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Para tratar da noção de sujeito, nos apoiaremos nas contribuições de Pêcheux (1983) e de Authier-Revuz (1998), pelos deslocamentos que operam com respeito à noção de sujeito centrado, cartesiano e fonte de seu dizer. O primeiro, numa dimensão ideológico-histórica, e, a segunda, numa perspectiva psicoanalítica. Advertimos, contudo, que não importa aqui exaurir o exame da noção de sujeito na e para a Análise do Discurso,

mas, sim, tecer algumas considerações que situem nosso trabalho no que se refere à noção de sujeito com a qual nos identificamos.

Diante do exposto, cabe dizer que a noção de sujeito considerada a partir de uma perspectiva discursiva (ou com ela identificada) pressupõe um deslocamento de uma noção de sujeito unificado e centrado para a de um descentrado, sem uma identidade estável, unificada e essencial, em outros termos, para a de um sujeito fragmentado, múltiplo.

Nas três épocas da Análise do Discurso (doravante AD), Pêcheux (1983) tratou tanto de questões relacionadas com a posição teórica como com as conseqüências dos procedimentos metodológicos nessas fases. Conforme o autor, em sua primeira fase, a AD apoiou-se na noção de sujeito-estrutura que determinaria os sujeitos como os produtores de seus discursos. Esse sujeito-estrutura acreditaria que utilizaria seus discursos quando, em realidade seria apenas um “suporte”, ou, em outras palavras, um sujeito-assujeitado.

Essa noção está de acordo com a tese althuseriana, segundo a qual, a ideologia interpelaria os indivíduos em sujeito, ou seja, esse seria determinado (assujeitado) pela posição, isto é, pelo lugar do qual se falasse. Nesse sentido, o sujeito seria constituído como um processo histórico, já que a categoria de sujeito preexistiria a cada indivíduo concreto e seria uma condição de sua própria existência social. A formação ideológica, ao interpelar o indivíduo em sujeito, regularia a formação discursiva (FD)4 em que o sujeito se inscreveria, isto é, de onde enunciaria; dessa forma, o sujeito seria determinado por uma indissociável associação entre as dimensões social e histórica, sendo que a FD delimitaria e

definiria o dizível pelo sujeito.

Na segunda fase da AD, o sujeito continuou sendo entendido como efeito de assujeitamento à formação discursiva com a qual ele se identificava. Contudo, nesta fase, questionou-se o conceito de formação discursiva (doravante FD) como algo fechado e homogêneo; a partir daí, conforme Pêcheux (1983), uma FD passou a ser vista como um espaço constitutivamente invadido por elementos que viriam de outro lugar (isto é, de outras FDs) que se repetiriam nela, fornecendo-lhe suas evidências discursivas fundamentais, na forma de pré-construídos e de “discursos transversos”, isso significaria conceber uma FD como inseparável do interdiscurso, “lugar em que se constituem os

4 Termo introduzido por Foucault e reformulado por Pêcheux no quadro da análise do discurso, para designar

o conjunto de regras que determinam o que pode e o que deve ser dito a partir de uma determinada posição e de uma dada conjuntura.

objetos e a coerência dos enunciados que se provêem de uma formação discursiva” (CHARAUDEAU E MAINGUENEAU, 2006, p. 241).

Dentro desse quadro das formações discursivas, o sujeito-assujeitado foi visto como aquele que operava, dentro de uma ilusão discursiva, em dois níveis de esquecimentos e que, conforme Pêcheux (1975), seriam os seguintes: o de que este seria a fonte e origem do que diria, a fonte exclusiva de sentido do seu discurso (esquecimento no1) e o de que o seu discurso refletiria o conhecimento objetivo que teria da realidade (esquecimento no 2). Tratou-se, portanto, segundo Brandão (1998), de uma concepção de sujeito marcado pela idéia de unidade, do centro, o que constituiu para a AD, uma “ilusão necessária” construtora do sujeito.

Já na terceira fase, insistiu-se em uma alteridade no interior do sujeito, marcado pela dispersão, isto é, pelas várias posições que ele pode assumir no seu discurso, o que acabou por constituir o próprio discurso como algo heterogêneo, em que o sujeito põe em cena o discurso de um outro. Daí a relação do sujeito e do discurso com a exterioridade.

Inserindo-se nesse contexto da terceira fase da AD, Authier-Revuz (1998) recorre à concepção dialógica bakhtiniana e à Psicanálise para pensar o sujeito e o sentido. A autora recusa a noção de forma-sujeito, formulada por Pêcheux (1975), por considerar que ela reduz o sujeito ao imaginário, o que seria o outro extremo das abordagens pragmático- comunicacionais. Authier-Revuz defende uma outra via e, por essa razão, convoca a psicanálise para postular uma noção de sujeito estruturalmente clivado, dividido pelo inconsciente, em que o “eu” cumpre a função de instaurar a ilusão de unidade e de centro.

A autora considera o discurso como um espaço marcado pelas heterogeneidades, no qual o sujeito, igualmente heterogêneo, é quem harmoniza, negocia as distintas vozes que atravessam a sua fala, de modo a estabelecer sua unidade e coerência. Essa atuação do sujeito leva Baptista (2005, p. 79) a propor que diante dessa retomada da noção de unidade e coerência,

não seria demais notar uma atividade com a linguagem, por parte do que seria a instância do autor, de modo a que se estabelecesse um recorte no que seria o dizível. Se esse sujeito é capaz de harmonizar e negociar as distintas vozes, isso nos leva a supor um sujeito que atua, que intervêm de alguma forma. Isso reforça nossa noção de autoria como um espaço de manobras e estratégias do sujeito e a questionar a noção de um total assujeitamento do sujeito.

Essa é também nossa compreensão quando tratamos de um sujeito, não totalmente assujeitado, que assume diferentes posicionamentos no texto e que revela uma singularidade ao agenciar recursos lingüísticos, responsabilizando-se pelo dizer e agindo sobre este de modo a demonstrar um trabalho de reflexão sobre a linguagem. Cumpre, entretanto, observar que ao nos referirmos a um não total assujeitamento, não pensamos numa escala para esse, tal como se possa sugerir. Interessa-nos, em concreto, questionar o sujeito-posição, o sujeito como determinado pelas formações ideológicas. Dessa forma, importa-nos categorizá-lo como um sujeito que agencia discursos numa dada prática com a linguagem.