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Capítulo 5. A variação na Estratégia do Setor de Recursos na década de 2000

5.2. O Governo Banzer/Quiroga (1997-2002): início da crise

Mesmo tendo aprovado um amplo pacote de reformas com o intuito de beneficiar a população, o MNR de Lozada não conseguiu eleger o seu candidato na eleição de 1997 – em grande parte por conta da impopular política de capitalizações256. O sucessor, eleito pela população e pelo Congresso, foi o ex-ditador Hugo Banzer Suarez (1997-2002), que havia governado o país entre 1972-1978. Novamente, esse antigo líder voltava ao poder, porém numa situação distinta daquela vivenciada na década de 1970, momento do boom dos recursos no país – a saber, uma profunda crise política e econômica.

Na esfera econômica, a agenda da NPE encontra pouco respaldo perante a população257. O crescente déficit público não consegue ser debelado e uma crise econômica abate o país – a despeito da entrada de dólares por conta dos investimentos externos. Se entre 1990 e 1998 o PIB cresceu em média 4,4% ao ano, o resultado dos anos seguintes, entre 1999 e 2002, cujo crescimento médio foi de 1,7%258, demonstrou- se fatal para o otimismo da população em relação às reformas econômicas empreendidas a partir dos anos 1980. Afinal, as promessas de desenvolvimento social não repercutiram na sociedade: no fim dos anos 1990, 65% da população ocupava empregos informais, 62,7% estava abaixo da linha da pobreza e o PIB per capita não passava de US$ 900,00. Em outras palavras, o país havia estagnado socialmente.

255

Mayorga, 2006.

256

Camargo (2006) aponta o cansaço da população em relação às reformas promovidas durante os anos 1990.

257

Idem, 2006.

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Na esfera política, também havia alguns entraves. Embora Banzer possuísse uma coalizão numericamente confortável –85% das cadeiras do Senado e 73% dos assentos da Câmara dos Deputados259, ela estava fundada numa extensa teia clientelista260, na qual a diversidade ideológica dos partidos contava menos do que a sede por cargos e outros benefícios. Por conta disso, faltava uma ao governo orientação política clara de como iria solucionar os diversos dilemas sociais e econômicos. Não é sem razão que o seu governo teve como marca notória a administração de diversas crises políticas e sociais261 – foram, em média, 3.450 eventos conflitivos entre 1995 e 2002262.

Segundo Mayorga (2005), o quadro de profunda instabilidade social e política que caracteriza o governo Banzer decorre de uma complexa mistura de problemas conjunturais e estruturais, a saber, a fragilidade das estruturas do Estado em responder aos problemas sociais, a debilidade econômica e os padrões clientelistas da política partidária. De fato, a conjuntura política operou um papel negativo para a crise, já que o modo como o ex-ditador conduzia o processo agravava a situação. Um exemplo claro disso foi a gestão temerária em relação ao cultivo da coca – aspecto bastante expressivo da vida campesina boliviana. Sob intensa pressão do Departamento de Estado dos EUA, o governo – que sempre dependeu da ajuda financeira desse país – promoveu uma dura política de erradicação do plantio da coca. Como resultado, a repressão causou uma queda real de 4% do PIB263 e provocou uma intensa oposição do movimento cocalero organizado sob a liderança de Evo Morales, então deputado eleito.

A combinação de uma gestão temerária para a questão social com as debilidades estruturais do Estado boliviano fez com que a pressão popular alcançasse um estágio somente visto no auge da crise econômica e política entre 1982-1985, durante o governo de Siles Zuazo. Inúmeros protestos nas ruas, bloqueios de estradas e greves de fome mobilizaram diversos setores organizados da sociedade. Além dos camponeses e indígenas, com maior espaço e articulação política para canalizar as suas demandas após a lei 1.551, os comitês cívicos departamentais e as corporações sindicais entraram na agenda de protestos. Por sua vez, outras questões não permitiam que o Estado respondesse de forma rápida às crescentes demandas sociais – a maior parte relacionada aos problemas econômicos.

259

Corte Nacional Electoral. Disponível em: < http://www.cne.org.bo/>. Acesso em: 25 de jan. 2011.

260

Mayorga (2005) aponta que a coalizão do ADN estava fundada em patronagem.

261

Camargo (2006).

262

Taborga, 2005, p.9. Na verdade, o conflito social, que havia sido iniciado com as reformas de Lozada (1993-1997), se agravou durante o governo de Hugo Banzer (1997-2002).

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Em primeiro lugar, havia a dificuldade de formar consenso no Congresso. Durante todo o mandato, a megacoalizão de Banzer esteve marcada por desentendimentos entre os partidos membros, o que resultou na saída precoce do NRF e do CONDEPA do consórcio do governo. Em parte, essa insatisfação derivava da incapacidade do governo em satisfazer a sede por cargos dos aliados, já que a fonte de recursos extraíveis do Estado havia secado, após a intensa onda de privatizações264 da década anterior. Em segundo lugar, a insatisfação da população com a capitalização das EEs, promovida por Sánchez Lozada, crescia com a ausência de resultados de curto prazo – ou seja, ganhos fiscais para o Estado e a criação de milhares de empregos. Como agravante, o governo Banzer não estava disposto a encarar os custos de uma mudança na estratégia de desenvolvimento do setor de recursos, pois os compromissos assumidos com empresas e financiadores internacionais265 o constrangiam. Em terceiro lugar, a proliferação de protestos de natureza anti-sistêmica – propondo mudanças radicais na ordem legal e estatal – asfixiava o poder decisório, que não podia aliviar a pressão existente através de meios institucionalizados. Essa clara dificuldade em responder às tensões sociais crescentes foi fundamental para questionar a legitimidade do projeto político iniciado a partir de 1985.

A Guerra da Água, no ano 2000, incorpora esses aspectos, num notável sintoma da manifestação popular contra as políticas do governo central. Seguindo a agenda da NPE, o governo Banzer privatizou, sem consulta pública, o serviço de água das áreas da La Paz e El Alto para a empresa americana Bechtel Holdings. Diante da elevação das tarifas de água decorrente de tal processo, a população, com o decisivo apoio dos novos partidos à Esquerda, passou a contestar o mérito da concessão. A revolta contra a privatização tomou dimensões inesperadas, que incluíam bloqueios das estradas por todo o país, e culminou na expulsão da companhia americana do país. Contudo, o resultado mais palpável dessa manifestação foi o nascimento de um sentimento nacionalista de esquerda compartilhado pela população266. Como veremos no próximo tópico, a Guerra da Água simboliza a emergência real de uma nova classe de atores políticos no país andino.

264

As EEs, além de serem fontes potáveis de recursos financeiros ao Estado, forneciam muita munição política para cooptar grupos políticos através da indicação de cargos (Mayorga, 2005; e Gamarra, 2003).

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Os compromissos assumidos com os investidores internacionais e com os outros governos

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Camargo (2006) vê o cansaço coletivo da população boliviana com as reformas neoliberais. Lins (2009) vê um movimento que mescla a esquerda rural e urbana, com o sindicalismo e a etnia, portador de um discurso anti-neoliberal e anti-imperialista. Mayorga (2005) vê a deterioração da articulação entre partidos e sociedade civil. Guimarães, Domingues e Maneiro (2005) também apontam para o surgimento de um novo ciclo de lutas sociais.

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Apenas ao fim do governo a pressão social foi aliviada. Em 2001, Hugo Banzer é obrigado a se afastar do cargo por conta de um câncer terminal. No seu lugar assume o vice-presidente, José Quiroga, um tecnocrata que conseguiu manter-se afastado das crises políticas ao priorizar a gestão econômica. Por conta desse perfil, distanciou-se da eleição nacional de 2010, fato que contribuiu para que a disputa ocorresse sem maiores conflitos.