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Capítulo 5. A variação na Estratégia do Setor de Recursos na década de 2000

5.3. Os partidos indígenas e a polarização da competição política

A tabela 5.1 aponta um avanço eleitoral significativo dos partidos indígenas (MAS e MIP) nas eleições nacionais a partir dos anos 2000. Todavia, esse processo já podia ser visto na eleição nacional de 1997, quando alguns líderes locais, dentre eles Evo Morales, haviam sido eleitos como representantes do Congresso. Esse fato tem direta associação com a politização dos movimentos indígenas e dos camponeses decorrente da promulgação da lei de Participação Popular, n° 1.551. A pletora de manifestações e protestos ocorridos durante o governo Banzer é sintomática desse novo movimento: a representação política dos partidos tradicionais estava fragilizada.

Seguindo o argumento de Downs (1999), a mobilização dos vários setores insatisfeitos e sub-representados na sociedade, como o sindicato dos trabalhadores informais, o sindicato dos professores, os trabalhadores campesinos ligados à produção de coca e os movimentos indígenas resultou na emergência de novas agremiações políticas que pudessem contemplar um novo padrão ideológico. As mobilizações contra a política pública de erradicação da coca e contra a privatização da distribuição de água explicitavam uma nova preferência política da população que prontamente encontrou respaldo nos novos partidos à esquerda. Havia, nessa gênese partidária, uma reação contra todo um histórico de exclusão social e étnica dos grupos indígenas267.

Mayorga (2006), Salman (2007) e Dunkerley (2006) ressaltam a natureza anti- sistêmica dos novos partidos indígenas, que questionavam as instituições democráticas através da busca de um modelo de representação política direta. Segundo Mayorga (2006, p. 159) essa natureza se deve ao fato de postularem “not only on ethnic political representation but on a radical restructuring of the state (...), a political struggle whose logic of action can be defined as ‘the ethnic demarcation of limits’”.

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Conforme mencionamos, a demonstração mais vívida dessa nova visão de Estado ocorreu na Guerra da Água, que marcou o surgimento de um novo ideal de esquerda para o povo boliviano268. Sindicatos campesinos, professores, sindicatos dos trabalhadores e setores informais269, insatisfeitos com os magros resultados sociais e econômicos, paralisaram as principais regiões do país, o que representou uma grande derrota do Estado, incapaz de mediar os conflitos. A agenda desses grupos, antes apáticos na política, reflete as demandas de uma sociedade heterogênea e desarticulada, na qual a maioria indígena, que não logrou ascender ao status de cidadão270, reagia contra a exclusão econômica e étnica de séculos. Guimarães, Domingues e Maneiro (2005, p. 6) enfatizam que, após esse episódio fundamental na vida política boliviana recente, as massas indígenas aumentaram a sua hostilidade em relação ao Estadoe a todo o seu entorno institucional. Como os partidos tradicionais não representavam essa nova realidade, os novos partidos ligados ao movimento indígena e campesino surgiram na esfera eleitoral.

Dentre as agremiações que emergiram como portadoras do novo posicionamento ideológico da população, destacam-se o MAS e o Movimiento Indígena Pachakuti (MIP). Em comum, os dois partidos são marcados pela estreita relação com o sindicalismo das classes rurais – indígenas e campesinos. Segundo Guimarães, Domingues e Maneiro (2005), o MAS e o MIP, na sua gênese, não se consideram partidos, mas sim instrumentos de intervenção na vida política nacional dos sindicatos. Por tal característica, a literatura rotula-os como anti-sistêmicos, em que as atribuições de representação institucional coexistem com a militância dos movimentos sociais. Ambos guardam em seus discursos um desacordo com as regras democráticas e utilizam muitas vezes métodos coercitivos e violentos contra o Estado para alcançar as suas demandas.

O MAS surge na esteira da Coordinadora de Productores de Coca, que reunia seis federações dos plantadores de coca de Cochabamba sob a liderança de Evo Morales. Convertida em partido nas eleições legislativas de 1997, a Coordinadora elege quatro deputados, dentre os quais Morales. Nas eleições municipais de 1999 expande o seu poder, ao eleger prefeitos de trinta municípios. Como oposição ao governo Banzer, Morales alcança êxito ao organizar e liderar a Guerra da Água, no ano 2000. Camargo

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Nesse sentido: Guimarães, Domingues e Maneiro (2005), Camargo (2006), Mayorga (2005)

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Mayorga, F, 2007

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(2006) evidencia que a crescente força da liderança de Morales levou o governo de Quiroga – vice-presidente que assumiu após o afastamento de Banzer – a articular a cassação do líder indígena no Congresso. Em que pese a tentativa de enfraquecer a liderança de Morales, a medida o fortaleceu politicamente para as eleições presidenciais de 2002. Ao lado disso, o discurso mais flexível e moderado do indigenismo nacionalista do MAS auxiliou o partido a angariar votos.

O MIP, por sua vez, nasceu sob a liderança do índio aymara Felipe Quispe, presidente da CSUTCB a partir de 1998. Após assumir o sindicato campesino, Quispe o transforma na tropa de choque indígena271, fato que o projeta politicamente por toda a região do Altiplano – com maioria da população indígena. Com a fundação do MIP, no ano 2000, surge a ideia de destruição da Bolívia dos brancos e mestiços e o nascimento de um novo país onde haja o autogoverno indígena. Ao contrário do MAS, o MIP se caracterizou pelo radicalismos e inflexibilidade das suas posições. Por essa razão, coube às lideranças do MAS quebrar a barreira com o eleitorado urbano nas eleições de 2002 e 2006, como observamos através da expressiva votação do partido nessas eleições. Sem dúvida, o MAS teve maior destaque eleitoral, pois, além da agenda indigenista compartilhada com o MIP, sintetizou o veio de reformulação estatal presente na população do país naqueles anos, já que promovia um discurso contra o capital internacional, contra as privatizações e contra a NPE. Já o MIP permaneceu como uma agremiação de caráter contestador ao sistema vigente, mas com menor ímpeto eleitoral.

A inserção desses partidos e a decadência de agremiações que tinha sido importantes na consolidação democrática, como o CONDEPA e a UCS, conduziram o país a uma polarização política, em lugar do multipartidarismo moderado nascido em 1985. Os dois partidos indígenas, o MAS e o MIP, mesmo portadores de um discursos anti-sistêmico, passaram a ser fundamentais para assegurar a pouca estabilidade política que havia no país naquele momento, já que 1/3 da população apoiaria um golpe de Estado diante da elevada crise social272.