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2 DELIMITANDO O MARCO TEÓRICO: TEORIA DO FATO JURÍDICO,

3.5 A natureza jurisdicional (ou administrativa) da execução

A função executiva, nas palavras de Guiseppe Chiovenda, também é jurisdição, visto que a execução é o escopo final do processo. Tal afirmação vem em contraponto àquilo que a doutrina italiana, em determinado período, tinha como opinião dominante, no sentido de que a execução constituía mero exercício de império, atividade administrativa 435, onde se considerava que a jurisdição se restringia à cognição e se exauria com a sentença. Nesse contexto, o autor afirma que não existe execução apenas quando, no curso do procedimento executivo, surgem contestações que passíveis de resolução, porém, importa em jurisdição a própria aplicação das medidas executórias. Deve-se ter a jurisdição, pois, como um complexo de atos de império reagrupados por determinado escopo que os caracteriza, e emanados em virtude dos poderes postos a serviço desse escopo e da jurisdição. Assevera ainda que é tradicional na Alemanha, a doutrina de que a execução implica jurisdição436.

Sobre o ponto acerca do processo de execução como administração, é importante que se traga a lição de Francesco Carnelutti, quando afirma que administrar é desenvolver uma atividade sobre determinada coisa, dirigida a fazê-la servir em proveito de alguém. Por ser um conceito técnico, não há incompatibilidade alguma entre este e as ideias de processo e de

434 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Tendências na execução de sentença e ordens judiciais. Temas de direito

processual: quarta série. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 215 e ss.

435 Cândido Rangel Dinamarco afirma que antigamente na França, vigorava o princípio da autonomia dos

oficiais de justiça, funcionários do rei, e não do juiz, que promoviam verdadeira execução administrativa. Hoje, todavia, a execução continua a ser efetivada diretamente por um oficial, embora subordinado à autoridade do juiz. Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 87. No Brasil, conforme a lição de Leonardo Greco, o juiz exerce poder de administração quando “intervém na vida patrimonial do devedor, tornando-se responsável pela conservação dos seus bens e pela prática de uma série de negócios jurídicos em lugar do próprio devedor, a fim de atingir a finalidade precípua da execução que é a satisfação do credor, com o mínimo de prejuízo para o devedor”. Cf. GRECO, Leonardo. A execução e a efetividade do processo. Revista de processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 94, 1999. p. 34-66. Alcides de Mendonça Lima, ao tratar das inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 1973, em relação ao de 1939, afirmou que, embora ao magistrado tivessem sido outorgados mais poderes para gerir o processo, o caráter jurisdicional deste foi plenamente mantido, sem que exista a possibilidade de se vislumbrar uma feição administrativa, como alguns autores pretendiam dar à execução. Cf. LIMA, Alcides de Mendonça. Principais inovações no processo executivo brasileiro. Revista de processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 9, 1978. p. 37-56.

direito processual. Na realidade, afirma que no processo também há administração, pois nem o processo, nem nenhum outro mecanismo do direito podem ser subtraídas às leis da economia. Ou seja, tal atividade é regida pelas leis da economia, das quais não podem escapar. Porém, afirma que é um equívoco a persistente inclinação em contemplar como administrativa a atividade que se desenvolve na execução civil, e, mais ainda no processo penal. Defende que o equívoco se estabelece, exatamente, entre a administração em sentido técnico e a administração em sentido jurídico, pois, é certo que na execução civil, como também na penal, administra-se, mas, a característica jurídica deriva em tais casos não de seu conteúdo, mas da finalidade. Como critérios para a diferença entre administração material e administração jurídica, entre outros, aponta a própria separação entre os atos materiais e jurídicos, ou seja, a diferença que se apresenta, por exemplo, entre alimentar e depositar um animal ou alugá-lo, ou entre cultivar por si próprio o imóvel ou fazer cultivar por meio de contratos de parceria ou de trabalho. Aponta o depósito, a entrega, o transporte e a exposição da coisa, como atos de administração material. Por outro lado, dentre os atos de administração jurídica, destaca a venda dos bens penhorados437. Citando as lições de Francesco Carnelutti, Leonardo Greco assevera que o exercício do poder de administração não significa que a execução corresponda à função administrativa do Estado, pois esta é dilatada pelo interesse público, enquanto aquela visa a cuidar dos interesses particulares dos litigantes, o que constitui finalidade característica da função jurisdicional438.

Enrico Allorio negava que a execução possuía caráter jurisdicional. Para ele, a execução era uma atividade administrativa realizada pelo Poder Judiciário e passível de enquadramento no campo da jurisdição voluntária. O pensamento do autor era no sentido de que a jurisdição encerrava-se na declaração do direito e na consequente formação da coisa julgada, de modo que qualquer atividade posterior destinada a tornar concreta a decisão judicial seria realizada depois de já prestada a tutela jurisdicional439.

Refutando a ideia, Heitor Sica afirma que tal concepção mostrava-se incompatível com a ideia, já disseminada na primeira metade do século XX e no século XXI, de que a solução de conflitos exigiria algo mais que o simples reconhecimento do direito pela sentença

437 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. São Paulo: Classic Book, 2000. p. 58

438 GRECO, Leonardo. A execução e a efetividade do processo. Revista de processo. São Paulo: Revista dos

Tribunais, vol. 94, 1999. p. 34-66.

439 ALLORIO, Enrico. Problemas de derecho procesal Tradução de Santiago Sentir Melendo. Buenos Aires:

EJEA, 1963. Tomo II. p.3-46 apud SICA, Heitor Vitor Mendonça. Cognição do juiz na execução civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 161.

coberta pela coisa julgada. O autor cita, em sede de doutrina brasileira, a opinião de Celso Neves, para quem a execução não encerraria exercício de jurisdição, pois tratava-se de

jurissatisfação. Ainda conforme Heitor Sica, não parece que Celso Neves tenha chegado a

efetivamente reconhecer a natureza administrativa da execução, pois sua posição, assim como a de Enrico Allorio, tinha como premissa que o conceito de jurisdição estava umbilicalmente ligado à dicção do direito no caso concreto e à formação de coisa julgada, fenômeno que seria inexistente no processo de execução. Portanto, afirma que resta pacificada a doutrina e a jurisprudência acerca da natureza jurisdicional da execução judicial, ao menos à luz das escolhas efetuadas pelo legislador brasileiro até o momento440.

Dalton Sausen também afirma que, atualmente, encontra-se superado, a despeito de embates doutrinários que envolveram o tema, o entendimento de que não há jurisdição ou atividade jurisdicional na execução, ou seja, de que neste, ao contrário da fase de conhecimento, somente haveria atividade administrativa. É inegável, segundo afirma, a natureza do interesse público na execução441-442.

Leonardo Greco, tratando sobre o papel do juiz no processo de execução, demonstra que enquanto Espanha, Portugal e os países ibero-americanos, mantendo a tradição romano- germânica, atribuem ao magistrado a função de conduzir todos os atos executórios pessoalmente, os demais países europeus afastam-se desse sistema e instituem um processo de execução conduzido diretamente por um auxiliar do juízo, investido pelo exequente como um verdadeiro mandatário, com poderes amplos de escolher os bens a penhorar e alienar, no sentido de efetuar o pagamento ao credor. Nesses países, o juiz somente intervém quando há a necessidade de rever algum ato do auxiliar judiciário, por provocação de uma das partes ou de terceiro, ou até mesmo mediante consulta do próprio oficial. Na Itália, Alemanha e França, a execução se inicia com atos do oficial de justiça, provocados pelo exequente, intervindo o juiz depois de consumada a agressão ao patrimônio do executado ou se ocorrer algum incidente. O juiz, somente atua diretamente nas obrigações de fazer. Já no direito norte-americano, apesar de a execução iniciar-se por ordem do juiz, os atos executórios são praticados por um

440 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Cognição do juiz na execução civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

p. 161.

441 SAUSEN, Dalton. Da alienação por iniciativa particular. Revista de processo. São Paulo: Revista dos

Tribunais, vol. 158, 2008. p. 107-134.

442 É importante levar em conta, ao tratar sobre a execução por esse prisma, que há na doutrina quem indique que

o legislador do Código de Processo Civil de 2015 poderia ter aproveitado o momento “para extrajudicializar alguns atos executivos, ou, pelo menos, descentralizá-los da figura do juiz”. Cf. GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A revolução silenciosa da execução por quantia. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e- analise/artigos/a-revolucao-silenciosa-da-execucao-por-quantia-24082015>. Acessado em: 02/02/2019.

funcionário que possui elevada autonomia, normalmente o sheriff, que não efetua apenas a penhora, mas também encarrega-se de alienar bens penhorados em leilão público443.