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A noção substantiva da economia de Karl Polanyi

4. Contribuição da Nova Sociologia Econômica

4.1 A noção substantiva da economia de Karl Polanyi

Karl Polanyi (1886-1964), tornou-se uma importante fonte de inspiração para a nova sociologia econômica e para a outra economia, pois passa a fornecer um conjunto de conceitos – incluindo a incorporação da economia social e os princípios econômicos plurais – (LAVILLE, 1994; LÉVESQUE, 2006). Em suma, Polanyi (1944) passa a contestar a ideia de que as leis do mercado são inalteráveis e, portanto, superiores a qualquer vontade de mudança.

Na obra “A Grande Transformação”, publicada originalmente em 1944, Karl Polanyi (1957) sustenta argumentos sobre a falência do sistema econômico – a economia de mercado – bem como o liberalismo vigente na Europa no século XIX. Para o autor, a partir do século XIX, devido à expansão da economia através da Revolução Industrial, ocorre uma “grande transformação”, isto é, o campo econômico separado das relações sociais. Tal Revolução, segundo o autor, com o progesso do capitalismo, trouxe mudanças radicais de valores na sociedade europeia, o que caracterizou uma transformação de esfera social. Neste contexto, o autor propõe a traçar o “mecanismo institucional da queda de uma civilização”, referindo-se ao fim desse sistema (POLANYI, 1957).

A fim de compreender a instituição do sistema, Polanyi (2000) torna a atenção para a sociedade e mercado na Inglaterra, no século XVIII, por considerar isto, o berço de tal. Deve- se lembrar que, neste interim, ocorreram complexas transformações na sociedade e mercado, ocasionadas, principalmente, por uma fé inabalável no progresso, por uma forte ênfase no utilitarismo e pela plena confiança de que o desenvolvimento econômico traria consigo a “cura” para os cíclicos problemas da sociedade.

Com a busca pelo progresso, vários fatores e condições, até então, inexistentes, passaram a serem considerados, a exemplo disto, considerar a terra, o trabalho e o dinheiro

em mercadoria. Ao tornar comercializável tanto a atividade humana, como a natureza onde ela se processava, segundo o autor, a sociedade estaria se submetendo ao mercado, e assim, à uma “desarticulação da vida social” (POLANYI, 1957). Para o autor, este período não diz respeito ao surgimento do mercado em si, mas, ao momento em que este se transformou no princípio organizador da sociedade.

Dentre as principais contribuições de Polanyi (1957), está a reflexão da dinâmica dos sistemas econômicos nas sociedades pré-capitalistas, a fim de explicar as motivações do homem enquanto ser social. De certa forma, o autor tece uma crítica às teorias clássicas e neoclássicas, incluindo as pressuposições de Adam Smith sobre o Homo economicus, sobre o comportamento econômico e racional, incluindo os preços e lucros como impulsionadores da economia na sociedade. Uma das críticas centrais à ciência econômica é a de que toda a ação humana teria por base o mercado, como lugar de livre troca e sendo motivado pelo interesse próprio dos indivíduos.

Não obstante, como bem afirma Laville (2009) a concepção de mercado “auto- regulador”, tal como preconizado por Adam Smith, engendrou graves problemas sociais, inclusive grandes disparidades entre riqueza e miséria (LAVILLE e GAIGER, 2009). Daí a crítica de Polanyi a este modelo de economia e afirmação de que a mesma é impulsionada por laços sociais, portanto, trata-se de um processo historicamente instituído (POLANYI, 1992).

Uma vez que o processo econômico é “instituído”, pois é definido pela interação social, entende-se que o mesmo se institui, portanto, pelas atividades sociais. Neste sentido, a economia está enraizada não apenas em instituições econômicas, mas, sobretudo, em instituições não econômicas.

O conceito de “embeddedness” – incrustação, imersão – formulado por Karl Polanyi, e devidamente, apropriado pela NSE (SWEDBERG, 2006), têm por pressuposto a ideia de que as economias – incluindo a capitalista – estão incrustadas na sociedade, ou seja, que as ações econômicas estão inseridas em redes de relações sociais. O autor explica que até o final do século XVIII em todas as sociedades é possível encontrar o sistema econômico imerso no sistema social. Para Polanyi a incrustação da economia implica em esta não ser autônoma e desvinculada da sociedade, antes submersa nas suas relações.

De certa forma, a Sociologia Econômica de Polanyi (1957) vem a questionar o enquadramento feito por economistas que reduzem a economia ao cálculo racional de recursos escassos versus as necessidades consideradas ilimitadas (LÉVESQUE, 2006). Desta forma, a sociologia econômica pode ser entendida como um conjunto de teorias que procuram explicar fenômenos econômicos a partir de elementos sociológicos, ou pensar os fatos

econômicos sociologicamente (GISLAIN E STEINER, 1995; SWEDBERG, 1994).

Polanyi (2000), como crítico da sociedade de mercado, considera, então, uma economia mais substantiva de interação entre o homem e seu ambiente para satisfação das necessidades. Considerar o fato econômico para além da noção de mercado ou troca mercantil, da visão utilitarista e dominante da economia capitalista, diz respeito a construir uma perspectiva mais ampla e plural da economia (LÉVESQUE, 2009).

A vertente da Sociologia Econômica, tanto a desenvolvida por Polanyi (2000) como por Mauss (2001), reconhece na economia uma pluralidade de princípios. Para os autores, desde as sociedades primitivas ou não mercantilizadas, as relações de troca eram pautadas por uma lógica que não, necessariamente, a mercantil e individualista. Isto é, o modelo de economia formal, na qual os indivíduos maximizam ganhos econômicos através da competição, não necessariamente se aplica a todas as sociedades. E mesmo na sociedade moderna, Polanyi (2000) afirma que a despeito da força de mudança impulsionada pela economia capitalista, outras atividades que pré-existiam não foram eliminadas, ou seja, a modernidade não excluiu a tradição.

Desta perspectiva, diferentes modalidades de troca coexistem em diversas sociedades, trocas que não somente a monetária. Na visão de Polanyi (1957), independentemente, da forma de organização da sociedade, o sistema econômico será sempre dirigido por motivações não-econômicas. Considerando tal pensamento, Polanyi afirma que o ganho e o lucro nunca foram impulsionadores da economia, nas sociedades que precederam historicamente o mundo capitalista, diferentemente, ao que pensava Adam Smith. Neste sentido, os mercados não desempenhavam um papel determinante, nem hegemônico.

A questão para Polanyi se pautava no fato de que o sistema econômico se referia a uma mera função da organização social. As pressuposições de Adam Smith de que a divisão do trabalho dependia da existência do mercado, o que justificava a permuta e a barganha, foram claramente discordadas por Polanyi. Este último, mostrou em seus estudos que a divisão do trabalho é um fenômeno antigo, presente em sociedades que se responsabilizavam pela sobrevivência do conjunto dos seus membros, justificando, assim, a manutenção dos laços sociais.

No entanto, uma vez que não exista motivações baseadas, exclusivamente, em instituições econômicas, para que se garanta a ordem na produção e na distribuição, Polanyi identificou dois princípios de comportamento nas sociedades que analisou: a reciprocidade e a redistribuição. Tais princípios, segundo o autor, eram sustentados por padrões institucionais

como a simetria e a centralidade. Daí a compreensão do autor de que a economia deve ser vista enquanto um processo historicamente instituído (POLANYI, 1992).

O processo econômico instituído, segundo Polanyi, diz respeito à interação, empiricamente construída, entre o homem e seu ambiente. O “instituído”, portanto, pressupõe as atividades sociais que formam este processo, sendo tais atividades contidas em instituições. Neste prisma, a economia está enraizada em instituições econômicas e não econômicas. Enquanto para a teoria neoclássica é o mercado que organiza e dirige a economia, para Polanyi, é a economia socialmente enraizada que organiza e limita as funções do mercado (POLANYI, 1957).

As próximas seções, deste capítulo, apresentam algumas abordagens e perspectivas analíticas da NSE. Sendo, a abordagem evolucionária neo-schumpeteriana (não foco deste estudo), o papel da rede e relação de atores, bem como o ambiente político-institucional.