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1. CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA RECURSAL NOS TRIBUNAIS

1.1 O papel institucional do STF

1.2.2 Amicus curiae

O § 6º do art. 543-A, do CPC, introduzido pela Lei 11.418/2006, prevê a participação de terceiros na análise da repercussão geral, nos seguintes termos: “O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.”

O art. 323, § 2º, RISTF, regulamentado pela emenda regimental 21/2007, por sua vez, prescreve: “[...] mediante decisão irrecorrível, poderá o Relator

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admitir de ofício ou a requerimento, em prazo que fixar a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, sobre a questão da repercussão geral.”

Conforme brilhantemente concluiu Bruno Dantas, apoiado em Cássio Scarpinella, o terceiro de que trata o § 6º, do art. 543-A, do CPC, é o amicus curiae (=amigo da corte):

A Lei 11.418, de 2006, fez incluir no CPC o art. 543-A, que traz praticamente toda a disciplina infraconscitucional da repercussão geral. O § 6º desse artigo permite que, no exame da repercussão geral, o relator admita a manifestação de terceiros. Vejamos o conteúdo do referido parágrafo: “O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal”.

De acordo com as idéias hoje cristalizadas em torno das modalidades de intervenção de terceiros vigentes no processo civil brasileiro, calha, de plano, a pergunta sobre a modalidade que está prevista no dispositivo em tela.

Não é nosso objetivo abrir um tópico para tratar de todas as modalidades de intervenção de terceiros no processo civil. Antes acreditamos que é possível descartar todas as espécies arroladas nos Capítulos V e VI do Título II do Livro I do CPC sem maior exame, pois não parece haver dúvida que, grosso modo, não há interesse jurídico suficiente a viabilizar a assistência, nem direito de regresso hábil a assegurar a denunciação da lide, muito menos é o caso de adequação subjetiva da lide (nomeação à autoria) ou de co- responsabilidade (chamamento ao processo). Não se trata ademais, de recurso interposto pelo terceiro interessado, como veremos. Sendo assim, persiste a dúvida: quem é o terceiro que o relator pode admitir a se pronunciar nos autos no momento do exame da repercussão geral?

Para a identificação da resposta, devemos adotar como ponto de partida o fato de o próprio texto legal aludir a terceiro. Ocorre que a doutrina brasileira, ao menos na seara processual civil, nos fornece um conceito de terceiros por exclusão. Para Athos Gusmão Carneiro, são “todos os que não forem partes (nem coadjuvantes de parte) no processo pendente. Cássio Scarpinella Bueno, por sua vez, conceitua terceiro como “todo aquele que não pede ou em face de quem não se pede a prestação da tutela jurisdicional”. No mesmo sentido são as lições de Cândido Rangel Dinamarco e Teresa Arruda Alvim Wambier.

Resta claro, pois, que as formas clássicas de intervenção de terceiros são insuficientes para determinar a modalidade de intervenção admitida pelo § 6º do art. 543-A do CPC, e, no labor para identificar esse sujeito do processo, é inevitável escapar do problema sagazmente apontado por Cássio Scarpinella Bueno:

“Seja porque determinadas decisões têm efeitos vinculantes, seja, quando menos, porque têm efeito ‘meramente persuasivo”, nunca, para a nossa experiência jurídica, foi tão importante saber o que e como os tribunais decidem as mais variadas questões. E saber como eles decidem para saber como eles vão decidir nos sucessivos “novos” casos que lhe são postos para julgamento.

Se há nisso ecos de “previsibilidade” de “igualdade” e de “segurança jurídica”, não há como negar que também se pode ouvir uma questão que vem facilmente à tona: como alguém pode ser afetado de maneira tão intensa por um julgamento do qual não participou, do qual não poderia participar e seques sabe que existiu? E a indagação nos parece relevante mesmo quando o “ser afetado” pela decisão pretérita significa pelo menos, que o procedimento a ser adotado para resolução de uma lide sofrerá alterações profundas justamente em face do que inter alios já se decidiu.

[...]

O que nos parece pertinente e suficiente para concluir este capítulo é destacar que o amicus curiae, assim entendido, por ora e despreocupadamente, como um “colaborador do juiz”, é alguém que pode, desde suas primeiras aparições, encontrar, neste contexto, seu melhor ambiente para desenvolvimento. Acreditamos que é justamente nesses casos, em que o legislador empregou a técnica das normas jurídicas abertas, que o amicus poderá ser aquele que fornece ao magistrado valores e esclarecimentos que possam ser úteis para auxiliá-lo a construir o tipo jurídico. Sobretudo, vale a pena frisar, quando o resultado dessa “construção” passa, gradativamente (inclusive, mais recentemente, para a nossa própria experiência jurídica), a dizer respeito a outros que não os litigantes do específico caso julgado, a “terceiros”, portanto.

Diante da brilhante contextualização do problema (e do encaminhamento de solução oferecido), resta muito pouco a acrescentar de forma geral, cabendo-nos, após deixar assentado que o terceiro em discussão é o amicus curiae, fazer a transposição dessas reflexões para o procedimento de aferição da repercussão geral (DANTAS, 2008, p. 297).

Partindo-se dessa conclusão, faz-se superficial explanação da figura jurídica, apenas para dar sentido às ideias aqui expostas.

Cássio Scarpinella Bueno(2006, p.87-88) informa que a origem mais remota do instituto do amicus curiae estaria ligada ao direito penal medieval inglês. Nascida na Inglaterra, essa figura jurídica tornou-se conhecida em outras nações a partir de então, sobretudo nos Estados Unidos da América, país no qual ganhou profundo desenvolvimento. Informa ainda que existe uma segunda tese sobre as origens desse instituto, a qual aduz que as origens do amicus curiae estariam no direito romano, cuja função era a de agir com lealdade e colaborar de maneira imparcial com os juízes nos casos em que o deslinde do litígio tratasse de

posicionamentos ou situações que não versassem sobre conteúdo eminentemente jurídico, atuando com o intuito de auxiliar o magistrado competente a não cometer qualquer equívoco no momento de julgar questão relativa àquela matéria específica.

No Direito Inglês, o amicus curiae se fazia presente ante as Cortes, tão somente em casos que não importassem em questões de interesse governamental. O amicus curiae agia na qualidade de attorney general (advogado geral). A função desse “amigo da cúria” era atualizar, indicando e sistematizando, os precedents (questões já decididas naquele sentido) e as statutes (leis) em eventuais situações peculiares, nas quais os magistrados desconheciam o conteúdo técnico da matéria. Os tribunais dispunham de ampla liberdade para admitir a participação do amicus

curiae em juízo, para determinar as limitações a que a atuação deste estaria sujeita

também.

Amicus curiae, locução latina que significa "amigo da corte", pode ser

uma pessoa natural, entidade ou órgão, com profundo interesse em uma questão jurídica, na qual se envolve como um terceiro que não os litigantes, movido por um interesse maior que o das partes envolvidas no processo, cuja função histórica é chamar a atenção da Corte para fatos ou circunstâncias que poderiam não ser notados pelos julgadores, exatamente pelo fato de situar-se em outra área do conhecimento que não o técnico jurídico.

No mundo cartesiano, cada vez mais complexo e massificado, as questões legais tendem a ficar isoladas. Mas, no momento em que o tribunal fica encarregado de dizer como toda a sociedade deve agir, ele deve buscar inteirar-se desses conhecimentos e permitir que especialistas de outras áreas do conhecimento, mas que tenham ou sofrerão as influências da decisão, participem do processo, a fim de contribuir para que a decisão seja a mais harmônica e condizente possível, com o que se espera de decisões dessa envergadura e abrangência. Ensejando, assim, além do amplo acesso e participação de sujeitos interessados no sistema de controle de constitucionalidade de normas, a possibilidade efetiva de a Corte Suprema contemplar as diversas perspectivas na apreciação da legitimidade de um determinado ato questionado.

Trata-se de um “representante” que deve estar presente, manifestar- se, fornecer elementos para a formação da convicção necessária à

decisão judicial, sendo o assunto relevante. Neste contexto de considerações surge a inevitável indagação: O “amicus curiae” ou sua atividade no processo deve marcar-se pela neutralidade?

Parece-nos que a resposta a esta questão é positiva. O interesse defendido pelo “amicus curiae” é da sociedade, e, suas manifestações têm em vista gerar decisão judicial em conformidade com estes.

Trata-se de um terceiro, cuja intervenção tem o condão de gerar uma prestação jurisdicional mais qualificada, mas cuja posição em relação à lide não possibilita que se encarte nas formas de intervenção tradicionais, a respeito das quais o direito positivo traz previsão expressa (WAMBIER, 2006, p. 2).

A participação do amicus curiae, além de dar maior legitimidade ao processo de decisão, amplia a participação da sociedade a qual se destina essa decisão, sendo, portanto, uma das virtudes do novo instituto ora examinado, à medida que inova, com a perspectiva de participação democrática de terceiros que tenham alguma contribuição para o deslinde da controvérsia não só meritoriamente, mas também e, sobretudo, no exame de existência ou não do requisito da repercussão geral, da forma mais completa e abrangente possível, pois neste momento é preciso que todos aqueles que têm a contribuir estejam atentos para munir a Corte de informações capazes de conduzir ao melhor caminho a decisão final, ainda que no caso em discussão a decisão de mérito não seja a melhor. É preciso que o caminho fique aberto, e que a discussão venha à baila em momento oportuno (outro recurso), pois, de acordo com o § 5º, do Art. 543-A, do CPC, caso não ultrapasse o crivo da repercussão geral, nenhum outro recurso versando questão idêntica poderá ser apreciado, até que a tese seja revista.

Conforme ensina Adhemar Ferreira Maciel:

O “amicus curiae” é um instituto de matiz democrático, uma vez que permite, tirando um ou outro caso de nítido interesse particular, que terceiros penetrem no mundo fechado e subjetivo do processo para discutir objetivamente teses jurídicas que vão afetar toda a sociedade (MACIEL, 2002, p. 7).

Uma vez admitido, poderá ofertar razões escritas, por meio de advogado, a fim de convencer a Corte da existência ou não de repercussão geral no caso concreto, nos termos do que prevê o §6º do Art. 543-A do CPC e §2º do Art. 323 do RISTF.

Conforme sustenta Bruno Dantas (2008, p. 299), a repercussão geral é pressuposto de cabimento do recurso extraordinário e seu exame se localiza no juízo de admissibilidade. Portanto, questão de processo e não de direito material, daí que os amici curiae podem demonstrar ao STF o impacto que determinada decisão terá perante a sociedade, e é justamente esse impacto o objeto da repercussão geral, que será examinado no juízo de admissibilidade.

Segundo Antonio do Passo Cabral, (2004, p.19), o interesse do amicus

curiae é ideológico, isto é, deve ter por norte o rigor da verdade científica, técnica,

enfim, do domínio de conhecimento do terceiro, que nesse prisma é chamado a auxiliar a Corte para que ela, usando desse conhecimento, possa decidir melhor.

Milton Luiz Pereira, em primoroso estudo, sintetiza:

[...] a louvação ao “amicus curiae” demarca a ação individual e o interesse público, servindo como especial interveniente nas situações conflituosas. Em vez de reduzir os limites do objeto da demanda, age em prol da organização social, como predito, servindo para equilibrar os valores do interesse privado e do interesse público. No mais, o

“amicus curiae” é voluntário partícipe na construção de

assentamentos judiciais para o ideal de pretendida ‘sociedade justa’, sem confundir-se com as hipóteses comuns de intervenção. Demais, não sofre a rejeição dos princípios básicos do sistema processual edificado (PEREIRA, 2002, p. 86).

Assim, conclui-se que a intervenção do amicus curiae no momento em que a Corte estiver decidindo sobre a existência ou não do requisito da repercussão geral, é com certeza elemento de ampliação do acesso à Justiça, pois embora sejam os seus membros dotados de notável saber jurídico, isso não é garantia de que apenas com os elementos técnicos jurídicos possam tomar a melhor decisão, que potencialmente poderá atingir grande parcela da sociedade. Daí a grande contribuição que pode advir da diversidade de participação para amparar tal decisão, com conhecimento especializado sobre o tema e contribuição de outros segmentos da sociedade que, dotados de conhecimentos específicos, não necessariamente jurídicos, podem auxiliar na decisão sobre a existência ou não de repercussão geral.

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