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Capítulo 3. O caso da Bolívia: histórico de dependência dos recursos naturais (1952-

3.1. A revolução de 1952 e o início do estado rentista boliviano

3.1.7. A YPFB: da ditadura à transição do regime

O desenvolvimento da Bolívia após os anos 1970 não pode analisado sem considerar do papel da Empresa Estatal YPFB. Superando o período de grande estagnação da sua primeira fase de operação, a companhia passou a ter importância decisiva para a política e economia do país com a estratégia de desenvolvimento adotada durante a gestão do General Hugo Banzer. Nesse período, a produção da companhia chegou ao seu ápice, produzindo 47.000 bpd (tabela 3.1), e superou o estanho como principal produto de exportação do país. Pela primeira vez na história da Bolívia havia um boom dos recursos naturais – que resultou em um profundo crescimento do país nos anos 1970, seguido de uma profunda estagnação nos anos 1980.

Alguns fatores foram contumazes para o êxito do setor de recursos naturais durante a gestão Banzer: a) a elevação dos preços do petróleo a partir de 1973-1974; b) a venda de gás natural para a Argentina, a partir de 1972; c) a exploração das reservas descobertas pela Gulf Oil no período anterior à estatização; d) a duplicação do preço do estanho no mercado mundial. Com isso, o país teve um ganho de 40% em termos de comércio entre 1974-1978 comparação com o período entre 1970 e 1973127. Do mesmo modo, a razão das exportações pelo PIB cresceu 12.1% no período.

O oportunismo político de Ovando havia deixado a YPFB numa boa posição de reservas de petróleo e gás natural. Ademais, as reservas descobertas pela Gulf Oil nos anos anteriores determinaram o ritmo de extração da companhia estatal nas décadas seguintes. Ciente da necessidade de atrair investimentos para o setor de hidrocarbonetos e estanho o governo de fato promoveu a edição de um novo código de petróleo em 1972. Assim, mais uma vez redefiniu-se a estratégia de desenvolvimento para o setor de hidrocarbonetos vigente na Bolívia: a E2.

A escolha da estratégia Estatização com presença de IEs (E2) cumpria dois objetivos. Por um lado provia entrada de investimentos na indústria de recursos naturais. Por outro, mantinha o setor de recursos sob a tutela do Estado, dando maior

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Ao lado de Estenssoro, a liderança de Banzer foi crucial para a volta à democracia do país nos anos 1980, mesmo que na década de 1970 tenha sido o ditador mais longevo da história boliviana.

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AUTY, R. M. (1993). Sustaining Development in Mineral Economies: the resource curse thesis. New York: Routledge.

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discricionariedade nos gastos através das EEs. Diante do boom, o governo pôs-se, então, a gastar as receitas geradas pelo petróleo e estanho. Mas em vez de investir no fortalecimento da indústria de recursos para garantir proventos em longo prazo, Banzer utilizou as rendas para manter-se no poder e produzir crescimento da economia128, através de generosos benefícios tributários ao departamento de Santa Cruz129, da expansão dos empregos públicos130 e da tomada de empréstimos que chegaram a 50% do PIB131.

Esse governo é tomado como o ápice da estratégia patrimonialista iniciada pelo MNR132. O setor de recursos operou uma função chave na cooptação dos grupos sociais. Na presidência da companhia estatal YPFB, Rolando Prada, cunhado de Banzer, criava condições de convergência decisória entre EE e a EGs. Por sua vez, como os IEs conseguiram pouco êxito na exploração de novas reservas durante o período, acentuaram ainda mais o papel da YPFB. Dessa forma, a estratégia de desenvolvimento adotada por Banzer o permitiu ter bastante influência na utilização dos recursos advindos do setor de petróleo - e também do estanho através da COMIBOL. Philip (1982) aponta para o relato de um tecnocrata da YPFB:

YPFB is used by the Central Government in order finance projects which are totally alien to the commercial nature of the agency (transfer to public pension-holders and war veterans, covering of certain of Central Governments deficits, etc.) without mentioning the employment of personnel for political reasons (Philip, 1982, p. 460).

O aprofundamento da lógica de apropriação das receitas dos recursos causou graves danos políticos e econômicos para o país na década seguinte. Por essa razão, Auty (1993) afirma que a Bolívia oferece um claro exemplo de maldição dos recursos na década de 1970, quando políticas disciplinadoras foram preteridas pela busca de gastos desenfreados com os recursos.

Pelo lado político, a manutenção do regime autoritário através de uma rede patrão cliente havia transformado o Estado num predador “e o líder e seus séquitos em rapinas da sociedade”133. A queda da produção de petróleo, no ano 1977, e do preço das commodities minerais no mercado mundial levou o país a uma recessão econômica. Com isso, Banzer não conseguiu mais segurar a ação da sociedade civil organizada

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Klein: 2006, nota que mesmo diante de várias posturas antidemocráticas, o apoio popular a Banzer advinha do crescimento economico dos recursos.

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Esse departamento foi a locomotiva do crescimento econômico boliviano naqueles anos.

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Morales, 2003

131

Idem, ibid, 1993.

132

Cf.Gamarra e Malloy 1997 e Gamarra, 2003.

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contra o regime. A Bolívia, que saía do regime militar, continuava dependente dos recursos minerais para manter a economia, mas demonstrava uma grande desconfiança dos regimes autoritários, que se mostraram tão ineficientes quanto os governos civis em manejar a economia134.

Em suma, a transição para a democracia aponta como a dependência do Estado boliviano em relação aos recursos naturais – estanho, petróleo e gás natural – está associada ao desenvolvimento político e econômico do país. Desde a revolução de 1952 até o último governo militar, em 1978, a estratégia de desenvolvimento dos recursos naturais foi um ponto determinante para definir como o Estado poderia desenvolver a indústria de recursos e como poderia se apropriar das receitas da exploração. A opção da Estatização com menor controle estatal (E2) foi a principal estratégia pós- revolucionária, embora em alguns momentos o forte nacionalismo dos grupos mais à esquerda levasse à adoção da estratégia Estatização com maior controle estatal (E1). Ao mesmo tempo, E2 teve um papel muito importante ao permitir que os IEs aportassem capital e tecnologia para o setor de recursos naturais, visto que o Estado não dispunha de grande capacidade de investimento. O resultado mais notável de E2 foi relativo ao setor de petróleo, no qual as reservas descobertas pelos IEs permitiram o pico de exploração da companhia estatal na década de 1970, período do boom dos recursos da Bolívia. E1, por sua vez, permitiu que o Estado se apropriasse da estrutura deixada pelos investidores nacionais, no caso das minas de estanho, e dos IEs, no caso do petróleo em 1936 e em 1969.

Portanto, destacamos, no período, um viés estatizante em relação aos recursos por parte das EGs, pressuposto que informa a discussão do caso contemporâneo da Bolívia135. Mas, sem dúvidas, devemos levar em conta que, durante o período analisado acima, o autoritarismo decisório alijou a População (demandante indireta) do processo de formulação da estratégia de desenvolvimento para os recursos naturais. A inclusão desse ator na política durante o regime democrático modificaria a maneira de lidar com a estratégia de desenvolvimento do setor de recursos.

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GRINDLE, M. S. (2003). Shadowing the past? Policy Reform in Bolivia, 1985-2002. In: M. GRINDLE, & P. DOMINGO, Proclaiming Revolution: Bolivia in Comparative Perspective (pp. 318- 344). London: Institute of Latin American Studies.

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Importante frisar que o viés estatista em relação aos recursos naturais está afinado com o tipo de nacionalismo econômico dos países latino-americanos do pós-Segunda Guerra. Entretanto, a ênfase no setor de recursos ocorre devido à extrema proeminência deste para a economia boliviana desde a colonização. Logo, o nacionalismo boliviano guarda grande ligação com a indústria dos recursos naturais.

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