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Os campos de classificação interna

O conceito de resolução semântica só tem sentido, todavia, se houver uma estrutura organizativa das informações. Se partimos da noção de resolução gráfica para o conceito de resolução semântica, não podemos ignorar que o aumento dos pixels só confere uma maior definição à imagem se a sua dis- tribuição for ordenada. Sob pena de obtermos uma imagem desfocada, ou mesmo baralhada. Com a resolução semântica passa-se o mesmo. Os ele- mentos informativos sucessivos e progressivos que aumentam a resolução da notícia têm necessariamente de seguir uma ordenação. Não basta juntar ele- mentos informativos a esmo para se obter uma notícia mais detalhada, mais rica e mais objectiva. Informações em catadupa, sem qualquer critério, leva- riam apenas a distorções noticiosas graves.

A feitura tradicional de uma notícia segue “determinadas regras bem de- terminadas: título, lead, subtítulos, construção por blocos, e em forma de

pirâmide invertida.”2 A feitura de uma notícia online mediante uma base de

dados, apesar de, em princípio, dever responder também às mesmas célebres perguntas de O Quê, Quem, Quando, Onde, Porquê e Como, pode fazê-lo de um modo diferente. Já vimos aliás atrás que o contínuo da informação online não se adequa ao formato de pirâmide invertida. Substantivamente, as pergun- tas a que uma notícia feita sobre base de dados procura responder não diferem das de uma notícia feita tradicionalmente, num momento discreto do tempo. O que se altera desde logo, isso sim, é o processo. Ora este é determinado à partida pela estrutura da base de dados, isto é, pela definição dos campos de classificação.

Um exemplo simples mostrará como o acréscimo de informação só contri- bui para uma maior resolução semântica se devidamente ordenado. Peguemos numa notícia com o seguinte título: “Indivíduo linchado pela população após sequestro de menina”. A notícia tradicional faria o desenvolvimento da notícia

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e no lead far-se-ia a identificação da população através da indicação de uma localidade, isto é, “a população de X,” identificar-se-ia o indivíduo pelo nome e idade, indicar-se-ia a hora do linchamento, o modo como o indivíduo teria sido apanhado e apontar-se-ia o sequestro de uma menina de tenra idade como pretexto para o linchamento. Uma resolução semântica importante neste caso específico seria precisar a população, ou seja, o quem fez o linchamento. Com certeza, o grupo linchador não era toda a população, não incluía velhos acama- dos e crianças de colo, e muitos habitantes da localidade não participantes do acto sentir-se-iam incomodados e indignados com a sua inclusão na referência genérica “a população da localidade X”. A precisão possível de quem fez o linchamento constituiria um acréscimo da resolução semântica da autoria do linchamento. Desde a referência genérica e tosca de “a população de X” até à identificação exacta, nome a nome, de todos os elementos do grupo haveria muitos passos intermédios para referenciar e determinar melhor a autoria do linchamento. Quanto mais exacta a referência tanto maior seria a resolução semântica.

Pode-se falar aqui de resolução semântica porque o campo da autoria per- maneceria em aberto, até à sua saturação, ou seja, à indicação exacta de todos os elementos. O acréscimo de resolução far-se-ia relativamente à autoria. Não faria sentido dar de uma vez o todo da notícia com a atribuição da autoria do linchamento à população, para no fim se dizer que tal e tal habitante da locali- dade não tinham estado a essa hora no local e que, portanto, não faziam parte do grupo linchador.

Uma progressão na resolução semântica da autoria do linchamento po- deria tomar a seguinte forma: “grupo de cerca de vinte pessoas”, “grupo de vinte pessoas, entre os quais familiares da menina sequestrada”, “familiares e vizinhos de menina sequestrada, num total de vinte pessoas”. O acréscimo de informação seria ordenado pelo campo da autoria. O mesmo poderia ser feito para os outros campos, para a determinação do linchamento, para a iden- tificação etária, social e económica do linchado, para o pretexto aduzido, que obviamente tomaria uma outra densidade semântica se o sequestro tivesse sido uma reincidência, etc.

Só por existirem campos da notícia e estes campos serem passíveis de progressiva precisão é que verdadeiramente se pode falar de resolução semân- tica, já que o acréscimo de informação tem necessariamente de ser distribuído e ordenado pelos diferentes campos. Obviamente isto não é possível numa

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notícia impressa. Neste caso a notícia é mais ou menos exacta, pode ser pos- teriormente complementada ou corrigida, mas não tem cabimento aplicar-lhe o conceito de resolução semântica. Mesmo no jornalismo online há que dis- tinguir o que é feito sobre base de dados e o que não é. Verdadeiramente só faz sentido falar de resolução semântica, que é sempre maior ou menor, e cuja tendência é sempre para aumentar, se o jornalismo for assente em base de dados. No jornalismo online com recurso simplesmente à tecnologia html, as notícias sucedem-se, complementando-se, precisando-se, mas cada notícia constitui uma unidade autónoma que se relaciona com as outras. A haver re- solução semântica só na mente do leitor que vai recebendo um acréscimo de informação e, assim, obtendo progressivamente um quadro mais completo e pormenorizado do que se passou. E neste caso a resolução semântica do on- line não é radicalmente diferente da informação que um rádio-ouvinte ou um telespectador recebe através da rádio ou da televisão. No jornalismo assente em base de dados, porém, a resolução semântica aparece consubstanciada na própria notícia, na sua apresentação online, pois que é apenas uma descrição dos acontecimentos que vai sendo sucessivamente pormenorizada, comple- mentada e corrigida.

Claro que não é de somenos importância determinar a forma como a reso- lução semântica se apresenta, ou seja, de que modo se configura em concreto o resultado (output) da notícia alimentada pela base de dados. Um formato uti- lizado com sucesso no slashdot.org é o enfiamento (threading) das sucessivas notícias atinentes a um mesmo tema ou subtema. Aqui as adições, os repa- ros, os comentários e as críticas são incorporados desse modo num mesmo grupo ou campo. A notícia de topo que serve de cobertura ao enfiamento re- cebe um destaque a negrito e pode assim oferecer um traço mais carregado e determinante na resolução semântica.

A resolução semântica não se resume apenas a elementos escritos, mas incorpora também elementos sonoros e visuais. Som e e vídeo constituem

elementos específicos do jornalismo na web,3e contribuem para uma precisão

da notícia. A notícia pode e deve associar texto, som e imagem ( foto, vídeo e infografia).

3João Canavilhas, “Webjornalismo. Considerações gerais sobre jornalismo na web”, em

António Fidalgo e Paulo Serra, orgs, Jornalismo Online, Covilhã: Universidade da Beira Inte- rior, 2003. pgs 63-74. Também disponível na Biblioteca Online de Ciências da Comunicação: www.bocc.ubi.pt.

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Coloca-se obviamente o problema de como conjugar o acréscimo da re- solução semântica com a legibilidade ou fácil compreensão da notícia. Com efeito, a notícia deve ser, por natureza, curta, clara, directa e concisa.4 A alta

resolução semântica não deve descambar num complexo sistema informativo de difícil apreensão. A solução está numa estruturação da notícia com re- curso a enfiamentos, a destaques e, sobretudo, a camadas (layers) diferentes de resolução semântica. Tal como uma pessoa que trabalha com um compu- tador pode aumentar ou diminuir a resolução gráfica do monitor de modo a privilegiar a visibilidade ou a nitidez dos ícones, caracteres e imagens, assim também a resolução semântica deverá permitir ao leitor aumentar e diminuir o montante da informação imediatamente disponível. Desde uma visão sumá- ria pelos títulos das notícias até à apresentação integral de toda a informação disponível numa notícia podem e devem mediar camadas intermédias. Aliás, a vantagem do jornalismo online assente sobre base de dados reside em boa medida na progressão gradual de um leitor ou destinatário pelas sucessivas camadas semânticas.