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Execução como atividade desfavorável ao devedor e voltada para a tutela do crédito

2 DELIMITANDO O MARCO TEÓRICO: TEORIA DO FATO JURÍDICO,

3.2 Execução como atividade desfavorável ao devedor e voltada para a tutela do crédito

Uma das formas de pensar a execução é a partir da expropriação, pois, nesse caso, o foco é a prestação devida, considerando que a decisão sem efetivação não possui qualquer serventia. Essa é uma das preocupações do Código de Processo Civil, em seus artigos 4º e 6º, na medida em que consagra princípios como o da duração razoável do processo e da primazia da resolução do mérito. A expropriação, como ato que subtrai forçosamente o patrimônio de alguém, é sempre traumática403. Nesse caso, a execução funciona como uma atividade jurisdicional de transformação da realidade. Tal atividade comporta uma verdadeira ingerência na esfera jurídica das pessoas e, portanto, é a que mais necessita de que nela se respeitem os princípios básicos da jurisdição (como o juiz predeterminado), do pessoal jurisdicional (como a independência do juiz) e do processo (como o contraditório). Assim,

402 GRECO, Leonardo. A execução e a efetividade do processo. Doutrinas essenciais de processo civil. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. Vol. 8. p. 315-364.

403 MINAMI, Marcos Youji. Da vedação ao non factibile: uma introdução às medidas executivas atípicas.

sempre que um devedor de obrigação revestida de certeza, liquidez e exigibilidade, representada por título executivo, deixar de cumpri-la, tornar-se-á legítima a atuação executiva da função jurisdicional, de forma a, transformada em realidade, produzir-se um resultado prático equivalente ao que se teria se o devedor tivesse voluntariamente adimplido404.

O princípio da menor onerosidade para o executado nada tem a ver com o valor do débito a ser ressarcido, considerando que o direito do credor deve ser integralmente satisfeito. Para isso, portanto, serão usados, tanto quanto possível, os meios gravosos405. O magistrado deve utilizar tal norma jurídica sem assumir papel paternalista, no sentido de não relegar o credor a posição de desvantagem, a fim de dificultar a realização de seu crédito, colocando em primeiro plano o seu justo pleito em receber o que lhe foi assegurado pelo ordenamento jurídico406. Não se deve, assim, entender a menor onerosidade como uma cláusula geral de proteção ao executado, visto que a mesma atua na análise da adequação e necessidade do meio menos gravoso, não no resultado a ser alcançado407. O constrangimento do devedor é da substância do procedimento executivo, e essa constatação deve nortear o embate entre a dignidade do devedor e o direito à efetivação do direito do credor408. Carnelutti, chegou afirmar que a posição do credor, há muito tempo, encontra-se bem menos tutelada, não apenas no campo penal, como também na execução civil, do que a posição do devedor409.

A responsabilidade do juiz em subordinar os atos executórios à menor onerosidade possível para o devedor, obriga-o a não apenas atuar na função de mero aplicador da lei, mas de proferir decisões fundadas em critérios de conveniência e oportunidade. Em uma grande quantidade de casos, o juiz exerce poder decisório discricionário, como quando escolhe o meio executório menos oneroso para o devedor (art. 805, CPC), quando resolve dúvidas sobre a nomeação de bens à penhora (art. 847, CPC), quando escolhe o depositário ou o

404 CÂMARA, Alexandre Freitas. A eficácia da execução e a eficiência dos meios executivos: em defesa dos

meios executivos atípicos e da penhora de bens impenhoráveis. Revista brasileira de direito processual. Belo Horizonte: Fórum, 2009. <http://www.bidforum.com.br/PDI0006.aspx?pdiCntd=63919>. Acesso em: 3 mar. 2019.

405 ASSIS, Araken de. Manual de execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. §1º item 1. Versão

eletrônica sem paginação. § 109. Item 548.4.

406 SANTOS, Guilherme Luis Quaresma Batista. Teoria geral da execução e o código de processo civil brasileiro

de 2015. In: MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (Coords.). Execução. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 40.

407 DIDER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria

de. Curso de direito processual civil: execução. 7ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 78-81.

408 MINAMI, Marcos Youji. Da vedação ao non factibile: uma introdução às medidas executivas atípicas.

Salvador: Juspodivm, 2019. p. 33.

administrador de bens penhorados ou sujeitos a usufruto (art. 851, 862 e 869, CPC), na alienação antecipada de bens (art. 852, CPC), na autorização de locação (art. 896, § 3º, CPC), na alienação parcial de imóvel que comporte divisão cômoda (art. 894, CPC), no deferimento do usufruto por ser menos gravoso para o devedor e mais eficiente para o recebimento da dívida (art. 867, CPC), na decisão sobre arrematação global (art. 893, CPC), na decisão sobre o resultado prático equivalente de fazer infungível (art. 499, CPC)410.

Hermes Zaneti Jr., por sua vez, afirma que um processo de execução por quantia certa não é justo se não estiver voltado para a tutela do crédito. Só haverá processo executivo justo, ou seja, devido processo legal, se este estiver voltado para a tutela do crédito. Afirma que o processo de execução gira em torno do interesse do credor, interesse do devedor e interesse público do Estado na aplicação da norma de direito material e na efetividade do mecanismo posto à disposição da atividade executiva, porém, reafirma que a finalidade da atividade executiva, na execução singular, é a tutela do crédito e que tal predominância deve orientar o intérprete na aplicação das normas jurídicas desse ramo processual. Assevera ainda que os ordenamentos jurídicos contemporâneos e a teoria do direito contemporânea reconhecem a existência do direito fundamental à execução, havendo também, direito fundamental à tutela processual adequada, efetiva e tempestiva, que no contexto do processo de execução de pagar quantia certa, serve à tutela do crédito, portanto, um direito fundamental à tutela processual do crédito411.

Nesse sentido, deve-se ter em conta que a execução, na perspectiva da expropriação, denota a necessidade de analisa-la tendo como finalidade a satisfação da dívida, e não apenas os seus atos constituintes. Uma proteção exagerada do devedor, depõe contra a imparcialidade e a necessidade de efetivar a tutela concedida, constituindo um embaraço ao acesso à justiça. Quando a execução interfere nos direitos do executado, não significa que está punindo-o, considerando que o acesso à justiça não é apenas direito de petição e nem de decisão, mas também de realização412.

Alexandre Freitas Câmara, inclusive, chegou a afirmar, ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1973, que o fenômeno da ineficiência da execução civil tinha como um

410 GRECO, Leonardo. A execução e a efetividade do processo. Revista de processo. São Paulo: Revista dos

tribunais, vol. 94, 1999. p. 34-66.

411 ZANETI JR., Hermes. Comentários do código de processo civil (arts. 824 ao 925). 2ª ed. São Paulo:

Thonson Reuters Brasil, 2018. p. 37-55.

412 MINAMI, Marcos Youji. Da vedação ao non factibile: uma introdução às medidas executivas atípicas.

dos seus principais motivos, a tendência à superproteção do devedor. Afirma que o devedor, muitas vezes, é tratado como um “coitado”, o que leva a que a execução não se desenvolva de forma a cumprir seu objetivo de realização do direito do credor. Alude, a título de exemplo, ao tempo em que os embargos à execução eram recebidos com efeito suspensivo, fazendo com que a execução ficasse suspensa pelo mero fato de o executado ter apresentado defesa, vigorando a suspensão pelos menos até a prolação da decisão, em primeiro grau de jurisdição, a respeito da petição apresentada. Por esses e outros motivos, ainda na vigência do Código Buzaid, parcela da doutrina já sustentava a possibilidade de coerção/indução nas obrigações de pagar quantia, argumentação pautada no direito fundamental à tutela executiva413.

Com o Código de Processo Civil de 2015, porém, a celeuma em torno da legalidade de tais medidas parece ter se encerrado, considerando a positivação do artigo 139, IV, CPC, repetida nos artigos 297 e 536, CPC, o que eliminou dúvida dogmática sobre a possiblidade aplicativa do instituto414.

Em lição sobre o tema da execução sobre quantia certa, Leonardo Greco afirma que esta deve ser fortalecida. Defende que é preciso auxiliar o credor na procura do devedor e dos seus bens, pois o Estado tem o dever de propiciar ao credor todas as informações sobre o patrimônio do devedor. Cita que na França, a Administração Pública e a Previdência Social são obrigadas a prestar informações sobre os bens e rendas do devedor, no caso da execução de alimentos. Na Alemanha, denota que o devedor é convocado para uma audiência pessoal, na qual é obrigado a fornecer informações sobre os seus bens, sob pena de prisão de até seis meses. Na Suécia, O Código de Execução de 1982 criou a Enforcement Authority para promover a execução administrativa. No direito inglês, informa que as coações vão até o arresto do devedor, por meio do contempt of court. Nos Estados Unidos, afirma que o credor pode exigir a presença do devedor ou de terceiro a fim de prestar informações, sob pena de

contempt of court. O autor ainda afirma que é preciso rever a questão acerca da

413 CÂMARA, Alexandre Freitas. A eficácia da execução e a eficiência dos meios executivos: em defesa dos

meios executivos atípicos e da penhora de bens impenhoráveis. Revista brasileira de direito processual. Belo Horizonte: Fórum, 2009. <http://www.bidforum.com.br/PDI0006.aspx?pdiCntd=63919>. Acesso em: 3 mar. 2019.

414 AZEVEDO, Júlio Camargo de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Um novo capítulo na história das

medidas executivas atípicas. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/novo-cpc/um- novo-capitulo-na-historia-das-medidas-executivas-atipicas-11062018>. Acessado em: 02/02/2019.

impenhorabilidade de determinados bens, sugerindo que, para uma avaliação mais célere destes, o valor cadastral utilizado para a cobrança de tributos deve ser utilizado415.