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Narrativas digitais: conceito, estrutura e contribuição na construção do conhecimento

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.3 Por um modelo de letramento

2.3.3 Novos Letramentos: múltiplos, multissemióticos, críticos e protagonistas

2.3.3.2 Narrativas digitais: conceito, estrutura e contribuição na construção do conhecimento

As considerações deste subitem do trabalho tiveram como base de desenvolvimento as orientações dos estudos de Almeida/Valente (2012); Albuquerque (2012); e Carvalho (2008). As contribuições dos referidos teóricos me possibilitaram conceituar e tratar dos elementos que compõem as narrativas digitais, além de apresentar algumas aprendizagens advindas da proposta pedagógica de ensino com essas narrativas.

Ao pensar no percurso histórico das narrativas na sociedade, deparo-me com a evolução desse gênero, que principiou com o ato de contar histórias oralmente e, com o advento da escrita, passou a ser através de registros. Hoje, com o surgimento do computador, e, por conseguinte, das multimídias, as narrativas contam com diversos suportes e mesclam som e imagens fixas ou animadas na sua composição.

Segundo Carvalho (2008), contar histórias no século XX pressupõe dispor de um recurso indispensável: a imagem. Logo, a palavra oral e a palavra escrita, apesar da relativa importância que exercem para a comunicação, não são mais protagonistas exclusivas na sua construção. A autora reitera tal assertiva ressaltando a influência dos recursos audiovisuais que agiram de forma a transformar alguns gêneros, como o jornal, um texto literário ou uma história, que antes eram exclusivamente impressos, mas são dificilmente dissociados de outras linguagens audiovisuais na contemporaneidade.

Entretanto, essa realidade ainda se encontra distante das salas de aula, que acabam por desconsiderar práticas que envolvam o uso da tecnologia. O que ocorre muitas vezes é justamente o oposto, pois o uso de recursos tecnológicos, como celulares do tipo smartphones, acaba sendo proibido nas aulas. Os alunos não produzem e, quando o fazem, a atividade é vista por eles como entediante e desmotivadora, porque nada tem a ver com a realidade e com os interesses de jovens que nasceram em uma era digital, e, portanto, estão imersos em um mundo tecnológico de informação rápida e atrativa.

Atualmente, as facilidades de acesso e a diversidade de produtos tecnológicos trouxeram outras possibilidades para o ensino de Língua Portuguesa, em especial para a atividade de produção textual, como as narrativas digitais, uma prática que não apresenta dificuldade para os professores e é condizente com a realidade do aluno.

Associado às contribuições advindas do trabalho com as narrativas digitais como proposta pedagógica, Carvalho (2008, p. 87) acrescenta que “a tecnologia digital pode ser aproveitada de forma criativa e inovadora para dar vida às classes de comunicação e expressão,

geografia, história, estudos sociais”. Além dessas observações, também é importante acentuar outras relevâncias características do gênero: a ruptura da hierarquia, na qual o professor deixa de ser detentor do conhecimento e o aluno, um mero receptor passivo (um ser que não sabe, apenas obedece); e o incentivo na contestação da hegemonia do saber escolar, por considerar outras formas de comunicação não valorizadas pela instituição.

Braga (2007, p. 181) afirma que “o comprometimento com a educação crítica e com a construção de uma sociedade mais igualitária demanda ações em duas direções: acesso ao conhecimento e reflexão social crítica”. Esses objetivos podem ser alcançados com a criação de histórias individuais ou coletivas, por proporcionar o movimento de interação com o outro, o conhecimento das características culturais e sociais da própria realidade, assim como do autoconhecimento. Portanto, através das narrativas digitais, os alunos conseguiriam divulgar suas vozes, assumindo a postura de sujeitos críticos e protagonistas das próprias histórias, decidindo o que querem contar, à medida que realizam suas escolhas, expõem o seu ponto de vista e desenvolvem uma relação lógica de texto, som e imagem.

Os autores Almeida e Valente (2012) esclarecem que a intenção de trabalhar com narrativas digitais é justamente a de aproveitar o potencial das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) no desenvolvimento de atividades pedagógicas para construir novos conhecimentos. O que é afirmado pelos autores:

Com a produção destas narrativas, conceitos são explicitados, e a narrativa passa a ser “uma janela na mente” do aluno, de modo que o professor possa entender e identificar

os conhecimentos do senso comum e, com isso, possa intervir, auxiliando o aprendiz

na análise e depuração de aspectos que ainda são deficitários, ajudando-o a atingir

um novo patamar de compreensão do conhecimento científico (ALMEIDA;

VALENTE, 2012, p. 58, grifos do autor).

Portanto, pelo menos três contribuições podem ser consideradas no processo de ensino e aprendizagem desse novo gênero: o conhecimento da produção em si, o uso das tecnologias na sua elaboração e a análise do conteúdo da narrativa, criando condições para que o aprendiz possa construir novos saberes. Assim, o aluno terá a possibilidade de produzir a narrativa e de ter o domínio da tecnologia para a sua construção, além de adquirir e refletir sobre os conteúdos utilizados, sobre si e sobre o mundo.

Também conceituado por Carvalho (2008) na perspectiva educacional, o gênero digital foi considerado pela autora como uma forma mais ampla e contemporânea das narrativas, que sempre fizeram parte da história da sociedade:

A construção e produção de narrativas digitais se constituem num processo de produção textual que assume o caráter contemporâneo dos recursos audiovisuais e tecnológicos capazes de modernizar “o contar histórias”, tornando-se uma ferramenta pedagógica eficiente e motivadora ao aluno, ao mesmo tempo em que agrega à prática docente o viés da inserção da realidade tão cobrada em práticas educativas (CARVALHO, 2008, p. 88).

Conforme pode ser observado nessa consideração, as narrativas digitais são um novo gênero textual. Elas contemplam o mundo contemporâneo por conterem novas linguagens e fazerem uso da tecnologia, tornando-se, portanto, um meio importante para alcançar os alunos e trabalhar a produção escrita.

Para auxiliar os alunos na elaboração de narrativas mais expressivas, atraentes e significativas, Lambert (2010 apud ALBUQUERQUE, 2012, p. 38) elaborou uma abordagem de criação de narrativas digitais que apresenta sete passos: 1) Apropriando-se de suas ideias – consiste em amadurecer as ideias que constituirão as narrativas; 2) Apropriando-se de suas emoções – consiste na escolha das emoções que serão incluídas nas narrativas ; 3) Encontrando o momento – criar uma lição para ser expressada com a narrativa; 4) Vendo sua história – consiste na escolha das imagens; 5) Ouvindo sua história – consiste na escolha do som coerente com a narrativa; 6) Montando sua história – consiste na união dos elementos para a composição da história; 7) Compartilhando sua história – é a escolha do momento de apresentar a narrativa. O roteiro descrito acima traz orientações que norteiam o produtor, o aluno, no momento de imaginar e criar sua narrativa digital. E, dessa forma, passa a ser um instrumento potencializador nas práticas pedagógicas dos professores, contribuindo para o desenvolvimento dos conhecimentos do gênero e do seu suporte, considerando as práticas letradas dos alunos, mas, acima de tudo, ampliando a visão crítica ao escrever sobre si, sobre o seu ambiente e seus valores.

3 METODOLOGIA

Neste capítulo, apresento os procedimentos metodológicos adotados para o desenvolvimento desta pesquisa. Eles se encontram organizados da seguinte maneira: 3.1 A natureza da pesquisa; 3.2 O contexto da pesquisa; 3.3 Os participantes: os alunos e o professor/pesquisador; 3.4 Os procedimentos geradores de registros; 3.5 As sequências didáticas: fase de exploração e fase de aplicação; 3.5.1 A sequência didática de exploração: descrição e reflexões; 3.5.2 Sequência didática de aplicação: reconstruindo nossas memórias.

Como ponto de partida, retomo as questões de pesquisa levantadas através das informações resultantes da interação com os sujeitos/alunos da pesquisa: 1) Sendo a língua um lócus privilegiado para as operações de construção, manutenção e segregação da memória social, de que maneira o trabalho de leitura e escrita em uma perspectiva multimodal e multicultural poderia contribuir para o resgate da memória e da história dos alunos de uma escola de Ensino Fundamental no povoado Baixa da Onça, no contexto das festas juninas?; 2) Como a tecnologia pode colaborar nesse processo de desenvolvimento da habilidade da produção textual escrita?

Para esta etapa introdutória, considero relevante também reaver os objetivos propostos para este trabalho: a) Objetivo geral: desenvolver uma proposta didática que promova um resgate da memória e da história do povoado Baixa da Onça, no contexto das festas juninas, à luz dos Novos Letramentos e de abordagens críticas do letramento; b) Objetivos específicos: 1) Desenvolver habilidades linguísticas e discursivas para práticas de entrevistas, a fim de que os alunos do 9º ano possam conhecer as histórias locais; 2) Trabalhar as narrativas orais coletadas dos membros do povoado Baixa da Onça como fonte de resgate das memórias, que serão ressignificadas nas produções textuais dos alunos; 3) Trabalhar habilidades de produção escrita articuladas com as linguagens audiovisuais como recursos expressivos para a criação de hipermídias das narrativas digitais; 4) Perceber, tanto no processo de desenvolvimento da proposta didática como no seu produto final, se as reações dos alunos às atividades desenvolvidas nas aulas provocam mudanças das entoações avaliativas depreciativas que eles primeiramente manifestaram em relação à realidade local rural; 5) Acompanhar como os alunos respondem às demandas da proposta que envolvam o uso da tecnologia.