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O Banco de Dados como espaço para composição de narrativas

No artigo O Banco de Dados como Formato no Jornalismo Digital (Machado, 2004) defendemos que, nas sociedades contemporâneas, o Base de Dados, en- tre outras funções, opera como suporte para a composição de novos modelos de narrativa. Neste texto, fundamentado no conceito de Base de Dados re- formulado por Manovich (Manovich, 2001), discutiremos como, no caso do campo da comunicação, mais do que uma estrutura lógico-matemática, que possibilita a organização, armazenamento e recuperação de informações indi- vidualizadas, a Base de Dados aparece para os usuários como uma interface tipificada no espaço navegável que permite explorar, compor, recuperar e in- teragir com as narrativas.

Se na cultura dos novos meios nada obriga que o banco de dados seja ado- tado como forma cultural única, do ponto de vista da experiência dos usuários, como sustenta Manovich, uma larga proporção destes objetos funciona como uma espécie de banco de dados porque são identificados como uma coleção estruturada de itens que permite uma variedade de operações: ver, navegar, buscar, intercambiar informações e, compor formas diferenciadas de narrativa (Manovich: 2001. 219).

A profundidade das conseqüências destas operações para estimular o apa- recimento de formas distintas de narrativa, como veremos mais adiante, fica mais evidente quando invertemos a proposição inicial de Monovich de que o espaço navegável pode ser visto legitimamente como um tipo específico de interface para um banco de dados. Neste caso, pode-se com mais razão ainda apreender o banco de dados como uma forma cultural particular, que viabiliza pela primeira vez, que o espaço seja alçado à categoria de suporte, tal como o áudio, o vídeo, a fotografia e o papel (Bolder, 1991).

Na verdade, na cultura dos computadores, a narrativa em vez de uma sim- ples sucessão de ações, fica configurada, cada vez mais, como uma viagem através do espaço constituído pelos conjuntos estruturados de itens organiza- dos na forma de bancos de dados. No mundo interativo das redes telemáticas, a narrativa aparece como um conjunto contínuo de ações narrativas e explora- ções. “Rather than being narrated to, the player herself has to perform actions to move narrative forward – talking to other characters she encounters in the

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world, picking up objects, fighting enemies, and so on. If the player does nothing, the narrative stops. From this perspective, movement through the game world is one of the main narrative actions. . . (Manovich:2001. 247)”.

Neste espaço interativo, em que as ações estão articuladas às intervenções do explorador que incursiona pelo espaço navegável, fica evidente a neces- sidade de rever alguns postulados clássicos da narratologia como o de que a descrição interrompe a narrativa (Bal:130), muito apropriados para os mode- los dos mitos, dos contos, dos romances policiais e do cinema de Hollywood, mas pouco adequados para interpretar as especificidades de formas narrativas descentralizadas das ações dos personagens, como as desenvolvidas no cibe- respaço. “... Stripping away the representation of inner life, psichology, and other modernist nineteenth-century inventions, these are the narratives in the original ancient Greek sense, for, as Michel de Certeau remind us, “in Greek, narration is called ‘diegesis’: it establishes an itinerary (it guides) and it passes through (it ‘transgresses’). . . ( Manovich:2001, 246)”.

O que se depreende da discussão até aqui é que existe uma necessidade de atualizar o conceito de narrativa. Ao descrever fatos e ações a narrativa serve para informar, educar e entreter aos ouvintes, leitores e telespectadores. Nos manuais de literatura, a narrativa aparece definida como 1) exposição de- talhada de uma seqüência de fatos e 2) representação artística de um evento ou história. Em qualquer destes conceitos, formulados para definir a narra- tiva em outros meios como a voz, o livro, o jornal, o rádio, o cinema ou a televisão, produtos elaborados para interagir com ouvintes, leitores ou teles- pectadores, fica patente a dificuldade de incorporar as ações performadas pelo que Manovich classifica como atores essenciais na narrativa no ciberespaço: os tele-atores.

Em contraste com a narrativa moderna, em que ouvinte, leitor ou telespec- tador acompanha a narração (ouvindo, lendo, vendo) sem interferir na lógica interna das ações, motivada pela psicologia dos personagens – seja ficcional ou jornalística - o fluxo da narrativa no ciberespaço mais que incorporar de- pende da intervenção do tele-ator. Na narrativa moderna, ouvir, ler e ver são ações desconectadas do fluxo da narrativa. Quando acessa um espaço navegá- vel de uma publicação jornalística no ciberespaço, por exemplo, um tele-ator, ao eleger como território de exploração um dos muitos módulos disponíveis e optar por uma, entre as várias linearidades propostas, desenvolve uma ação

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que interfere no curso da narrativa, que deixa de ser único como na narrativa jornalística convencional.

O caráter interativo da narrativa no ciberespaço transforma os desloca- mentos pelo espaço navegável como um instrumento central da observação, exploração, narração e, em última instância, da composição da narrativa pro- priamente dita. Como permanece atrelada às formas narrativas dos meios convencionais, a narrativa jornalística no ciberespaço pouco emprega o es- paço navegável formatado sobre bancos de dados como interface padrão. A progressiva utilização dos bancos de dados como formato pelas organizações jornalísticas e do espaço navegável como suporte para narrativas interativas passa pelo reconhecimento de que, embora se tratando de formas existentes antes dos computadores, tanto bancos de dados quanto o espaço navegável, ao assumirem funções distintas das desempenhadas até aqui, têm possibilitado que a narrativa no ciberespaço seja compreendida como um ambiente para criativas ações interativas.

Neste ambiente, a qualidade da narrativa interativa depende da contínua inserção do tele-ator em duas instâncias diferenciadas: 1) uma como ativador do fluxo que institui o espaço navegável e 2) ator que interfere no desenvolvi- mento da narrativa propriamente dita e nas relações com os demais atores. Um conjunto variado de ações performadas em cada uma destas instâncias exige a definição da natureza deste espaço e a criação de normas para orientar as ações destes personagens. Em primeiro lugar, no caso das narrativas interati- vas, mais que geração de uma narrativa, interação significa modificação de um material previamente existente. Em segundo lugar, em vez de levar ao desapa- recimento do autor, a narrativa interativa torna a função do autor mais difícil do antes da interação digital devido à necessidade de reagir às modificações decorrentes da ações dos tele-atores e das reações dos personagens.

A interação, como qualquer outra forma de comunicação, requer determi- nados princípios para guiar as ações dos atores envolvidos na narrativa intera- tiva. Meadows (2003:39) identifica três pares opostos como princípios básicos na interação: 1) Ingresso/Saída, 2) Dentro/Fora e 3) Aberto/Fechado. O pri- meiro destes princípios preceitua que todo ingresso ou saída de informação no sistema deve gerar mais informação. É a habilidade do ciclo de interação para acrescentar informação ao sistema, pontua Meadows, que define a quali- dade desta interação (Meadows:2003, 39). O segundo princípio, Dentro/Fora, estabelece que deve existir um diálogo entre os mundos interno e externo. A

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interação dentro da cabeça articula o mundo da imaginação do tele-ator en- quanto que a interação de fora da cabeça está baseada no que o tele-ator per- cebe no nível empírico ou experencial. O terceiro princípio, Aberto/Fechado, postula que um sistema quanto mais usado funciona melhor. Sistemas abertos são mais complicados, menos previsíveis e mais interessantes do que siste- mas fechados. Além destes três princípios da interação, Meadows (2003:44) identifica quatro passos porque passa o processo interativo: 1) Observação; 2) Exploração; 3) Modificação e 4) Mudança Recíproca.

Os princípios são, para Meadows, guias para o desenvolvimento da intera- ção enquanto que os passos são meios para avaliar o resultado deste desenvol- vimento. No primeiro passo, o usuário avalia a narrativa como espaço nave- gável; no segundo desenvolve alguma ação; no terceiro muda o sistema e, no quarto, o sistema tenta mudar o usuário. Tomando estes princípios e passos como orientadores da interação, Meadows define narrativa interativa como: “... An interactive narrative is a time-based representation of character and ac- tion in which a reader can affect, choose, or change the plot. The first, second or third person characters may actually be the reader. Opinion and perspective are inherent. Image is not necessary, but likely. . . (Meadows:2003:62).

Um aspecto curioso nesta definição consiste em que Meadows mantém a narrativa interativa como uma representação de ações articuladas em torno do eixo tempo, contrapondo-se ao postulado de Manovich de que, na cultura dos computadores, a narrativa se desenvolve no espaço. Mais curioso ainda quando os quatro passos identificados por Meadows como constitutivos do processo interativo são intimamente relacionados ao espaço-mundo da narra- tiva concebido como um espaço navegável.

A função da arquitetura da informação na criação de