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Capítulo 5. A variação na Estratégia do Setor de Recursos na década de 2000

5.6. A nova lei de hidrocarbonetos: acirrando a polarização política

Após a aprovação do referendo, ficou claro que o Congresso tinha aspirações distintas do Executivo. Em primeiro lugar, os partidos tradicionais estavam cientes da crise de representação que os atingia, assim, buscavam harmonizar suas preferências com as da população. Ou seja, o parlamento estava disposto a suportar decisões mais sensíveis à estatização do que aos IEs. Estava claro, portanto, que a elevação da carga fiscal e a recuperação dos hidrocarbonetos na boca de pozo eram medidas necessárias. Em segundo lugar, a distância de Mesa em relação ao Parlamento produziu a hegemonia do Legislativo na condução da política. Se o governo não possuía a maioria no Congresso, então os partidos tinham de organizar a sua própria pauta.

Desse modo, o MIR, o MNR e a ADN, estava de acordo com a nova taxação, que serviria como um fim para a questão dos hidrocarbonetos, pois deixaria intacto o sistema de propriedade e proveria mais recursos para o Estado. O NRF, por sua vez, desde a votação do referendo defendia um sistema misto: o governo deveria nacionalizar 60% dos hidrocarbonetos e deixar 40% nas mãos das empresas estrangeiras. Por sua vez, o MAS defendia a completa nacionalização dos hidrocarbonetos e a elevação dos royalties para 50% a serem cobrados de maneira imediata das empresas que operavam no país. Nas ruas, os sindicatos, em especial a COB e o CSUTCB, também pleiteavam as mesmas demandas do partido de Morales.

Durante meses, a falta de consenso atrasou a aprovação da nova lei. Contudo, em 05 de maio, o Congresso aprovou a nova lei, n°3058. De plano, ela instituía a criação do Impuesto Directo a los Hidrocarburos (IDH) no valor de 32% a entrar em vigor na data da publicação. Na prática, o IDH era um imposto similar ao royalty, já que tinha a mesma base de arrecadação do anterior (arts. 53-55 da lei n° 3058), porém se diferencia em relação à distribuição da sua arrecadação. Outra medida presente na nova lei, obrigava as companhias estrangeiras que passaram a operar no país a partir da lei

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1.689 a renegociar os seus contratos com o Estado boliviano num prazo de 180 dias a partir da publicação (art. 5°). Por fim, dispunha sobre a refundação da YPFB, através da recuperação da propriedade estatal sobre as ações das empresas petrolíferas capitalizadas, a fim de que a nova companhia estatal pudesse operar (art. 6°).

A aprovação da nova lei de hidrocarbonetos pelo Congresso causou um sério constrangimento ao governo, que culminou na renúncia do presidente Mesa. O resultado final estava mais próximo do ponto ideal do MAS do que do ponto ideal do poder Executivo. A elevação imediata do imposto e a imposição da renegociação dos contratos com as empresas estrangeiras deixavam clara a vontade do Congresso em alterar a estratégia de desenvolvimento do setor de recursos naturais de P2 para E2. Todavia, restava uma última saída legal para a situação. Pelo art. n° 76 da Constituição de 1967, o presidente tinha o prazo de dez dias para aprovar, emendar, vetar ou não se pronunciar sobre a legislação aprovada pelo Congresso. No caso de Mesa restavam duas alternativas, ambas delicadas. Por um lado, poderia vetar a legislação e, com isso, impor o quorum de 2/3 dos membros do Congresso para aprovar a lei n°3.058. No entanto, a opção pelo veto desencadearia uma intensa onda de protestos populares. Por outro lado, poderia abster-se de sancionar a lei, o que significaria o apoio tácito à nova lei.

Em verdade, Mesa estava encurralado politicamente. Nas ruas, os movimentos sociais e os sindicatos clamavam pela nacionalização. No Legislativo, o MAS e o MIP ecoavam as vozes das ruas e os outros partidos faziam coro às medidas. No Executivo, os IEs, através da Câmara dos Hidrocarbonetos, ameaçavam buscar a arbitragem internacional e interromper os investimentos no setor de hidrocarbonetos. A opção de Mesa foi sintomática: resolveu abster-se.

Dessa forma, no dia 10 de maio de 2005, a lei voltou ao Congresso sem a assinatura do presidente, que, em contrapartida à abstenção, sugeriu a criação de um Fórum Nacional a ser realizado no dia 16 de maio para deliberar sobre a questão. Foram convidados o Congresso, o Judiciário, os Comitês Cívicos Departamentais e a Igreja Católica. Entretanto, nem o Judiciário nem o Legislativo apoiaram tal medida, visto que nas ruas os protestos e os bloqueios às estradas se multiplicavam. Perante o impasse, no dia 16 de maio um protesto liderado pelo MAS partiu de Caracollo em direção à capital La Paz. No dia 17 de maio, o presidente do Senado Hormando Vaca Diez, assinou a nova lei, mas a animosidade social não foi aplacada. Os sindicatos, as organizações indígenas e os partidos exigiam a imediata estatização da indústria de gás e petróleo.

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Sem controle sob o governo, no dia 6 de junho de 2005, Carlos Mesa, que já havia oferecido o cargo ao Congresso em março do mesmo ano, mais uma vez remeteu à casa legislativa o intento de resignar o cargo. Aceita a renúncia, nenhum dos sucessores legais – o presidente do Senado e da Câmara dos Deputados – pôde assumir o cargo, em virtude dos protestos populares, visto que os dois eram ligados ao ex- presidente Lozada. Dessa forma, o presidente da Suprema Corte, Eduardo Rodriguez, assumiu interinamente o governo e logo enviou ao Congresso uma proposta de emenda constitucional antecipando a eleição, a ser realizada em 2007, para dezembro de 2005. Com largo apoio entre os partidos – os 2/3 necessários para a aprovação –, em 6 de julho ficou estabelecida uma nova eleição para o dia 4 de dezembro.

Em virtude dos novos acontecimentos, o aumento dos impostos instituídos pela nova lei foi aplicado, porém as decisões envolvendo a estratégia de desenvolvimento dos recursos foram adiadas para o novo governo.