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Processos migratórios: transnacionalismo e migração

3.6. Abertura e adequação sociológica do conceito de comunidade

Para além dos apports clássicos de Tonnies e de Weber, outros contributos não menos importantes para uma teoria sociológica das comunidades nas sociedades contemporâneas têm vindo a ser dados por estudiosos, a partir de abordagens por vezes acentuadamente distintas, no sentido da abertura sociológica do conceito a realidades concretas. Assim, nesta linha de abertura

e adequação do conceito analítico de comunidade, Madureira Pinto definia a comunidade rural50 «através de um conjunto de campos analíticos essencialmente abertos de limites geográficos estritos (o campo das relações matrimoniais, das migrações e do êxodo rural, das trocas, das práticas ideológicas e dos processos de socialização, etc.” (1977: 823-824). Por seu turno, Barry Wellmann e Barry Leighton, citados por António Firmino da Costa, analisando as relações entre bairro e comunidade, referem-se à tese da “comunidade perdida”, em contraposição à da “comunidade emancipada”, tomando como pano de fundo as profundas transformações sociais da modernidade, em particular no decurso do século passado, “deduz que o novo modo de vida urbano – cujo cenário paradigmático são as grandes metrópoles, mas que tende a universalizar-se – dissolve as comunidades tradicionais, nomeadamente as de bairro” (1999: 90). Em resposta ao conceito de “comunidade perdida”, Gans propõe o conceito de “comunidade urbana” no seio da qual emergem nichos ou aldeias dentro do anonimato urbano, o que equivaleria a uma espécie de comunidade reinventada, digamos, uma metáfora, um tipo ideal de comunidade recortada a segmentos de população. Ainda no âmbito do estudo das comunidades,Wellman dá um passo importante e introduz o conceito de comunidade virtual.51, afirmando que as comunidades vituais são tão comunidades como as comunidades sociais entendidas como redes de relações sociais estáveis.

Portadora de múltiplos e diferenciados estatutos, a comunidade imigrante não é um todo homogéneo, podendo-se distinguir dentro dela também dominantes e dominados, agora económica e socialmente definidos (Saint-Maurice, 1997: 33). Perante a ausência de níveis significativos de homogeneização e de comunitarização dos imigrantes nos respectivos países de

50

A propósito de comunidades rurais, Howard Newby defende a ideia de abertura do conceito de comunidade (não necessariamente rural), através de campos plurais de relações interessantes, mormente através das chamadas comunidades virtuais (Bell, 2005).

51 Refira-se que o termo “virtual” foi originalmente empregue entre os utilizadores de computadores para se

referirem a objectos que desempenhavam o papel de substitutos próximos. Segundo Cardoso, “não existem fronteiras geográficas para as comunidades virtuais, pelo que os seus participantes se podem localizar em qualquer parte do mundo, sendo apenas condição necessária para a participação, a utilização de uma máquina com acesso à Internet”, tanto mais que “um indivíduo pode pertencer simultaneamente a um número indeterminado de comunidades virtuais” (1998:1-2). Wellman, nos anos 80 do século passado, publica um livro sobre cidades em que se refere a comunidades desterritorializadas, constituídas por pessoas que não se reúnem. Aliás, nesta perspectiva, Wellman afirma-se como sociólogo das comunidades pessoais, que podem não requerer a presença física das pessoas. Tais contactos estabelecem-se através do telefone, entre outros meios, e, na verdade, são comunidades pessoais assentes em redes dispersas e mais abertas, não assentes em co-presença continuada. No entanto, a comunidade está lá presente. Há um tipo de relações que denotam confiança e intimidade e tem uma aproximação à densidade da rede.

fixação, alguns estudiosos têm vindo a restringir a utilização do conceito de comunidade, preferindo utilizar, em sua substituição, como, aliás, o faz Norbert Elias, o de propriedades comunitárias de uma colectividade ou, então, população imigrada. Perspectivando realidade imigratória cabo-verdiana em Portugal, o conceito de comunidade, que tem vindo a ser utilizado, nos debates teóricos e nas investigações empíricas em sociologia, em dois sentidos (socioespacial e sociocultural), mantém, à luz da teoria sociológica, uma imagem comunistarista e homogeneizadora, pelo que é preferível utilizar-se, sempre que possível e em sua substituição, a expressão “população imigrante”, envolvendo “subcomunidades” estruturadas à volta dos bairros e de outros espaços sociais. Na verdade, a população imigrante cabo-verdiana na Área Metropolitana de Lisboa, em particular, contém relações de carácter comunitário ligadas à pertença e identidade colectivas, mas traz, a um tempo, no seu bojo, relações de campo e relações de rede que acabam por conferir ao universo imigratório uma acentuada heterogeneidade, acrescida a um processo de individualização cada vez mais evidente, em detrimento de práticas colectivas e de solidariedade entre os membros da colectividade. Identidade colectiva não significa, forçosamente, presença de comunidade e nem ela é suficiente para definir uma comunidade, se bem que não se possa falar de comunidade sem identidade colectiva.

Os imigrantes cabo-verdianos radicados na AML estruturam-se mais à volta de campos profissionais (músicos, médicos, advogados, trabalhadores do sector da construção civil e outras categorias socioprofissionais), redes e relações sociais com uma dimensão comunitária. Nessa sentido, não existe, propriamente, uma comunidade cabo-verdiana imigrada em Portugal, pelo menos na acepção sociológica do conceito, mas uma população imigrante em torno da qual giram algumas comunidades. Ou seja., a população imigrante cabo-verdiana contém aspectos comunitários, que têm a ver com a pertença comum ou colectiva, a identidade colectiva, embora esta última não signifique, forçosamente, comunidade. É certo que pode haver sentimento de identidade colectiva e partilha comum e não haver comunidade, porquanto a identidade colectiva não é suficiente para definir uma comunidade.

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