esportivos, como partidas de futebol, ou transmissões de sessões em câmaras de deputados e assembléias ou outros em que o repórter tenha que narrar os acontecimentos enquanto eles ocorrem), os

blogs e a infografia interativa9. O pesquisador da Universidade de Navarra

(Espanha) também discorre sobre gêneros mais tradicionais (como reporta- gem, entrevista, colunas) que ganham novo cariz no jornalismo digital graças aos recursos de hipertextualidade, multimidialidade e interatividade, entre ou- tros.

A curva do “S”

Barrie Gunter (2003) no seu estudo sobre a evolução dos processos de produ- ção, publicação e entrega de notícias empregando sistemas eletrônicos, coloca as bases de dados como agentes fundamentais. De acordo com a sua análise, a aquisição e o emprego das bases de dados no jornalismo seguiu a clássica ado- ção do modelo da curva do “S”, utilizado dentro da teoria difusionista para

observar o desenvolvimento das inovações tecnológicas10. O autor explica

8Tal denominação está em conformidade com a terminologia defendida pelo investigador

(Ciberperiodismo ou Ciberjornalismo) como a mais apropriada para essa nova forma de jorna- lismo (Salaverría, 2005, p. 21).

9Outros autores (Díaz Noci, 2001; Sancho, 2003; Marcos, 2003) também apontam a info-

grafia como um novo gênero no jornalismo digital.

10Teoria formalizada por Everett Rogers em 1962 no livro Diffusion of Innovations. Roger

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que, nos Estados Unidos, as observações sobre o uso de BDs online indicam que elas tiveram uma rápida incorporação por parte dos jornais e também emissoras de tevê e de rádio, confirmando-as como um padrão crescente, num momento inicial, que, a seguir, experimentou uma diminuição quanto ao seu emprego, para voltar a alcançar novo crescimento num momento seguinte.

Na revisão bibliográfica sobre o emprego de bases de dados no jornalismo é possível confirmar o que diz Gunter e, mais ainda, descobrir que, desde a incorporação desta tecnologia ao trabalho jornalístico, na década de 70, ela é vista como um recurso diferencial e inovador. “Foram elas as responsáveis por trazer as primeiras doses da ’revolução da informação’ para o jornalismo, no final dos anos 70”, como afirma Nora Paul (1999, p. 109), “e fundaram a

Computer-Assisted Reporting– CAR – Reportagem Assistida por Computa-

dor”.

Os primeiros softwares de bases de dados só foram introduzidos no início dos anos 80, quando surge a computação pessoal (uso de mainframes e mini- computadores), que só no início da década de 90 é incorporada de forma mais abrangente pelas empresas informativas e, assim, os jornalistas passam a dis- por de mais ferramentas em suas mãos. Os seus até então limitados terminais (chamados dumb terminals) podem fazer mais agora: escrever histórias, che- car bases de dados públicas (dos governos) e comerciais (de empresas como

Lexis/Nexis e Dialog, Dow Jones News Retrieval11), e também permitem criar

suas próprias BDs, analisar planilhas eletrônicas, e outros programas (Garri- son, 1998, p.20-21).

No organograma das grandes empresas informativas, as BDs também vão funcionar como estrutura para armazenar as notícias, de um lado, assim como convertem-se num serviço a mais que vão oferecer aos usuários externos, dis- ponibilizando para eles acesso a textos memorizados, artigos produzidos pelas suas redações ou por outras fontes.

No final da década de 90, quando as bases de dados alcançaram um alto nível de utilização nas empresas jornalísticas a partir da consolidação da CAR, e, quando a WWW - e a internet – haviam se tornado as bases de dados online

utilizadores que selecionariam uma tecnologia e seriam seguidos pela maioria até que esta tecnologia ou inovação atingisse um uso comum.

11O material disponível através das BDs incluía citações bibliográficas, resumos, artigos e

transcrições, livros e diretórios, documentos governamentais, registros públicos e de consumi- dores, fotos e gráficos (Paul, 1999, p. 110).

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e fontes de informação mais populares nas redações, Bruce Garrison (1998) afirmou: “The database era has arrived” (Garrison, 1998, p. 265). Àquela altura, tanto as BDs como o computador eram considerados ferramentas es- senciais para o trabalho jornalístico, pois fariam todo o diferencial nas repor- tagens e notícias, acrescentando mais qualidade de interpretação e de contex- tualização para os acontecimentos (Smith, 1980; Koch, 1991; Garrison, 1998; Paul, 1999; Herbert, 2000; Reavy, 2001, Gunter, 2003).

Tom Koch (1991), ao avaliar o potencial das bases de dados para o jor- nalismo, afirmou que a melhor maneira de descrevê-lo seria considerar que as BDs de informação online trariam os benefícios da revolução da imprensa do século XVIII para o jornalismo do século XXI justamente pelo impacto e o nível de mudança que trariam. Koch (1991, p.186) também previu que os serviços de informação online afetariam a forma narrativa da escrita da notí- cia, as relações entre escritores e os assuntos que eles escreveriam, bem como atentou para a existência do “electronic reader”.

A evolução tecnológica e a convergência entre informática, telecomunica- ções e meios de comunicação gerou o produto ou sintoma da mudança tecno- lógica mais radical (Pavlik, 2005, p.15) – a internet – que permitiu a emergên- cia de uma nova modalidade de jornalismo na qual as previsões de Tom Koch se vêem confirmadas.

Assim, guiados pelo raciocínio de Gunter (2003), inferimos que o em- prego das bases de dados no jornalismo digital se encontra num novo movi-

mento ascendente da curva do “S′′ devido ao seu potencial para a gestão de

produtos digitais, aliadas ao desenvolvimento de sistemas de publicação com- patíveis. Só que, agora, o uso das BDs é orientado por uma outra lógica para a estruturação e apresentação das informações. Lógica essa que contempla, como elementos definidores da utilização de bases de dados no jornalismo di- gital de terceira geração - segundo a abordagem conceitual apresentada - as noções de resolução semântica, metadados, relato imersivo ou narrativa mul- timídia, e jornalismo participativo.