• Nenhum resultado encontrado

A noção de praxeologia ou organização praxeológica

No documento Download/Open (páginas 46-51)

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1. A RESPEITO DA TEORIA ANTROPOLÓGICA DO DIDÁTICO

1.3 TEORIA ANTROPOLÓGICA DO DIDÁTICO (TAD)

1.3.1 A noção de praxeologia ou organização praxeológica

A noção de praxeologia é a realização de certos tipos de tarefas9 (T) que se

exprimem por um verbo pertencente a um conjunto de tarefas do mesmo tipo t, por meio de uma técnica () que, por sua vez, é explicada e legitimada por uma tecnologia (θ) justificada e esclarecida por uma teoria (Θ). Assim, a praxeologia, constituída por estes componentes [T, , θ, Θ], está ligada a um primeiro bloco prático-técnico [T, ],

denominado o saber-fazer10, e o segundo bloco tecnológico-teórico [θ, Θ] revela-se na

associação entre certo tipo de tarefa e uma técnica, designado o saber11, resultado da

articulação entre a tecnologia e a teoria.

Para Chevallard (1998), a existência de um tipo de tarefa matemática em um sistema de ensino está associada à existência de, no mínimo, uma técnica de estudo desse tipo de tarefa e uma tecnologia referente a essa técnica, mesmo que a teoria que justifique essa tecnologia seja omitida.

Os tipos de tarefas (T) que se situam em conformidade com o princípio antropológico supõem a existência de objetos bem precisos e não obtidos diretamente da natureza. Eles são artefatos, obras, construtos institucionais, como em uma sala de aula, cuja reconstrução é inteiramente um problema, que é o objeto da didática (CHEVALLARD, 1998). A noção de tarefa ou, especificamente, do tipo de tarefa, tem um objetivo bem definido, como encontrar o valor de x, mas calcular não explicita o que deve ser feito precisamente. Assim, calcular o valor de uma equação é um tipo de tarefa, mas somente calcular não seria um tipo de tarefa, e sim um gênero de tarefa.

Por sua vez, uma técnica () é uma maneira de fazer ou realizar as tarefas t ∈ ·. Para Chevallard (1998), uma praxeologia referente a um tipo de tarefa t necessita, em princípio, de uma técnica  relativa à t. Todavia, ele afirma que uma determinada técnica  pode não ser capaz de concretizar todas as tarefas t 

·. Isto é, ela pode

funcionar para uma parte P () das tarefas T e fracassar para T/P (). Isso significa que, em uma praxeologia, pode existir uma técnica superior a outras, ao menos no que concerne à realização de certo número de tarefas de T (CHEVALLARD, 1998).

Além disso, Chevallard (1998) destaca que a técnica  empregada para realizar uma determinada tarefa não é necessariamente de natureza algorítmica ou quase algorítmica (ocorre em casos pouco frequentes), no entanto existe uma predisposição relativamente à algoritmetização, ainda que essa ação de avanço técnico se dê por muito tempo, em uma determinada instituição, em relação a alguns tipos de tarefas ou a algumas tarefas complexas.

De acordo com esse autor, em uma dada instituição I, existe em geral uma única ou somente um pequeno número de técnicas institucionais reconhecidas. São

10 Savoir-faire 11 Savoir

eliminadas, desse modo, as possíveis técnicas alternativas que possam existir em outras Instituições.

Já a tecnologia (𝜃) é definida primeiramente como um discurso racional sobre uma técnica , cuja primeira finalidade consiste em justificá-la racionalmente, isto é, em garantir que a técnica permita que se cumpra bem a tarefa do tipo T. Ou seja, em uma instituição I, qualquer que seja o tipo de tarefa T, a técnica  relativa a t está sempre seguida de pelo menos um embrião ou, mais comumente, de um vestígio de tecnologia 𝜃. Em Matemática, tradicionalmente, a justificação de uma técnica é realizada por meio de demonstração. Em muitos casos, até mesmo alguns elementos tecnológicos estão integrados à técnica.

A segunda finalidade da tecnologia consiste em explicar, tornar inteligível e esclarecer uma técnica ·, isto é, em expor por que ela funciona bem. Sob essa ótica, em matemática, a função de justificação predomina tradicionalmente, por meio da cobrança da demonstração, sobre a execução da explicação.

A terceira finalidade da tecnologia tem também a função de reproduzir novas técnicas, mais eficientes e adaptadas à realização de uma determinada tarefa (CHEVALARD, 1998). Nessa situação, assinala-se o fenômeno de subutilização de tecnologias disponíveis, tanto do ponto de vista da explicação como da produção.

A teoria (Θ), por sua vez, tem como finalidade justificar e esclarecer a tecnologia, bem como tornar compreensível o discurso tecnológico. Passa-se, então, a um nível superior de justificação-explicação-produção. Chevallard (1998) adverte que geralmente essa capacidade de justificar e de explicar a teoria é quase sempre obscurecida pela forma abstrata como os enunciados teóricos são apresentados frequentemente. Ainda para esse autor, existe uma distinção das praxeologias: a praxeologia matemática (construção da realidade matemática para sala de aula) e as praxeologias didáticas (concretização de um tema em sala), como descreveremos a seguir.

1.3.2- Praxeologia Matemática ou Organização Matemática (OM)

As praxeologias matemáticas referem-se à realidade matemática que se pode construir para ser desenvolvida em uma sala de aula, permitindo que os alunos atuem na resolução de problemas de forma adequada e, ao mesmo tempo, entendam o que é feito de maneira racional. Portanto, constituem-se em torno de tipos de tarefas (T)

matemáticas executadas, de técnicas () matemáticas esclarecidas, de tecnologias (𝜃) justificadas e de teorias (Θ) que são, a princípio, os objetos matemáticos a serem aprendidos ou construídos.

Para Chevallard (1997), em um processo de formação de saberes/conhecimentos, as praxeologias envelhecem, pois seus artefatos teóricos e tecnológicos perdem sua credibilidade. No entanto, em uma determinada Instituição (I) aparecem novas praxeologias que poderão ser produzidas ou reproduzidas se existem em determinada instituição.

Esse autor observa que o primeiro trabalho de um docente consiste em determinar e caracterizar as praxeologias matemáticas a serem estudadas a partir das análises de documentos oficiais existentes, tais como os programas e livros didáticos. Para isso, deverá delinear e analisar, de maneira precisa, os conteúdos matemáticos, os tipos de tarefas matemáticas que eles contêm e o grau de desenvolvimento atribuído aos demais elementos: a técnica, a tecnologia e a teoria.

De acordo com Chevallard (1997), o docente ou pesquisador precisa indagar (e tentar responder) sobre várias questões, tais como:

• Existem tarefas bem identificadas? Elas são representativas? As razões de ser desses tipos de tarefas estão explicitadas?

• As técnicas recomendadas para a resolução dos tipos de tarefas foram efetivamente elaboradas? São suficientes para os tipos de tarefas propostos? Poderão sofrer progressos?

• As tecnologias disponíveis dão conta das técnicas usadas? Esclarecem as técnicas utilizadas?

• Os elementos teóricos são explicitados? Justificam a tecnologia empregada?

Para esse autor, existe ainda um segundo nível de análise da dinâmica das organizações matemáticas: análise da dinâmica institucional, representada nas condições de gênese e no desenvolvimento de uma organização de matemática em uma determinada instituição. Nesse estudo, esse nível pode ser considerado como o estudo da ecologia institucional das organizações matemáticas e está intimamente relacionado aos fenômenos de transposição institucional do conhecimento matemático (CHEVALLARD, 1991).

Para Fonseca (2004), a descrição das organizações matemáticas em níveis (prático, técnico, tecnológico, teórico) é suficiente (inicialmente) para modelar a atividade matemática institucional, é um dos postulados da TAD que deve ser testado empiricamente.

Desse modo, a TAD postula que toda a atividade matemática institucional pode ser modelada por meio da noção da praxeologia (ou organização) matemática, ou seja, que toda atividade matemática institucional pode ser analisada em termos de praxeologias matemáticas de complexidade crescente. Assim, explicamos de forma resumida o que se entende por “complexidade crescente” de uma OM (CHEVALLARD, 1999).

Diremos que uma praxeologia matemática é pontual (PMP) quando é constituída em um determinado (único) tipo de tarefa T. Portanto, a noção de PMP [T, , θ, Θ] é relativa à instituição considerada e é definida, em princípio, a partir do bloco prática e técnica [T / τ].

Uma praxeologia matemática é local (PML) quando em uma instituição é obtida a partir da integração de várias praxeologias pontuais. Cada PML [Ti, i, θ, Θ] é relacionada a uma determinada tecnologia θ, que serve para justificar, explicar, que se inter-relacionam e produzem as técnicas das PMP que as integram. De maneira geral, integrada às PMP estão as PML para fornecerem respostas satisfatórias a um conjunto de questões problemáticas que não puderam ser totalmente resolvidas em qualquer uma das respostas de uma OMP de partida.

A terceira é a praxeologia matemática regional (PMR) [Tij, ij, θj, Θ], em que uma instituição é obtida por meio da coordenação, articulação e subsequente integração em torno de uma teoria matemática comum Θ de diversas PML. A reconstrução institucional de uma teoria matemática é necessária para o desenvolvimento de uma linguagem comum a fim de descrever, interpretar, relacionar, justificar e produzir as diferentes tecnologias das PML que compõem a PMR.

Por fim, Chevallard (1999) definiu que a quarta praxeologia matemática é

global (PMG) [Tijk, ijk, θjk, Θk] e procede da agregação de várias organizações regionais correspondentes às múltiplas teorias Θk. Quando colocamos em movimento as praxeologias, passamos de uma praxeologia pontual para uma praxeologia local e

evidenciamos a tecnologia θ, da mesma maneira que, na transição da praxeologia local para regional, colocamos em destaque a teoria Θ. Dessa forma, nos dois casos, é dada uma evidência maior ao bloco do saber [θ, Θ], em detrimento do outro bloco, o saber-fazer [T, ].

Após essa breve discussão sobre as praxeologias matemáticas, passamos a descrever, no próximo subtópico, as praxeologias didáticas.

No documento Download/Open (páginas 46-51)