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A universalidade do noticiável e a completude da base de dados

Uma das características da informação jornalística é, segundo Otto Groth, a universalidade. Um jornal deve ter como matéria ou conteúdo a “totalidade

dos espaços da natureza, da sociedade e da cultura”.6 A universalidade do

jornal significa que deve abarcar o mundo das coisas e dos fenómenos físicos, o mundo das acções e reacções dos homens, das suas opiniões, crenças e estados de espírito, e até o mundo das aparências, dos sonhos e das fantasias.

7 É assim que “a relação ideal é a da igualdade quantitativa de objectos, de

6António Fidalgo, “O Modelo Jornalístico de Otto Groth”, Biblioteca Online de Ciências

da Comunicação: www.bocc.ubi.pt.

7“A característica da universalidade significa que tudo à face da terra, que tudo o que, de al-

gum modo, diga respeito ao homem, que tudo o que se passa no universo, é idealmente objecto da informação ou mediação jornalística, na medida em que enquanto objecto dos mundos ob- jectivos pode ser descoberto, apreendido, tratado e transmitido pelo jornal. Nada do que existe,

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um e outro conjunto, ou seja da realidade e do jornal, ou seja uma relação de ‘completude’.”8

Tudo o que existe ou possa existir, na justa medida em que interesse ou possa vir a interessar ao homem, é matéria do jornal. Daí que os campos da base de dados sobre os quais assenta um jornal devam ser tantos e tão diversos como tanta e diversa é a realidade. As propriedades e as características das coisas dão origem a campos correspondentes na base de dados, mas a deter- minação completa de um objecto, seja ele uma coisa, um estado de coisas, um acontecimento, uma opinião, uma ilusão, é uma tarefa infindável. Essa

determinação completa tem de ser encarada como um ideal regulador.9

A ideia e a tecnologia da base de dados constitui seguramente a melhor forma para concretizar a universalidade enquanto propriedade do jornal e in- tentar a universalidade enquanto ideal regulador da cobertura jornalística. De facto, a determinação completa de um objecto é infinita, e vale apenas como ideia reguladora, mas o número dos campos de uma base de dados tem a par- ticularidade de, idealmente, ser potencialmente infinito. Podemos construir uma base de dados com um determinado número de campos, mas existe a possibilidade de a toda a hora acrescentar sempre mais um campo, e assim sucessivamente, ao infinito. É neste sentido que se deve entender e se justifica o título desta comunicação, “Do poliedro à esfera: os campos de classifica- ção”. A esfera aparece como a meta assimptótica de um poliedro de campos de classificação a que tendencialmente se vão juntando sempre mais campos. Chegados aqui, convém retomar o conceito de resolução semântica, tanto pelo lado interno como externo. A universalidade do jornalismo realiza-se em duas vertentes: uma de precisão e outra de contextualização. A tecnolo- gia da base de dados potencia essa realização de um modo extraordinário e

nada do que é humano, cai fora da esfera material do jornal. Tudo o que suscita a curiosidade, o interesse do homem, tudo o que pode levá-lo a uma tomada de posição, está incluído eo ipso num possível conteúdo do jornal.” Otto Groth, Vermittelte Mitteilung. Ein journalistisches Modell der Massenkommunikation, Munique: Verlag Reinhard Fischer, 1998, p. 30.

8ibidem, p. 31.

9Sobre o conceito de determinação completa ver Kant, Crítica da Razão Pura, A572 e

seguintes. “Todo o existente está integralmente determinado significa que, não só de cada par de predicados opostos dados, mas também de todos os predicados possíveis, há sempre um que lhe convém. (...) Tal proposição equivale a dizer que, para conhecer inteiramente uma coisa, é preciso todo o possível e desse modo determiná-la, quer afirmativa, quer negativamente.” Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, p. 487-488.

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torna obsoletas as formas tradicionais de aprofundamento, acompanhamento e perspectivação das notícias. Com efeito, aquilo que designei por campos de classificação interna e campos de classificação externa, representa a forma de fazer essa precisão e contextualização já não de uma forma artesanal, mas de uma forma sistemática, tecnologicamente avançada, e mesmo científica, na medida em que é perfeitamente quantificada e controlada.

No que concerne à precisão ela é agora entendida como uma resolução semântica interna integralmente estruturada. Os novos elementos informati- vos que surgem no fluxo de informação já não são mais acrescentados pura e simplesmente ao que já era conhecido, mas são integrados de um modo estruturado e sistemático. A multiplicidade e a diversidade dos elementos no- ticiosos obedecem necessariamente à estrutura da base de dados, que não pode e não deve ser vista como uma estrutura prévia, dada de antemão, e, portanto, como um espartilho, mas antes como um método para organizar e sistemati- zar esses elementos. A base de dados em que assentam os jornais online será obrigatoriamente uma base de dados moldável e sempre incompleta. Ou seja, ela é “apenas” um instrumento.

No que à contextualização das notícias diz respeito, os campos de classi- ficação externa vêm não só fixar com exactidão as classificações tradicionais das notícias, nomeadamente as feitas por tempo e espaço, ou seja, por data e geografia, e também por temas e intervenientes, mas também acrescentar e organizar novas classificações, algumas impossíveis sem a tecnologia da base de dados, como sejam as que resultam de cruzamentos informáticos.

A informática revolucionou o jornalismo tal como revolucionou outros sectores da actividade humana ao introduzir ferramentas de produtividade (processadores de texto, folhas de cálculo e bases de dados) e ferramentas de comunicação (email, web e instant messaging). É algo que ocorre inevi- tavelmente. O que importa agora, de um ponto de vista teórico, é construir os novos conceitos que tais modificações exigem. O conceito de resolução semântica visa justamente apreender o tremendo contributo que as bases de dados trazem ao jornalismo.