• Nenhum resultado encontrado

2 DELIMITANDO O MARCO TEÓRICO: TEORIA DO FATO JURÍDICO,

2.3 Norma jurídica

2.3.3 Normas de estrutura

Nos dias atuais, há um crescente interesse por parte da hermenêutica jurídica em saber qual é o papel da interpretação, ao invés de buscar um método presumivelmente capaz de possibilitar uma interpretação como correta. A questão em torno da existência de limites para a atuação do Poder Judiciário como intérprete do direito, torna-se problemática e atual. Nos séculos XIX e XX, polemizou-se sobre o modelo hermenêutico a ser seguido pelo intérprete do direito na busca do sentido da norma257.

O jusnaturalismo cunhou para o direito, o conceito de sistema, que se resumia na noção de um conjunto de elementos ligados entre si pelas regras de dedução. No campo jurídico falava-se em sistema de normas racionais, entendendo-se com isso a unidade das normas a partir de princípios dos quais elas eram deduzidas. Interpretar o direito, nesse sentido, significa a inserção da norma na totalidade do sistema. No âmbito jurídico, a questão da unidade se torna um problema de sentido da ordem normativa. Sobre o fundamento dessa ordem, Savigny, numa fase do seu pensamento anterior a 1814, afirmava que interpretar era mostrar aquilo que a lei diz. O verbo dizer, no caso, denota o fato de que ele estava preocupado com o texto da lei. A questão técnica da interpretação era, portanto, como determinar o sentido textual da lei. Daí vem a elaboração de quatro técnicas: (I) a interpretação gramatical, que preocupa-se com o sentido literal da lei; (II) a interpretação lógica, que trata sobre o sentido proposicional; (III) a sistemática, que está no âmbito do sentido global; (IV) e a interpretação histórica, que visava atingir o sentido genético. Após 1814, aponta-se na obra de Savigny, que a questão toma outro rumo, e o problema da constituição da Ciência do Direito, por meio do modelo hermenêutico deixa de ser a mera enumeração de técnicas interpretativas, para passar a referir-se ao estabelecimento de uma

256 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo-

valorativo. 4º ed. São Paulo: Sarara, 2010. p. 132-133.

257 NOGUEIRA, Pedro Henrique. Os limites linguístico-legislativos da discricionariedade judicial. Revista de

informação legislativa. Brasília: Senado Federal, vol. 46, 2009. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/194909. Acessado em 02/12/2018.

teoria da interpretação. Surge, assim, a questão de se procurar um critério para a interpretação autêntica. Ou seja, parte-se da questão acerca do paradigma para se reconhecer que uma interpretação do texto da lei é autêntica, a envolver a possiblidade de um sentido último e determinante. Nesse ponto, a doutrina dividiu-se em dois grupos, conforme fosse a vontade do legislador (teoria subjetivista) ou a vontade da lei (teoria objetivista) a sede do sentido da norma. A polêmica não é de fácil resolução. Levando ao extremo, pode-se dizer que o subjetivismo favorece um autoritarismo, ao privilegiar a figura do legislador, pondo em relevo a sua vontade. Por outro lado, o objetivismo também levado ao extremo favorece certo anarquismo, ao estabelecer o predomínio de uma equidade duvidosa do intérprete sobre a própria norma ou pelo menos, ao deslocar a responsabilidade do legislador na elaboração do direito do intérprete sobre a própria norma, ou ao menos, ao deslocar a responsabilidade do legislador na elaboração do direito para o intérprete, chegando-se a afirmar, como fazem os realistas americanos, que direito é aquilo que decidem os tribunais258.

A questão, conforme a lição de Tércio Sampaio Ferraz Jr., revela um dos pressupostos básicos da hermenêutica jurídica, pois se interpretar é compreender outra interpretação (aquela fixada na norma), afirma-se a existência de dois atos, quais sejam, o que dá sentido à norma e o que tenta captá-lo. Portanto, para que possa haver interpretação jurídica é preciso que ao menos um ato doador de sentido seja fixado259.

Com a guinada linguística, na atualidade, passou-se a questionar de forma mais pontual a própria natureza do ato interpretativo. Cuida-se, nesse caso, de saber se a interpretação seria um ato de descoberta de um sentido prévio ou de construção de sentido260.

Norberto Bobbio classificava as normas jurídicas em diversas espécies, entre elas, as normas de conduta e as normas de estrutura. Para o autor as normas de estrutura regulamentam a produção de outras normas261.

Ele toma como exemplo um ordenamento estatal moderno. Afirma que em cada grau normativo encontraremos normas de conduta e normas de estrutura, isto é, normas dirigidas diretamente a regular a conduta de pessoas e normas destinadas a regular a produção de outras

258 FERRAZ, JR., Tércio. A ciência do direito. São Paulo: Atlas, 2014. p. 84-86. 259 FERRAZ, JR., Tércio. A ciência do direito. São Paulo: Atlas, 2014. p. 89.

260 NOGUEIRA, Pedro Henrique. Os limites linguístico-legislativos da discricionariedade judicial. Revista de

informação legislativa. Brasília: Senado Federal, vol. 46, 2009. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/194909. Acessado em 02/12/2018.

261 FERREIRA JR., Rubens. Taxa de utilização da marinha mercante: análise crítica e aspectos controvertidos.

normas. Começa, portanto, pela Constituição. Assim, afirma que uma Constituição como a italiana, há normas que atribuem diretamente direitos e deveres aos cidadãos, como as que dizem respeito aos direitos de liberdade; porém, existem outras normas que regulam o processo através do qual o Parlamento pode funcionar para exercer o Poder Legislativo e, portanto, não estabelecem nada a respeito de pessoas, limitando-se a estabelecer a maneira pela qual outras normas dirigidas às pessoas poderão ser emanadas. Nesse caso, quanto às leis ordinárias, também elas não são todas diretamente dirigidas aos cidadãos. Muitas, como as leis penais e grande parte das leis de processo, têm a finalidade de oferecer aos juízes instruções sobre o modo através do qual eles devem produzir as normas individuais e concretas que são as sentenças. Não são normas de condutas, porém, normas para a produção de outras normas. É, justamente, a presença e frequência dessas normas que constituem a complexidade do ordenamento jurídico. O autor afirma que somente o estudo do ordenamento jurídico nos faz entender a natureza da importância dessas normas. Do ponto de vista formal, porém, a teoria da norma jurídica havia parado na consideração das normas como imperativos, entendendo por imperativo a ordem de fazer ou não fazer. Arremata defendendo que se levarmos em consideração também as normas para a produção de outras normas, devemos colocar, ao lado as imperativas, entendidas como comandos de fazer ou de não fazer, e que poderemos chamar de imperativas de primeira instância, as imperativas de segunda instância, entendidas como comandos de comandar262.