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Capítulo 3. O caso da Bolívia: histórico de dependência dos recursos naturais (1952-

3.1. A revolução de 1952 e o início do estado rentista boliviano

3.2.4. A crise econômica dos anos 1950

O contexto econômico no qual o MNR assumiu o governo era bastante frágil. A economia do país dependia quase exclusivamente da indústria do estanho e, por conseguinte, a situação dessa indústria definia o passo da economia do país. Como nota DeShazo (2008), quando o governo de Paz Entessoro assumiu o poder, em 1952, a indústria de estanho já estava em declínio: os preços do estanho no mercado internacional baixaram significativamente e a mão de obra tinha um custo comparativo muito elevado. Ademais, a estatização produziu uma rápida deterioração administrativa do setor devido ao seu aparelhamento. Após a chegada do MNR ao poder, a força de trabalho do setor passou de 24.000 postos, em 1951, para 35.000, em 1956, sem haver correlata elevação da produção98. Por tal razão, os custos fixos da produção se elevaram: em 1958 os ganhos do setor eram menos da metade dos ganhos obtidos em 1952.

Segundo Morales (2003), o estresse fiscal que se seguiu à nacionalização era agravado pelo fato de que todo o aparato estatal já não funcionava bem e que o regime era assessorado por burocratas inexperientes indicados politicamente. “Enquanto nos anos 1950 o PIB da América Latina crescia, o PIB boliviano decresceu 20% entre 1952- 1957”99. De forma correlata, entre 1950 e 1959 a COMIBOL teve déficit de US$ - 312.884.295,60100. Embora a COMIBOL representasse apenas 4% dos empregos do país101 nos anos 1950, a sua importância para economia era enorme. O estanho respondia por 80% das exportações bolivianas nos anos 1950 e também por 60% do

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As medidas de ajuste na indústria de estanho tomadas por Estenssoro em 1960, que resultou no afastamento da COB e da FSTMB da COMIBOL, levaram os setores de esquerda do partido a se revoltarem contra o MNR. Assim, com a hegemonia do partido rachada, as tensões sociais se avolumaram ao ponto do vice-presidente, General Barrientos, dar um golpe de Estado para controlar a situação.

97

Gamarra e Malloy, 1997, p. 331.

98

Dunkerley, 1984, p. 25 apud Dunning, 2008, p. 240.

99

Morales, 2003, p. 217

100

SANG-HYUN, Y. (May de 2006). The Political Economy of Public Enterprise Reform: a comparative study of mineral sector cases in latin america. Dissertation of Doctor of Philosophy University of Texas at

Austin . 101

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orçamento do governo central. Grande parte dessa receita advinha de taxas indiretas sobre a deficitária COMIBOL durante todos os anos do governo do MNR e no posterior governo militar.

Em verdade, o modelo corporativo de representação tinha uma fatura política elevada: se por um lado o MNR tinha de lidar com uma grave crise fiscal, por outro tinha de aplacar a sede pela distribuição de proventos dos seus parceiros políticos. Sem dúvida, a estatização da economia102 foi crucial para definir os rumos do patrimonialismo103. A forte presença do Estado na economia dificultou a geração de empregos no seio da classe média urbana, essencial para estabilização do regime político. Num país cuja principal atividade econômica era a extração dos recursos naturais, a forma de financiar a classe média era através da concessão de empregos nas Empresas Estatais e de outros tipos de benefícios desagregados – financiamento de empresas pouco competitivas, proteção do mercado interno, etc.

Desse modo, a revolução do MNR, que causou a variação da estratégia em direção à estatização, representou uma nova forma de redistribuir recursos para os demandantes indiretos. E1 facilitava a entrega de benefícios concentrados a custos difusos. Ao mesmo tempo, gerou no país a dificuldade de diversificar a sua economia e de constituir laços de representação que não estivessem mediados por forças corporativas. A dependência econômica do estanho expôs o país ao malogro da volatilidade dos preços das commodities.

Devido a essa grave crise econômica da década de 1950, o país busca o auxílio financeiro dos Estados Unidos e do Fundo Monetário Internacional (FMI) para equilibrar as suas contas – a partir de então, o envio de ajuda econômica dos Estados Unidos torna-se fonte expressiva de receita para o Estado boliviano104. A debilidade orçamentária que marcou o governo desencadeou uma urgência política em desenvolver

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Embora a COMIBOL representasse apenas 4% dos empregos do país na época (Morales, 2003) a sua importância para economia era enorme. O estanho respondia por 80% das exportações bolivianas nos anos 1950 e também por 60% do orçamento do governo central. Morales (2003) aponta que a quantidade de taxas indiretas sobre o setor de estanho elevavam a fatia do estado sobre a receita deficitária da COMIBOL durante todos os anos do governo do MNR.

103

Gamarra e Malloy, 1997

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PHILIP, G. (1982). Oil and Politics in Latin America. Melbourne: Cambridge University Press. Durante toda a década de 1960 a ajuda norte americana a La Paz excede as rendas arrecadadas pelo Estado através de tributos. Não se pode excluir, é claro, o grande poder de influencia deste país sobre os rumos políticos da Bolívia nessa década e nas décadas subseqüentes, porém devemos deixar claro que as decisões do setor de recursos naturais mexem com o ímpeto soberano das nações. Além disso, deve-se pontuar que o contexto da Guerra Fria dos anos 1960 ajuda a entender parte da benevolência americana em relação ao país andino, já que no ano de 1961 a Bolívia negou um empréstimo de U$100 milhões da União Soviética.

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o sistema de recursos, porém o Estado não possuía capital suficiente para explorar novas reservas e pesquisar novas tecnologias de produção105– afinal, a má gestão da COMIBOL tinha agravado a crise.

Além disso, uma das condições impostas pelos Estados Unidos ao envio de ajuda financeira à Bolívia foi retirada do monopólio de exploração da YPFB. Para tanto, enviaram ao país o escritório de advocacia Davenport, responsável por formular o novo código de petróleo106 de 1955, abertamente favorável aos estrangeiros107. O Código de Petróleo de 1955, sem dúvidas, foi bastante benevolente com os IEs, sobretudo em razão do histórico de instabilidade política do país, do excesso de petróleo no mundo e da incerteza de produção decorrente da geologia boliviana (Philip, 1982). Porém, Philip (1982) afirma que não se pode considerar essa questão como apenas uma ordem estrangeira contra a soberania do país, pois atesta que não houve oposição alguma ao Código de Petróleo no momento de sua edição. O novo marco legal modificou a estratégia de desenvolvimento dos recursos no país abrindo as portas do país para a entrada de empresas estrangeiras na exploração do petróleo e estanho: Estatização com sem controle estatal (E2).