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Processos migratórios: transnacionalismo e migração

3.7. A noção de diáspora

Basicamente, a noção de “diáspora”52 designa a dispersão (Clifford, 1994; Chaliand e Rageau, 1991; Gottman, 1996; Prevelakis, 1996; Cohen, 2004) de parte significativa de uma população originariamente concentrada num dado espaço cultural/nacional, por diversas regiões do globo, afastadas do citado território, pressupondo ainda que essa dispersão

se mantenha para além da vida de algumas gerações e que, a despeito disso, esses grupos ou comunidades de expatriados continue a manifestar o propósito de se identificar com a origem nacional dos seus antepassados e a tornas como referência alguns dos traços culturais que lhe são característicos (Rocha-Trindade, 1995: 141-142).

Contudo, é só a partir da segunda metade dos anos 80 do século XX que se consolida a tendência para a recuperação da noção de “diáspora”, enquanto instrumento analítico para o estudo científico de determinados grupos humanos que, partilhando uma mesma base cultural, religiosa e étnica e um mesmo território de origem, se dispersaram por diversos países. Assim, de acordo com a definição apresentada por diversos autores, o a diáspora, “conceito fechado que se apoia sobre uma concepção binária de diferença (…), fundado sobre a construção de uma fronteira de exclusão” (Hall, 2006: 32), pode reunir três características essenciais, a saber: dispersão relativamente diversificada, a partir de um território original, com destaque para a migração forçada; a existência de uma memória etnicocultural colectiva partilhada por todos os membros da diáspora e transmitida às gerações seguintes; manutenção de laços, reais ou simbólicos, com a terra de origem, dos próprios ou dos antepassados.

Para Maria Beatriz Rocha-Trindade, estar-se-á perante uma diáspora, em contexto emigratório, se se verificarem cumulativamente os seguintes requisitos: dispersão (por vários pontos); afastamento (em relação à origem); tempo (para lá das gerações); identificação (com a

52 Do ponto de vista etimológico, o conceito de “diáspora” deriva do verbo grego speiro, que significa cozer, e dia,

que significa sobre. A tradução literal seria “cozer sobre”. Empregue hoje em dia não sem alguma contestação na investigação e designação de movimentos de populações a nível global como “categoria descritiva ambivalente” (Blanes, 2008: 41), esta noção de “diáspora” seria, mais tarde, absorvido pela Bíblia hebraica, como neologismo, aparecendo fortemente conotada à história hebraica (Dufoix, 2008: 4; Hall, 2006: 28) e generalizando-se à escala planetária.

origem ancestral); adopção de referências (as da cultura de origem) (1995:142). Conotado inicialmente com a dispersão dos judeus “exilados/expulsos” do seu território de origem (Palestina), no entanto, o conceito de diáspora é, mais tarde, recuperado53, tendo a sua crescente utilização por parte dos cientistas sociais implicado algumas alterações nos pressupostos básicos iniciais.

Para lá das várias tipologias e das características54 peculiares que assumam o fenómeno diaspórico, na generalidade, a verdade é que a diáspora judaica continua a ser uma referência paradigmática, se bem que, na perspectiva de Michel Wieviorka (2002), exista uma “desmultiplicação de diásporas”, em resultado da diversidade das experiências históricas que a sustentam. A este propósito, Wieviorka assinala três tipos de diáspora: o primeiro tipo abarca as diásporas com origem num choque importante – genocídio, massacres de massa, expulsão violenta -, “assumindo um valor de fundação e fazendo do território perdido um lugar mítico, uma referência que pode tornar-se obsessiva, pelo menos enquanto permanecer fora de uma alcance efectivo”, a exemplo dos arménios, de certo modo os palestinianos e curdos que vivem na Europa Ocidental, em particular na Alemanha; um segundo tipo de diáspora, que abarca um conjunto de casos em que a emigração foi “querida e ardentemente desejada”, ainda que mantendo fortes laços com o país de origem, em resultado de transformações tecnológicas, com relevância para as comunicações “globais”e; um terceiro tipo de diáspora que corresponde a uma lógica de produção na qual se inventa uma comunidade transnacional caracterizada pela sua “grande criatividade artística, pela expressividade dos seus actores mais visíveis e por uma relação com o corpo, a sexualidade, a dança e a música”, a exemplo da constituição de uma contra-cultura negra mostrada por Paul Gilroy (1995) no seu estudo Black Atlantic, “nem especialmente africana, nem americana, nem antilhesa, nem britânica, mas que é tudo isso ao mesmo tempo”, tal como escreve Wieviorka (2002: 61-63).

53 Mais propriamente, a consolidação da tendência para a recuperação da noção diáspora, enquanto “instrumento

analítico para o estudo científico de determinados grupos humanos que, partilhando uma mesma base cultural, religiosa e étnica e um mesmo território de origem (real, ancestral ou mesmo mítico), se dispersaram por diversos países” (Gomes, 1999: 24), verifica-se na segunda metade dos anos 80.

54 Na linha de Rocha-Trindade (1995), uma leitura das definições de diáspora propostas por diversos autores

permite, na perspectiva de Gomes et al., reter três características principais: dispersão, relativamente diversificada, a partir de um território original, com realce para os processos de migração forçada; existência de uma memória étnico-cultural colectiva partilhada por todos os membros da diáspora e transmitida às gerações seguintes e; preservação de laços reais ou simbólicos, com a terra de origem, dos próprios ou dos antepassados (1999: 24-25).

À semelhança dos demais fenómenos sociais, os fenómenos diaspóricos são dinâmicos e, logo, sujeitos a evoluções mais ou menos significativas em função de um conjunto de circunstâncias e factores de contextualização. Assim, no âmbito das migrações, explica Wieviorka55, surgem

momentos de “des-diasporização”, no decorrer dos quais uma comunidade migrante regressa ao lugar de origem, de “diasporização” ou de “re-diasporização” quando uma comunidade já migrante se dispersa de novo, ou ainda fenómenos de inversão temporária dos fluxos (2002: 63).

Tratando-se do caso específico de Cabo Verde, a noção revista e ajustada do conceito de diáspora para classificar a dispersão dos cabo-verdianos por diversas partes do mundo ao longo dos últimos três séculos é também utilizada por vários investigadores e estudiosos. É certo que a diáspora cabo-verdiana, curiosamente, não figura no Atles des Diásporas da autoria de Gérard Chaliand e Jean-Pierre Rageau, em virtude de, na sua opinião, a maioria esmagadora dos migrantes cabo-verdianos se concentrar em apenas dois locais (EUA e Portugal) (1991: XIII) e, logo, ela não reunir na plenitude o primeiro pressuposto básico identificador de uma diáspora. Seja como for, a dispersão dos cabo-verdianos pelo mundo pode ser considerada uma “diáspora de trabalho”, à luz da tipologia de Robin Cohen (2004), porquanto reúne os pressupostos teóricos associados à noção, no entender de Gomes et al., para além de ter na base um processo migratório provocado por motivos de ordem laboral (1999: 26).

55 Michel Wieviorka (2002) retoma, nessa explicação dos fenómenos diáspóricos, os neologismos propostos por

3.8. O transnacionalismo imigrante como novo corpo conceptual e paradigma.

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