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7. CASO 2 – A CIDADES SEM FOME

7.4 Ambiente Político-Institucional

A inovação social, que no seu início ocorre por meio de experimentos e tentativas, com o passar do tempo, tende a se institucionalizar (MAURER, 2011). Dos aspectos institucionais, deve-se mencionar as questões legais, isto é, a falta de apoio institucional da iniciativa socialmente inovadora. Embora significativos avanços tenham ocorrido, nesta direção, nos últimos anos, ainda persistem inúmeros desafios, neste sentido.

Um dos fatores inibidores identificados no processo de criação das hortas comunitárias, diz respeito ao reconhecimento da agricultura urbana e periurbana, em São Paulo, pois foi apenas em 2014, que o Plano Diretor Estratégico “reinseriu” o conceito de zona rural na cidade de São Paulo, que havia sido retirado do documento, em 2002. Assim, a legislação passou a reconhecer a existência de áreas rurais, numa parcela de 30% do total do município. Isso é importante não só pelas mudanças na organização do espaço, como também, na regulação e reconhecimento das atividades realizadas pelos produtores agrícolas. Vale dizer que as hortas implementadas pela Cidades sem Fome, influenciaram, significativamente, neste processo, conforme visualizado nos depoimentos a seguir.

A iniciativa das hortas comunitárias começou num contexto de quando ele (diretor da ONG) estava na Secretaria do Verde. Naquele momento, estava sendo discutido o Plano Diretor da cidade de São Paulo, revisão né. E nessa da revisão, se teve um grupo de pessoas que estava na Secretaria da Ciência, da Saúde e Secretaria do Planejamento, onde foi apresentado um projeto sobre agricultura ao pessoal do legislativo, mas como nenhum dos vereadores entendiam muito bem o que era a agricultura, essa relação da agricultura com o estado de São Paulo, passou né (Secretaria da Agricultura – Prefeitura de São Paulo).

A gente montou uma superestrutura de agricultura urbana dentro da prefeitura naquela época, a gente criou uma lei de agricultura urbana, a gente criou uma coordenadoria de agricultura urbana dentro da Secretaria do Meio Ambiente, em 2003 e 2004, criamos uma rubrica orçamentária que foi aprovada na Câmara – maior dificuldade, até essa coordenadoria tinha dinheiro pra investir em projetos de agricultura urbana, pela Prefeitura de São Paulo. Aí assim, tudo isso depois que mudou a gestão acabou, o pessoal não deu continuidade (Idealizador e Diretor – Cidades sem Fome).

Observa-se que, no processo de criação das hortas comunitárias, em 2002, havia um diálogo com a Prefeitura Municipal de São Paulo, sendo que parte deste debate se deu, pela influência do atual diretor da ONG, dada a sua atuação no Ministério do Meio Ambiente. Buscava-se discutir um Programa de Agricultura Urbana e Peri-urbana, durante o governo da Marta Suplicy, que regularizasse e administrasse as atividades dos agricultores, junto às áreas disponíveis, das concessionárias de energia, como a Eletropaulo. Segundo o secretário da Agricultura, o Programa chegou a ser aprovado, ao final do governo da Marta, incluindo um artigo de agricultura urbana, na revisão do Plano Diretor do Município.

Então nesse programa de agricultura urbana, estava-se montando uma estrutura pro gestor público poder ter instrumentos pra atender a população que estava nas periferias e que, também, não tinha condições dentro desse contexto, de poder ter acesso às áreas ociosas que estavam no município, pra estar podendo enquadrar, colocar os agricultores nesse contexto. Então assim, também estava encaminhando pra elaborar um Conselho, ligando o pessoal dos agricultores e o pessoal dos movimento urbanos pra estar monitorando. Só que como era o Conselho deliberativo e teve que ser realocado para o próximo governo, ou seja, não foi destinado pela Marta, então foi deletado. Mas com esse Programa, se deu um grande alento de políticas públicas, de marco legal (Secretaria da Agricultura – Prefeitura de São Paulo).

Com base no depoimento, observa-se uma clara resistência do governo em dar continuidade à proposta, pois ao mudar a gestão, não quis avançar nestas questões. A falta de apoio institucional, neste sentido, pode ser considerada um dos fatores inibidores no processo de implementação da iniciativa socialmente inovadora. Ainda assim, o fato de ter sido aprovado um Programa, respaldado na legislação municipal, segundo o entrevistado, é um ponto diferencial nesse contexto. Foi um avanço regulatório, neste sentido, pois mesmo com as dificuldades encontradas em relação ao gestor público, tais avanços possibilitaram uma base para as iniciativas desenvolvidas. Não obstante, deve-se mencionar que este e outros avanços institucionais, constituem uma construção histórica e que é devida, principalmente, ao esforço intencional de determinados atores. De acordo com Fligtein (2001), a disputa regular dos atores ou dos grupos de atores, podem contestar as formas tradicionais de se fazer as coisas e são capazes de criar novos cursos de ação.

A gente foi andando, mas, assim, com muita briga, muita discussão, no bom sentido da coisa, pra abrir essa temática da agricultura urbana. E assim, um dos grandes problemas, nossa, eu viajei umas 12 vezes pra Brasília, uma das coisas que a gente tinha dificuldade é que assim, tem a agricultura urbana e a agricultura familiar. A agricultura familiar é aquela que a gente tem no Brasil rural. Essa era reconhecida pelo Governo, pelo Ministério de Desenvolvimento Social e pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário, mas a agricultura urbana não era reconhecida. Ou seja, se você plantasse um pé de alface aqui perto de São Paulo, poderia participar dos

Programas do governo, mas se plantasse dentro de São Paulo, já não poderia participar dos Programas (Idealizador e Diretor – Cidades sem Fome).

Percebe-se que umas das alternativas encontradas, foi a de enquadrar a agricultura urbana junto a uma política pública já consolidada – o Pronaf, não obstante, o avanço deste processo, envolveu inúmeras resistências. Vale mencionar que o esforço envolvido nesta ação, tem relação direta com a finalidade da iniciativa, de conseguir apoio financeiro e institucional aos atores sociais localizados na periferia e sem nenhum apoio financeiro. Vale dizer ainda, que as iniciativas desenvolvidas, embora apoiadas pela ONG, carecem de outros recursos para o seu desenvolvimento, motivo pelo qual, buscou-se a sua inserção numa política pública nacional. Conseguir vincular atividades de agricultura urbana ao Pronaf, foi, sem dúvida, um dos grandes avanços, nesse processo. Em 2011, então, o Ministério de Desenvolvimento Social, passou a incorporar a agricultura urbana, dentro da categoria da agricultura familiar.

A gente ajudou a escrever uma portaria lá em Brasília e a coisa acabou fluindo. A partir daquele momento a coisa andou melhor pra gente. Então hoje, com essa entrada no Pronaf a gente faz parceria com o Banco de Alimentos da cidade de São Paulo, aí toda a sobra que a gente tem, a gente leva para o Banco de Alimentos e ele distribui pra sua rede credenciada de creches, de asilos, enfim, tudo entidades que trabalham com o terceiro setor. E isso de graça para o banco de alimentos, mas tudo o que foi fornecido para o banco de alimentos, o Pronaf paga os agricultores (Idealizador e Diretor – Cidades sem Fome).

Observa-se, assim, que a iniciativa socialmente inovadora, está diretamente relacionada a mudanças institucionais, seja "mudança nas estruturas culturais, normativas ou reguladoras" (HEINSTALLER, 2013; POL e VILLE, 2009). Neste caso, destacam-se as mudanças regulatórias que tem acompanhado a iniciativa, como resultado de atividades intencionais, empreendidas pelos atores para moldar o ambiente institucional (LAWRENCE et al., 2009). Além da articulação com a política pública do Governo Federal – o Pronaf, um outro avanço, foi o reconhecimento da agricultura urbana no Plano Diretor de São Paulo, conforme o depoimento que segue.

Só agora, em 2016, com a revisão do Plano Diretor, o pessoal alterou as regras do jogo e reconheceu a agricultura urbana, não só na Zona Sul, como na Zona Norte, na Zona Leste, então começa a reconhecer dentro do Plano Diretor, o marco legal. Continua o programa da agricultura urbana (PROAURP), dentro desse contexto. É essa a grande diferença da cidade de São Paulo, em relação às outras, que desenvolvem vários programas e operações de agricultura urbana, mas não no marco legal. Então o que acontece, quando muda o governo, acaba tudo. A vantagem dentro desse contexto é que hoje, em São Paulo, você tem marco legal, você está no

Plano Diretor, tem um programa né e, ao mesmo tempo, você tem essas ações que estão integradas com políticas de Governo Federal. Porque quando você é “Pronafiano” você não só tem a questão de crédito, abertura pra políticas e comercialização própria, você poder estar empoderando em questão do INSS. Então, você vai tendo condições desse empoderamento com o sujeito. Que é diferente de quando você está só fazendo um trabalho pontual, quando você recebe determinados recursos, mas quando termina esses recursos e você tem que abandoná-los, eles voltam pra situação de “insegurança alimentar”. Então são esses pontos que a ONG Cidades Sem Fome está avançada em relação aos outros, nessa perspectiva de poder ter uma continuidade (Secretaria da Agricultura – Prefeitura Municipal de São Paulo).

Na fala do entrevistado, percebe-se que o avanço legal é, de fato, crucial para o desenvolvimento e sustentação da iniciativa socialmente inovadora. A integração das hortas comunitárias – agricultura urbana – ao Pronaf, corresponde a um grande avanço, em termos regulatórios. Além do mais, esta mudança, trouxe outros benefícios, como o acesso ao crédito para a produção urbana, a distribuição do excedente à instituições e organizações credenciadas em programas governamentais e o desenvolvimento de parcerias com novos atores.

Não obstante, deve-se dizer que apesar dos avanços mencionados, ainda falta um diálogo consistente junto aos órgãos públicos. Segundo os entrevistados da ONG, a articulação com o poder público – prefeitura municipal, ainda tem sido um dos principais fatores inibidores da iniciativa, dado que não há nenhum apoio institucional, nem financeiro, nem mesmo, a disponibilização de recursos ou pessoas para auxílio no desenvolvimento das hortas, conforme segue.

A gente tem uma dificuldade bem grande, porque o poder público local não ajuda a gente muito sabe, a gente tem muita pouca parceria com eles. Então, praticamente a gente faz isso sozinhos e com outros atores, menos com a prefeitura, o que é ruim, muito ruim porque se você quiser transformar isso numa política pública você não tem o ator principal que é a prefeitura (Técnico Agrícola – Cidades sem Fome).

Dialogar sobre a inovação social, numa perspectiva institucional (REINSTALLER, 2013), permite compreender a ação empreendida, para além dos aspectos instrumentais, assim, a partir das relações e interações sociais, por sua vez, dotadas de significados, valores e normas (DIMAGGIO e POWEL, 1991). A iniciativa de hortas, baseadas na produção orgânica de alimentos, através de atores sociais excluídos e surgindo como alternativa, em contestação aos padrões convencionais de produção, carrega em si valores simbólicos e significados políticos-ideológicos, pois revela contra o que está reagindo (MOULAERT et al., 2010). Trata-se de um processo de (re)significação e (re)valorização das práticas agrícolas

desenvolvidas, deixando de ser um processo depreciativo e passando a ser uma atividade valorizada pelos consumidores.

Além das questões regulatórias, deve-se mencionar os valores e significados socioculturais que envolve tal iniciativa, pois a produção e comercialização orgânica de alimentos, traz consigo uma reorientação da produção e consumo de alimentos convencionais, para uma produção e um consumo consciente, baseado em princípios da sustentabilidade. Trata-se de uma reorientação de valores e práticas, aos atores envolvidos, o que remete aos aspectos socioculturais e normativos da iniciativa socialmente inovadora.