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Contribuições para o estudo da autoria: retomada da questão

5. Diferentes procedimentos do sujeito para manter o distanciamento do texto: Inserção de aspas.

5.2. Contribuições para o estudo da autoria: retomada da questão

Conforme enfatizamos ao longo deste estudo, centramos nossa reflexão em torno da questão da autoria no âmbito da produção escolar de textos em segunda língua. Organizamos nosso trabalho investigativo na interface entre as teorias enunciativas, especialmente os postulados de Bakhtin (1929, 1979) relativos ao uso da linguagem; a Análise do Discurso Francesa, particularmente na sua terceira fase, com as contribuições de Maingueneau (2001; 2006), Baptista (2005), Possenti (2001, 2002) e Authier-Revuz (1998, 2004) e, ainda, a Lingüística Aplicada, com os trabalhos de Coracini (1999, 2001) e os de Abaurre, Fiad e Mayrink-Sabinson (2001).

A partir desse arcabouço teórico, questionamo-nos acerca da natureza e do modus operandi do sujeito produtor de texto, entendido como um sujeito do discurso, uma vez que está e se faz presente no texto mediante um trabalho que realiza com vistas a concretizar um projeto de dizer. Dessa forma, importou-nos compreender como esse sujeito, construído discursivamente, assumia a autoria (Possenti, 2002), isto é, de que modo ele dava voz aos outros enunciadores e como o sujeito, ao distanciar-se do texto, operava intervenções que singularizaram o seu dizer, e que marcaram o seu posicionamento tanto em relação ao que disse, quanto em relação a seus co-enunciadores.

Quanto às contribuições deste estudo para a autoria no âmbito escolar, ponto a que nos reservamos neste tópico, gostaríamos de retomar as questões que nortearam nosso estudo, a saber: 1. qual seria a relação existente entre a noção de autoria proposta e os diferentes posicionamentos assumidos pelo sujeito durante o processo de refacção textual; 2. quais seriam as alterações efetuadas pelo sujeito, durante a refacção textual, e a implicação destas em termos de efeito de sentidos; 3. como a refacção empregada no processo de produção de textos em ambiente escolar poderia ser facilitadora da assunção da autoria? e 4. como os posicionamentos de cada sujeito-autor, nas diferentes versões, concorreriam para instaurar ou reforçar sentidos já socialmente cristalizados. Passemos a esses aspectos.

Quanto à primeira questão, verificamos que o modo como o sujeito deu voz a outros enunciadores e/ou manteve distância do próprio texto, se concretizou devido ao fato de que esse sujeito operou escolhas entre as diversas possibilidades do dizer ao construir seu texto e por operar escolhas, deu mostras do seu posicionamento dentro de um dado campo de discussão.

Esse trabalho do sujeito pressupôs certas operações que foram realizadas (consciente ou inconscientemente) durante a enunciação, de maneira que esse adotou determinados procedimentos ao ajustar, comentar, especificar ou retocar seu dizer, tendo em vista direcionar a atitude-responsiva do co-enunciador. A análise do que denominamos indícios de autoria, apontou para a constituição de uma determinada identidade discursiva do sujeito que o caracterizou ideológica e socialmente.

A segunda questão que procuramos responder tratou das alterações efetuadas pelo sujeito, durante a refacção textual, e se estas implicariam em mudanças em termos de efeito de sentidos. Tomando como base as análises realizadas, as alterações feitas durante a

refacção textual, não podem ser consideradas apenas casuais, pois foram resultantes de um trabalho de reflexão que o sujeito-autor realizou com a linguagem ao produzir o seu texto. Ao efetuar essas incursões, assumiu determinados posicionamentos e mobilizou certos sentidos, ao mesmo tempo, que silenciou outros.

Assim sendo, consideramos que a autoria é conferida por um gesto de individuação do sujeito, isto é, por um modo singular de intervir no próprio texto e por uma tomada de posição do sujeito que enuncia em relação a seu discurso e a seus interlocutores num dado campo de valores e no interior de uma dada prática com a linguagem.

Já a terceira questão enfocou como a refacção pode ser facilitadora da assunção da autoria. Nesse sentido, observamos que a refacção textual, empregada durante o processo de produção de texto, possibilitou ao sujeito-autor espaço e tempo para que este realizasse a necessária reflexão sobre a linguagem e os mecanismos lingüísticos operados por ele na construção do seu texto. Além disso, durante a produção das diferentes versões, o sujeito- autor ocupou novas posições, quais sejam, a de leitor e a de avaliador do próprio texto, o que lhe permitiu realizar diferentes procedimentos de ajuste e/ou retoque da linguagem, em função do seu projeto de dizer.

Nesse sentido, depreendemos que esse trabalho de reformulação decorreu da assunção da autoria por parte do sujeito-autor que não apenas se responsabilizou pelo dizer, mas que também realizou incursões sobre seu texto com vistas a direcionar a atitude- responsiva do co-enunciador. É ao realizar esse trabalho com o seu texto que o sujeito assume a autoria, isto é, demarca um espaço de intervenção no interior de uma dada prática discursiva. Retomaremos essa questão no tópico a seguir, sobre as contribuições para o ensino.

A quarta questão, por sua vez, problematizou como os posicionamentos de cada sujeito-autor, nas diferentes versões, concorreram para instaurar ou reforçar sentidos já socialmente cristalizados. A esse respeito, lembramos que o sujeito, por estar inserido numa prática discursiva, opera sob a ilusão de estar na origem do dizer, esquecendo-se de que os sentidos não nascem com ele, e, dessa forma, assume como seu, os diferentes discursos que articula em seu texto.

Essa ação do sujeito é responsável pelo efeito de unidade no texto, o que, segundo Orlandi (1988), constitui-se numa função do sujeito ao assumir a autoria.

Ressaltamos, porém, que não entendemos a autoria somente como função do sujeito, mas, sim, como um trabalho deste com a linguagem ao realizar um projeto de dizer, é, dessa forma, um espaço de intervenção no texto, em que o sujeito deixa pistas, indícios desse trabalho.

Dessa ótica, podemos inferir, baseando-nos em Possenti (2002), que o apelo aos variados recursos lingüísticos-discursivos, durante a produção textual, produzem efeitos de autoria quando agenciados a partir de condicionamentos históricos, pois só então passam a fazer sentido. O que significa dizer que tanto o modo como o sujeito enuncia, quanto às operações que realiza, ao inserir discursos correntes no texto, podem ser articulados no texto, de forma singular, de modo a evitar a simples repetição ou reprodução de modelos pré-estabelecidos de textos, quer em relação à estrutura composicional, quer em relação aos enunciados construídos, de forma que o sujeito produtor de textos ao singularizar-se também assume a autoria.

Em relação à observação de que o sujeito reforça sentidos já cristalizados ao inserir discursos correntes no texto, depreendemos a partir do exame comparativo das diferentes versões, que, em alguns textos, o sujeito ao enunciar assumiu e fez coincidir sua voz com a de um enunciador genérico, instaurando o efeito de monofonia no texto. Contudo, relembramos que não se trata de um sujeito consciente das determinações que incidem sobre o seu dizer; antes, na produção de um texto em que predomina o efeito de monofonia, tem-se, segundo observa Orlandi (1989, p. 45), “um sujeito cuja voz é mediatizada pelo discurso social, sede da monofonia”. Com isso, entendemos que o sujeito repete discursos, esquecendo-se de que estes são historicamente (socialmente) determinados e legitimados como se fosse sua própria voz a produzi-los. E por que faz isso? Em nossa compreensão entendemos que não há consciência de que se está repetindo. Trata-se, portanto, de um sujeito afetado pela ideologia, ou, na terminologia de Pêcheux (1975), de uma forma-sujeito. Em nossa proposta de análise, não quisemos desconstruir a noção de sujeito proposta por Pêcheux, isto é, a de um sujeito assujeitado ideologicamente, mas, sim, relativizar esse assujeitamento, na medida em que vemos uma brecha de ação para o sujeito; esse espaço constitui o da autoria.

Essa reflexão nos levou a inferir que os posicionamentos que o sujeito assumiu, ao produzir textos, podem se limitar a reforçar sentidos já cristalizados, caso o sujeito não saiba reconhecer e refletir criticamente tomando por base a posição a partir da qual

enuncia. Se, ao contrário, o sujeito problematiza o objeto discursivo, sendo capaz de relacioná-lo e confrontá-lo com os diferentes discursos que atravessam seu texto, nesse caso, não somente mantém o efeito de unidade no texto, mas, também, instaura novos sentidos.

Tendo em vista o exposto, neste trabalho, apoiamos as teses propostas por Possenti (2002) e por Baptista (2005) e, sendo assim, entendemos que a autoria pressupõe um modo singular de dar voz a outros enunciadores e de manter distância do próprio texto, e ainda, um movimento em direção ao co-enunciador e a produção de uma atitude responsiva do co-enunciador.