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A NECESSIDADE DE DESCONSTRUÇÃO DA CULTURA RECORRENTE

Recurso, como conceitua o professor Nelson Nery Júnior, é:

[...] é o remédio processual que a lei coloca à disposição das partes, do Ministério Público ou de um terceiro, a fim de que a decisão judicial possa ser submetida a novo julgamento, por órgão de jurisdição hierarquicamente superior (NERY JÚNIOR, 2004a, p. 204- 205).

O jurisdicionado brasileiro tem, por questão cultural, ânsia por recorrer de toda decisão judicial. Há desconfiança e insatisfação generalizadas com as decisões de primeiro grau.

Ao derrotado em uma ação judicial é concedido o direito de recorrer em busca de outra decisão substitutiva daquela primeira. Ultrapassado o duplo grau de jurisdição, impõe-se ao perdedor cumprir a decisão, só cabendo recurso às instâncias extraordinárias para uniformização da jurisprudência, ou análise da correta aplicação da lei federal (recurso especial) ou violação à Constituição Federal (recurso extraordinário). No Brasil, embora essa seja a previsão legal, não é a regra nos tribunais.

O grande problema apontado pela doutrina e que tem preocupado todos aqueles que buscam a máxima efetividade do princípio do acesso à Justiça, que compreende a boa prestação jurisdicional, é a grande quantidade de recursos que têm chegado ao Pretório Excelso. Na verdade a quantidade não chega a ser um mal em sai mesma. Ocorre, contudo, que a imensa maioria desses recursos apresentam uma finalidade inequívoca, que é a protelação do feito pela parte perdedora (TAVARES, 1998, p. 146).

Para o jurisdicionado brasileiro, bom advogado é aquele que interpõe todos os recursos imagináveis, pouco importando as circunstâncias de a

jurisprudência estar assentada nos tribunais superiores, em sentido oposto à pretensão deduzida.

Paulo Hoffman traduz com lucidez essa realidade, in verbis:

[...] o acesso demasiadamente aberto às Cortes Superiores acarreta acúmulo absurdo de processos a serem julgados, inviabilizando uma prestação jurisdicional adequada e condizente com a importância desses Tribunais, uma vez que compele o advogado a desenvolver uma mentalidade de sempre recorrer, por temer não realizar o trabalho mais adequado e completo ao seu cliente, razão pela qual o estabelecimento de critérios mínimos ou situações mais precisas seria de bom alvitre, a fim de impedir a transformação dessas Cortes naquilo que não são nem devem ser: terceira instância (HOFFMAN, 2007, p. 327).

André Ramos Tavares (1998, p.146), também partilha da mesma opinião:

Entre nós há ainda a mentalidade de que a utilização de todos os recursos e meios processuais previstos pelo ordenamento jurídico é lícita e, mais do que isso, seria dever do advogado utiliza-los. Embora a parte não tenha o menor fundamento para oferecer um recurso com possibilidade de êxito, parte-se do pressuposto de que, se o ordenamento prevê a possibilidade de postergar por mais dois ou três anos uma sentença de improcedência, a parte perdedora deve utilizar-se desses meios como instrumentos procrastinatórios. É certo, contudo, que muito disto se deve à falta de uma adequada regulamentação do tema pela lei.

No mesmo sentido, merece transcrição a versão traduzida do texto publicado na Revista The Economist, de 22 de maio de 2009:

Alojado em um palácio modernista em Brasília, o Supremo Tribunal Federal brasileiro é há tempos uma espécie de piada. É a corte mais sobrecarregada do mundo, graças a uma infinidade de direitos e privilégios impregnados na Constituição de 1988 do país. Entre eles estão o direito quase ilimitado de apelar das decisões de qualquer magistrado até que o caso alcance os 11 sábios e sábias da Corte Suprema. Cada juiz dá a sua própria opinião nos casos que julga e até recentemente as decisões do tribunal não eram vinculantes às cortes inferiores. O resultado é um tribunal à beira de uma revolta. A corte suprema recebeu 100.781 casos no ano passado [...]

Até o advento da repercussão geral, não era falácia dizer que uma desavença banal entre vizinhos poderia gerar um processo judicial, cujo termo final somente ocorreria após duas ou mais decisões do Superior Tribunal de Justiça e outras tantas do Supremo Tribunal Federal. A obtenção desses pronunciamentos dependia simplesmente de um advogado perspicaz, pois bastaria observar os prazos e os demais requisitos intrínsecos e extrínsecos, nem um pouco excepcionais, na interposição dos recursos especial e extraordinário, para fazer com que a decisão final fosse proferida por uma ou ambas as Cortes de sobreposição do país. O que menos importava, tecnicamente falando, é que as condições de admissibilidade para ambos os apelos estivessem ou não presentes, pois com a “força” dos agravos (de instrumento e regimentais) e dos embargos de declaração, ainda que protelatórios, tanto um quanto outro acabaria subindo aos tribunais superiores e lá permanecendo por um bom tempo. Hoje, pelo menos perante o STF, já não é mais tão fácil fazer com que um recurso destituído de efetiva ofensa à Constituição Federal seja apreciado.

Não há, por outro lado, nenhuma sanção aos litigantes, caso uma ou ambas as Cortes chegassem, ou no caso do STJ, ainda chegue à conclusão de que um ou todos os recursos interpostos naquela causa, são protelatórios.

Também é traço comum entre os jurisdicionados, o descumprimento contumaz de decisão condenatória, aguardando-se a execução, que, aliás, é obrigatória para os advogados das pessoas jurídicas de direito público, fazendo com que o dispositivo do Art. 37, §6º da CF, seja daqueles dispositivos que trazem em si antinomia não jurídica, mas moral, frente ao que prescreve o Art. 100 da Carta Magna.

É bom lembrar que a resistência à condenação é ato ilícito, pois descumprir sentença (= vontade das partes substituída pela ordem do Estado) é descumprir ordem judicial.

Assim, conclui-se que o mesmo Estado que diz o que o cidadão comum deve fazer, descumpre ordem emanada do próprio poder soberano.

Até pouco tempo a União recorria até o STF sempre, não importando o valor monetário envolvido, ou tese jurídica em discussão, ou mesmo a jurisprudência já formada. Apesar dessas mudanças, os entes públicos ainda são seguramente a

maior clientela dos tribunais superiores, seja em função do descumprimento contumaz de regras basilares, seja pela simples não observância das leis e da Constituição Federal.

Esse foi mais um problema resolvido com a exigência de demonstração de repercussão geral, visto que os múltiplos recursos versando controvérsias idênticas ficarão sobrestados até a análise da repercussão geral, nos termos do que prevê o Art. 543-B, §1º do CPC e Art. 328 e seu § único do RISTF.

Negada a repercussão geral, considerar-se-á automaticamente não admitidos os recursos sobrestados (Art. 543-B, §2º). Superado o requisito e julgado o mérito, serão considerados prejudicados aqueles que embora admitidos tenham sido improvidos (Art. 543-B, §3º), caso o STF acolha a tese levada pelo recurso que subiu ao STF, o tribunal de origem poderá rever sua decisão. Mantendo-a, deverá remeter o recurso para que o próprio STF (por meio do relator) chancele cada um dos recursos reformando a decisão do tribunal a quo Art. 543-B, §4º), medida que parece contraproducente e absolutamente dispensável. Havendo súmula vinculante sobre o tema, a retratação torna-se obrigatória.

No caso dos tribunais regionais ou de Justiça retratarem-se, haveria espaço para renovação do inconformismo, pelo menos em tese, cabendo interposição de EDcl ou novo RE, caso presentes os pressupostos, havendo ainda a possibilidade de reclamação, caso o entendimento do STF no RE representativo, não tivesse sido corretamente aplicada pelo tribunal a quo aos REs sobrestados (NERY e NERY, 2007, p. 943).

Embora tenha havido essa importante alteração com a Emenda Constitucional nº45/2004, é necessário também, uma certa revolução nos costumes, que reclama urgente mudança de mentalidade dos operadores do direito e de toda a sociedade, a começar pelos governantes e parlamentares, passando pelos tribunais e culminando na postura a ser assumida pelos cidadãos, pois, como demonstrado, embora a norma tenha procurado fechar as portas para os recursos protelatórios ou impertinentes, ainda há espaço para tentativa de levar ao Supremo recursos com questão idêntica já decidida (Art. 543-B, §3º).

Nesse momento, grande parcela da responsabilidade em dar a guinada dessa mudança está nas mãos da Corte, que deverá fazer bom uso dos

mecanismos da repercussão geral e da súmula vinculante, chamando a sociedade a refletir seus atos e o próprio poder público a cumprir o seu dever político e moral, aplicando o dispositivo sem parcimônia.

O bom uso dos mecanismos garantirá a melhora na entrega da prestação jurisdicional, tanto em termos de celeridade quanto de qualidade.

5.1. O direito à razoável duração do processo e o acesso à justiça

O ângulo de apreensão do estudo da ampliação do acesso à Justiça neste trabalho abstrai outros aspectos que não a aplicação da Justiça pelo Estado e se limita a examinar o princípio da razoabilidade de duração do processo e a necessidade de aprofundamento da discussão de matérias relevantes para toda a sociedade.

A Emenda Constitucional nº 45/2004, além de instituir a repercussão geral como filtro de seleção dos recursos extraordinários, inseriu outros dispositivos ao texto constitucional, entre os quais se destaca o inciso LXXVIII, ao Art. 5º da CF, com o objetivo de garantir a tutela jurisdicional tempestiva. Diz o citado texto: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

Embora a doutrina brasileira já entendesse que a garantia existia no texto constitucional, decorrente da interpretação do texto do inciso XXXV, do mesmo Art. 5º, com a inserção do inciso LXXVIII, tal direito tornou-se expresso e, portanto, isento de dúvidas.

Por tudo o que foi exposto, é possível concluir que a conjugação da repercussão geral, com o objetivo de filtrar a subida de recursos ao STF, somado ao novo dispositivo inserto no inciso LXXVIII representam, ainda que de forma tímida, um avanço efetivo no sentido de alargamento do acesso à Justiça. Ambos dispositivos se harmonizam e trazem nova configuração ao STF e ao Judiciário de forma geral.

Conforme pesquisa realizada pelos doutores Cleide Kazmierski e Roberto Benghi Del Claro (apud MARINONI, 2004), o Superior Tribunal de Justiça

gasta, em média, o tempo de dois anos e seis meses para definir o recurso especial. No caso de recurso extraordinário, igual tempo é consumido pelo Supremo Tribunal Federal.

Espera-se que com a baixa no estoque de processos “velhos,” aguardando julgamento no STF, possa de fato haver uma aceleração nos julgamentos dos recursos extraordinários, bem como uma abreviação no tempo de duração dos processos em geral. Pois, com a redução do número de recursos, já que com a introdução do dispositivo da repercussão geral, o recurso extraordinário, passa a ser de fato e de direito “um recurso extraordinário”, ou seja, só admissível nos casos que fogem ao ordinário, ao particular, e contenham repercussão geral. O que se vislumbra é maior celeridade na conclusão das demandas, seja porque os processos se encerrarão sem a interposição do RE quando incabível tal recurso, seja porque quando cabível o RE, este será julgamento em menor espaço de tempo, e examinado com maior vagar e profundidade pelos ministros da Corte. Mas não é só. A busca de ampliação do acesso à Justiça não se deve restringir a permitir que um maior número de cidadãos busque o judiciário para resolver seus conflitos, mas deve significar também a rápida entrega da prestação jurisdicional, em conjunto com outros elementos e princípios já consagrados, como qualidade da prestação jurisdicional, isonomia, imparcialidade, juízo natural etc., e a detida reflexão sobre temas relevantes para toda a sociedade.

É desnecessário relembrar que a demora na entrega da prestação jurisdicional traduz-se em entrave para a efetividade do direito de acesso à Justiça, já que beneficia apenas aquele que não tem direito, em detrimento do que litiga com razão ao final reconhecida pelo Estado Juiz.

Indiscutivelmente diversos são os fatores que levam a que a prestação jurisdicional sofra demoras inexplicáveis e inaceitáveis do ponto de vista do cidadão comum. Grande parte desses fatores deve ser debitada a questões que vão da má gestão à falta de verbas, critérios de produtividade, remuneração dos servidores, qualificação, condições materiais de trabalho, entre outras. Ocorre que para a sociedade que paga altas cargas tributárias, essa prestação jurisdicional é insatisfatória, visto que o critério de qualidade passa pela capacidade de efetivar o direito que reclama, em prazo razoável, isto é, em tempo útil ao cidadão.

Por outro lado, a falsa ideia de que admitir indistintamente grande número de recursos destituídos de relevância econômica, jurídica, social ou política, apenas para que a matéria artificialmente chegue ao Supremo Tribunal é negar mediatamente tutela jurídica ou diminuí-la ao ponto da inutilidade, pois apesar de alcançar a mais alta Corte de Justiça do país, provavelmente não pacificará nem mesmo o direito individual reclamado.

O filtro da repercussão geral, além disso, previne a ocorrência de apreciação pelo Supremo, de recursos repetidos (que versem sobre a mesma controvérsia). Julgado pelo Supremo um RE portador de relevância (econômica, social, política ou jurídica), presta-se essa decisão a impedir outras no mesmo sentido e que só se diferenciam do julgado paradigma pelo polo da demanda. A matéria, entretanto, é a mesma, cuja objetividade alcança todos e, por isso, deve ser rejeitada pela Corte quando a parte não conseguir demonstrar a singularidade do caso concreto.

O processo não deve ser um fim em si mesmo, não deve ser um intricado projeto de engenharia jurídica, mas ser útil e racional, de fácil compreensão pela clientela jurisdicional. A necessidade do acesso à Justiça, para a consolidação das democracias e a dignidade da pessoa humana, vem sendo estudada e reivindicada por Mauro Cappelletti (1988), desde a década de setenta do século passado, diagnosticada no Projeto Florença.

O grande desafio do legislador é elaborar técnicas jurídicas capazes de dotar o Poder Judiciário de instrumentos aptos a permitir uma resposta jurisdicional tempestiva e efetiva, estruturando o Estado a responder as necessidades do jurisdicionado com todas as garantias conquistadas pela sociedade, de forma tempestivamente útil para o cidadão que bate às portas do Judiciário. A racionalização do sistema processual com a criação de filtros para a interposição do recurso extraordinário e a edição de súmulas vinculantes pelo STF produzirão, espera-se, à medida que tais requisitos passarem a repercutir de fato no dia a dia forense, em saudável melhora da atividade jurisdicional e efetiva ampliação do acesso à Justiça.

A repercussão geral foi criada para contornar o grave problema diagnosticado pela doutrina como "crise do Supremo", gerada pelo avassalador volume de recursos extraordinários (e recursos dele derivados) julgados ou por

julgar. Mais do que estreitar o canal de acesso ao STF, com a repercussão geral, pretende-se otimizar a alta função do tribunal de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, quando no exercício do controle difuso de constitucionalidade, por força do recurso extraordinário.

Com a introdução da repercussão geral resguardam-se, a um só tempo, dois interesses: o interesse das partes na realização de processos jurisdicionais em tempo justo e o interesse da Justiça no exame de casos pelo Supremo Tribunal Federal, apenas quando essa apreciação mostrar-se útil e necessária para que não haja desvios dos julgados com relação às normas e princípios constitucionais vigentes (MARINONI; MITIDIERO, 2007, p. 18).

O Supremo Tribunal Federal, ao aplicar o novo requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, estará cumprindo o papel unificador do direito no Estado Constitucional. Ou seja, ao analisar as questões relevantes e transcendentes para a sociedade, mediante a aplicação do conceito indeterminado da repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal poderá alcançar a compatibilização das suas decisões à Constituição formal e desenvolver novas soluções para os problemas sociais.

Como é cediço, o que se procura com esse recurso é a proteção da ordem constitucional violada (defesa da ordem constitucional objetiva), e apenas indiretamente a correção de eventual equívoco do julgador, no âmbito individual, sendo mera consequência a alteração da decisão, evidenciando-se, assim a função nomofilática do recurso (= interpretação exata da lei).

O STF “revisa” o julgado, conforme expressão da Súmula 456: “O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa aplicando o direito à espécie.” O que quer dizer julgar a causa examinando amplamente todas as questões suscitadas e discutidas, desde que tenham sido examinadas pelo acórdão recorrido, inclusive as de ordem pública, no âmbito do direito constitucional. (NERY JÚNIOR, 2004a, p. 442), de forma que cabe ao STF a revisão de decisões imantadas de repercussão geral, e não de toda e qualquer decisão.

Logicamente, tais questões não poderão ser analisadas de forma adequada, se todos os litígios existentes forem levados ao Supremo, sem que haja

uma seleção das causas que gerarão maior impacto para a sociedade, que contribuirão efetivamente para a unidade do direito. Tal situação, num primeiro e desatento olhar, pode até parecer significar amplo acesso à Justiça, mas certamente, só será simples acesso ao Judiciário, muitas vezes, sem pertinência alguma entre a tutela levada ao conhecimento do STF, e a necessidade de sua apreciação por aquela Corte, ou seja, formalmente pode-se criar a ilusão de amplidão, mas efetivamente pouca qualidade se pode extrair de tal prática, uma vez que a mais alta Corte do país, poderá apenas perder tempo com discussões já amplamente debatidas e direitos reconhecidos, sufocando-se em revisões desnecessárias, já que a ela compete zelar pela aplicação do texto constitucional e não apreciar o que já foi apreciado à luz da legislação infraconstitucional.

Diante do crescimento progressivo de demandas no Supremo Tribunal Federal e o consequente desvio de sua função precípua, criou-se o requisito da repercussão geral com a finalidade de permitir que apenas recursos extraordinários que contenham matéria cujo interesse extrapole o das partes envolvidas na disputa judicial travada nos autos, veiculadas em causa onde efetivamente se vislumbre ofensa à Constituição Federal.

Trata-se não só de racionalização do volume de trabalho que chega à Corte, o qual já começa timidamente a surtir resultados práticos, conforme demonstram as estatísticas do próprio STF, já referidas (item 1.1), mas, sobretudo, de efetiva ampliação de acesso à Justiça, na medida em que abrevia, sem negar ou vulnerar qualquer direito, a entrega da prestação jurisdicional e pacifica os conflitos.

É indiscutível que o número exorbitante de processos submetidos ao STF, o desvia completamente de sua função precípua de controle da correta aplicação e interpretação da Constituição Federal. Ao se ocupar com questões irrelevantes, o Supremo deixa de resolver questões fundamentais para a sociedade, levados ao seu conhecimento por meio de todas as formas de impugnação pertinentes naquela instância da Justiça, como a pesquisa com células tronco embrionárias, a demarcação as terras indígenas, a proibição do nepotismo, e tantos outros, temas discutidos e decididos desde 2007, a partir do início da aplicação do dispositivo da repercussão geral, que antes ficavam relegados à aguardar uma montanha interminável de processos que na grande maioria não continham a menor relevância (política, jurídico, social ou econômica), ou seja, não transcendiam ao

interesse das partes, e cujo os quais, já tinham esgotado com o julgamento pelo STJ e dos tribunais locais ou regionais, a apreciação da matéria e portanto já tinham recebido a tutela reclamada, mas que por questão meramente cultural ou espírito protelatório dos litigantes, eram submetidos ao STF.

O grande número de processos, além de significar gastos desnecessários com o processamento de ações do ponto de vista jurídico já satisfeitas, gera também desperdício de tempo e energia para o Judiciário e para o jurisdicionado, resultando em demora na entrega da tutela, especialmente para aqueles que não possuem condições econômicas de sustentar um processo demorado, impedindo por outro lado, a dedicação da Corte à casos relevantes para toda a sociedade, cuja discussão precisa pacificar conflitos sociais relevantes, que realmente clamam por uma reflexão, estudo e maturação de ideias dos senhores ministros do STF.

O professor Arruda Alvim, apresenta lição lapidar que encerra essa ideia:

Em nosso sentir, constitui-se equívoco injustificável ligar-se à circunstância de o STF apreciar só questões constitucionais em que se encontre imantada a sua repercussão geral um problema de carência ou de desfalque de acesso à Justiça, porque, para realizar o acesso à Justiça, há uma estrutura, no País, que se desdobra nas diversas Justiças Estaduais, de um lado, e, de outro, na Justiça Federal, cujos organismos cobrem todo o nosso território, como, ainda, há as Justiças especializadas, todas elas providas de um sistema recursal abundante, havido por parcelas consideráveis dos juristas como excessivo (ALVIM, 2005, p. 85).

Nesse caminhar, o alargamento do acesso à Justiça se dá, tanto com o acesso para as partes envolvidas num litígio, que precisa ser decidido com todas as garantias constitucionais, em menor tempo possível, quanto com a reflexão sobre questões relevantes para toda a sociedade à luz do conhecimento e saber jurídico dos ministros da Suprema Corte, já que só com esse debate e a profunda reflexão (=qualificação das decisões), a entrega da prestação jurisdicional se dará de forma legítima, e abrangente.

A par de ser um direito humano reconhecido e positivado nas principais cartas políticas do mundo, o acesso à Justiça, muitas vezes não passa de um direito

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