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A Necessidade de um “braço-executivo” do TPI

4.3 AS IMPLICAÇÕES DO ENTENDIMENTO DO CSNU COMO UM “BRAÇO-

4.3.1 A Necessidade de um “braço-executivo” do TPI

O primeiro pressuposto diz respeito à necessidade do TPI de possuir um órgão capaz de servir para a aplicação de suas normas. De fato, a ideia de que tribunais internacionais necessitam de alguma autoridade executando suas normas é tão antiga quanto a proposta de um tribunal penal internacional, segundo Ruiz Verduzco414.

De maneira semelhante argumentava Kelsen em seu ensaio Peace Through Law que serviu de reflexão acerca do fracasso da Liga das Nações415. O autor, ao propor um novo modelo de organização, concebe a ideia da responsabilização individual por crimes de guerra e crimes contra a humanidade, mas entende que as execuções das decisões dessa jurisdição só seriam possíveis através de um poder executivo central, uma espécie de “força policial internacional”416.

Ao contrário do que se vê no direito penal no plano doméstico, onde o Estado detém do monopólio da força através do poder de polícia e assim é capaz de executar suas penas, o direito internacional não possui nenhum aparato semelhante. Morgenthau417 explica que a maior parte das normas de direito internacional serem normalmente observadas sem que os _______________

414 Idem, se referindo à primeira proposta de um tribunal penal internacional, apresentada por Alexandre I da

Rússia em 1818 e que lidaria com indivíduos responsáveis pela comercialização de escravos. O Czar concebia que uma autoridade executiva era necessária para aplicar as decisões daquele mecanismo e, no caso, entendeu que seria necessária uma força naval à disposição do tribunal, bem como um “conselho supremo”, responsável por executar as ordens do tribunal.

415 Idem.

416 KELSEN, Hans. Peace Through Law. Nova Iorque: Van Rees Press, 1944, p. 19. Nota-se, no entanto, que o

autor entendia que o estabelecimento de uma “força” nesse sentido só seria possível após a aceitação universal dos vereditos dessa jurisdição, que seriam imparciais. Nesse sentido, Kelsen, que era um grande defensor da responsabilidade penal individual como instrumento para assegurar a paz, se tornou um grande crítico do tribunais de Nuremberg por julgarem apenas a parte vencida e continuarem a guerra em outro campo. Sobre o assunto: ZOLO, Danilo. Hans Kelsen: International Peach through International Law. European Journal of International Law, vol. 9, p. 306 – 324, 1998.

417 MORGENTHUAU, Hans J. Politics among Nations: the Struggle for Power and Peace. Nova Iorque: Alfred

Estados sejam compelidos a tal (em razão de um interesse comum entre os Estados de que essas normas sejam observadas). O problema, segundo o autor, surgiria diante daqueles casos em que a observância e aplicação do direito internacional está sujeita à relação de poder entre as nações envolvidas418. Nesses casos, são considerações de poder e não de direito que determinariam a eventual observância e aplicação dessas normas419.

Segundo Dissenha420, a dificuldade do direito penal internacional residiria nesse ponto, uma vez que, ao ser exercido no plano internacional e segundo as regras do direito internacional, o poder de punir que se pretende universal não teria eficácia. A executividade da justiça penal internacional, nesse sentido, é dependente da atuação dos Estados que compõem as jurisdições penais internacionais criadas e, eventualmente, organismos internacionais que se disponham a prestar auxílio421.

Nesse sentido, o ex-presidente do TPII, Antonio Cassese, notoriamente comparou o tribunal a um “gigante sem braços e pernas”, que necessitaria de membros artificiais para andar e trabalhar. Esses membros, por sua vez, seriam autoridades Estatais422. O problema reside, portanto, em como garantir a cooperação dessas autoridades.

É possível afirmar que os predecessores do TPI todos tiveram um “braço-executivo”. No caso dos tribunais criados após a segunda guerra mundial, a execução estava nas mãos dos Aliados (no tribunal de Nuremberg) ou do próprio Estado dos condenados (no caso do tribunal de Tóquio), tendo em comum o fato de que a execução possuía um caráter altamente político, não existindo envolvimento judicial423.

No caso dos tribunais ad hoc, não apenas os Estatutos do TPII e TPIR previam a obrigatoriedade de cooperação dos Estados, como também o CSNU diversas vezes reiterou essa obrigação em resoluções424. Cabe lembrar que ambos os tribunais foram criados através de uma Resolução adotada pelo CSNU sob o Capítulo VII da Carta da ONU, que não apenas detém caráter vinculante, mas também sujeita os Estados a sanções caso não cooperem. Esse modelo

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418 Idem. 419 Idem.

420 DISSENHA, Rui Carlo. op. cit.., p. 156. 421 Ibid., p. 156 – 157.

422 CASSESE, Antonio. On Current Trends Towards Criminal Prosecution and Punishment of Breaches of

International Humanitarian Law. European Journal of International Law, vol. 9, 1998, p. 13.

423 KRESS, Claus; SLUITER, Goran. Imprisonement. In: CASSESE, Antonio. et al. (Ed.) The Rome Statute of

the International Criminal Court: a Commentary. Oxford: Oxford University Press, 2002, p. 1757 – 1764.

adotado pelos tribunais ad hoc, chamado por Dissenha de supra-Estados, tornaria a efetividade das instituições certa e garantiria a realização da justiça penal internacional425.

Já o TPI reconhece os Estados como seu “pilar executivo” e igualmente depende da cooperação de Estados para o seu funcionamento e para a aplicação de suas decisões. No entanto, ao contrário dos tribunais ad hoc da ONU, os Estados não se encontram obrigados a cooperar através de uma resolução de caráter vinculante. A obrigação, no caso dos Estados- Parte, advém da ratificação do Estatuto de Roma e das suas previsões de cooperação dos Estados-Parte como o artigo 86426. Em caso de não cooperação, o TPI pode remeter o Estado que não cooperou à Assembleia de Estados Partes ou, nos casos remetidos pelo CSNU, ao próprio CSNU.

O TPI, portanto, adota um modelo diferente daquele adotado pelos tribunais ad hoc e não possui dos mesmos mecanismos de imposição de cooperação, baseando-se muito mais na vontade dos Estados de cooperar. Nesse sentido, resta tratar do possível papel do CSNU no caso de eventual ausência de cooperação ou como mecanismo para a implantação do regime estatutário do TPI inclusive para Estados que não são parte do tribunal.