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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1 A natureza da pesquisa

Na pesquisa científica, a escolha metodológica é de fundamental importância, visto que propicia as condições necessárias à construção e aplicação do conhecimento pretendido. A abordagem metodológica desta pesquisa, portanto, é de natureza qualitativa, pois o foco do nosso estudo está no processo, naquilo que está ocorrendo, e não apenas no produto ou resultados finais. As perguntas que movem esta pesquisa são: o que caracteriza este fenômeno? O que está acontecendo neste momento? Como tem evoluído? Outra característica da pesquisa qualitativa é a maneira como coletamos, registramos e trabalhamos os dados coletados.

Para compreender melhor a necessidade de adotar a abordagem de natureza qualitativa, busquei observar as razões do surgimento desse novo paradigma que, segundo Fritzen, “decorre da incapacidade de utilização do método da generalização e da formalização, consolidado nas ciências exatas e naturais, no estudo das ciências humanas e seu objeto – o homem” (FRITZEN, 2012, p. 35). Como a abordagem qualitativa é voltada para o social, ela visa entender os sentidos atribuídos pelos sujeitos às suas ações dentro de um contexto, que é exatamente a pretensão desse estudo, voltado para a comunidade escolar e seus valores, hábitos, crenças, práticas e comportamentos, que serão observados e fornecerão dados para que possamos interpretar os resultados obtidos, considerando as percepções do pesquisado, o aluno. É o que assevera Fino (2008):

Que outra maneira, que não a de sondar diretamente a complexa realidade social que constitui uma turma, por exemplo, será mais adequada para compreender esses pontos de vista dos seus nativos – alunos e professores – e poder descrever e interpretar as suas práticas [...] (FINO, 2008, p. 4).

André chama a atenção para a forma ampla e genérica do termo “pesquisa qualitativa”, que, para alguns estudiosos, se enquadra em diferentes tipos. Num sentido bem popularizado, a pesquisa qualitativa é identificada como aquela que não envolve números, ou seja, qualitativo é o oposto de quantitativo. A autora afirma também que “essa oposição qualitativo-quantitativo parece estar superada, visto que o número pode ajudar a explicitar a dimensão qualitativa” (ANDRÉ, 1995, p.24). Portanto, ela sugere o uso de denominações mais precisas para determinar os diferentes tipos de pesquisa qualitativa, como: pesquisa etnográfica, do estudo de caso, da pesquisa participante e da pesquisa-ação etc.

Eu reservaria os termos quantitativo e qualitativo para diferenciar técnicas de coleta, ou melhor, para designar o tipo de dado obtido, e utilizaria denominações mais precisas para determinar o tipo de pesquisa realizada: histórica, descritiva, participante, etnográfica, fenomenológica etc. (ANDRÉ, 1995, p. 25).

Dentre os vários tipos de pesquisa qualitativa, alguns já mencionados aqui, optei pela pesquisa do tipo etnográfico, por ser uma das suas principais características a preocupação que um estudioso da etnografia tem com os sentidos construídos entre as pessoas ou o grupo de pessoas pertencentes a uma determinada comunidade. Pensando em meu contexto de sala de aula, no qual percebi, em meus alunos pertencentes à zona rural, indiferença, insatisfação ou negação com eles próprios e com sua cultura, refleti que é justamente essa aproximação com o educando/pesquisado, suas experiências e o mundo que o cerca, que o professor/pesquisador deve tentar apreender e descrever a partir da visão pessoal desses participantes, na tentativa de descobrir novas opiniões, avaliações e definições, novas formas de entender a realidade.

De fato, há inúmeras particularidades da pesquisa de natureza etnográfica que nos conduzem ao entendimento de que sua escolha é a mais adequada quando se pretende fazer pesquisa das práticas escolares. André (1995, p. 28) corrobora essa relevância desde as técnicas associadas à etnografia, como “a observação participante7, a entrevista intensiva8 e a análise de

documentos9”, até alguns conceitos para o uso dessas técnicas: o princípio da interação constante entre pesquisador e o sujeito pesquisado; a ênfase no processo, naquilo que está ocorrendo e não no produto ou nos resultados finais; a preocupação com o significado; o trabalho de campo; a descrição e a indução; e, finalmente, a busca por formulação de hipóteses, conceitos e teorias.

É importante ressaltar, então, que a abordagem etnográfica oferece relatos do sociocultural dos alunos e das suas práticas de letramento dentro do seu próprio contexto, exigindo que sejam feitos registros como: registros de campo, entrevistas, análises de documentos, fotografias e gravações que servirão de suporte para que o professor/pesquisador possa entender, analisar, compreender melhor esse contexto, de acordo com André (1995, p. 38), “deixando que o leitor decida se as interpretações podem ou não ser generalizáveis, com base em sua sustentação teórica e sua plausibilidade”.

Dentre os listados acima, um dos procedimentos mais relevantes para este trabalho é a entrevista, por ser a melhor alternativa para alcançar o principal objetivo desta pesquisa: reaver a memória da comunidade. Para tal propósito, era preciso entrevistar as pessoas. Então, percebi que, na verdade, estava utilizando a etnografia combinada com a abordagem das Histórias de

7O termo é usado por André (1995, p.38) e, de acordo com a referida autora, parte do princípio de que o pesquisador

tem sempre um grau de interação com a situação estudada, afetando-a ou sendo por ela afetado.

8A entrevista intensiva tem a finalidade de aprofundar as questões e esclarecer os problemas observados (ANDRÉ,

1995).

9Esses documentos são usados no sentido de contextualizar o fenômeno, explicitar suas vinculações mais

vida. Os alunos foram pesquisadores das histórias de vida da comunidade e ressignificaram-nas para eles.

O que me conduziu a tais abordagens foi a escolha de trabalhar o ensino de leitura e escrita a partir das práticas sociais situadas com sentido no contexto. Entretanto, a troca com os estudantes daquela comunidade rural me levou à compreensão de que eles rejeitam o próprio contexto, que é a cultura do povoado onde residem. A afirmação de que não apreciavam as festas juninas me causou estranheza, por observar justamente o contrário; percebia que eles, na verdade, amavam aquelas comemorações. Ainda que a festa tenha sofrido ressignificações com relação aos estilos de músicas, de roupas, dentre outras características, continuava sendo uma marca muito forte da comunidade. Então, como eu poderia oferecer uma pedagogia ideológica de letramento, se os sujeitos/alunos não conheciam a história do povoado e não aceitavam a cultura local?

Dessa forma, compreendi, como professora/pesquisadora, que se fazia necessário um contato com as histórias de vida da comunidade, um movimento de aproximação crescente, gradual, etnográfico (combinado com a abordagem das Histórias de vida), para tentar ouvi-los, enxergá-los e entendê-los.

Diante do exposto até aqui, fica claro que a escola deve levar em consideração que os costumes do ambiente do aluno influenciam em sua conduta e compreensão dos acontecimentos do mundo, e que a etnografia, enquanto método, é um modo de entender a cultura local, o que pode ajudar na insatisfatória realidade da educação no Brasil hoje. Pretendo, assim, não apenas descrever, mas também interpretar o meu contexto mediante a imersão na cultura local, entendendo minha turma, estudantes de uma comunidade rural, com sua identidade cultural, autônoma e diferenciada. Como confirma André (1995):

[...] Os sujeitos quando entram na escola não deixam do lado de fora aquele conjunto de fatores individuais e sociais que os distinguem como indivíduos dotados de vontade, sujeitos em um determinado tempo e lugar. Identificar essas características situadas e datadas é condição fundamental para se aproximar da “verdade” pedagógica (ANDRÉ, 1995, p. 77).

Finalmente, baseando-me no propósito deste estudo, que busca encontrar alternativas para o redimensionamento do saber e do fazer docentes (repensar), de forma a aprimorar cada vez mais teoria e prática pedagógicas, considero o uso da abordagem metodológica etnográfica, associada à abordagem das Histórias de vida, a mais apropriada, por estudar os sujeitos (alunos) em seu ambiente natural (zona rural), construindo assim uma importante ferramenta para a compreensão e interpretação crítica de minhas experiências.