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2 Participantes e Métodos

2.3 Métodos de recolha de dados

2.3.2 A observação

“A observação participante é dinâmica e envolvente e o investigador é, simultaneamente,

instrumento na recolha de dados e na sua interpretação” (156 p. 31).

Observar6 é olhar com atenção para algo ou alguém, num determinado contexto. Dada a natureza axiomática da comunicação observar é um ato de comunicar, rececionando informação proveniente do objeto da observação, das suas interações e do seu contexto. Dada a impossibilidade de não comunicar (157) observar a pessoa no seu contexto natural é uma das formas mais ricas de obter informação para o estudo de caso.

Bogdan e Taylor (158) definiram observação participante como uma investigação caracterizada por interações sociais intensas entre o investigador e os sujeitos, no meio destes, em que o observador está imerso na vida dos observados, compartilham experiências e durante o qual os dados são recolhidos de forma sistematizada. Lapassade (159) designa como observação

6 Acção de Determinar com as características específicas: Prestar atenção e olhar cuidadosamente alguém

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participante o trabalho de campo na sua totalidade, englobando três fases, desde a “entrada” até à “saída” do investigador/observador de cena e três tipos de observação: periférica, ativa e, total ou completa. Existem várias formas de classificar a observação, sendo usual distingui- las pelo nível de envolvimento do observador no contexto do observado. Nesta lógica Carmo (160) divide a observação em não-participante, participante despercebida pelos observados e observação participante propriamente dita. Nesta última é desejável que o investigador assuma e explicite o seu papel de investigador junto da população que observa e onde desempenha simultaneamente um papel social que lhe permite participar da vida comunitária. A principal vantagem, deste tipo de observação, é a possibilidade de entender profundamente o significado e as implicações dos fenómenos que investiga, permitindo um conhecimento integrado. Este tipo de observação é moroso e essa é a sua principal desvantagem. Ao nível de intensidade de participação e envolvimento do investigador dá-se o nome de “mergulho” que pode ter diferentes níveis de intensidade: restrito ou profundo. Ambos têm vantagens e desvantagens, designadamente face aos condicionantes do acesso ao conhecimento sobre o objeto. Carmo et al (160) utilizam a janela de Johari para explicitar que o mergulho restrito permite acesso à área cega do objeto de estudo (o que é conhecido pelo outro) e que o ego não conhece; enquanto o mergulho profundo permite aceder à área cega com facilidade (o que o ego conhece, mas não transmite ao outro) mas dificulta o acesso à área cega. Esta situação confere ao investigador uma dualidade de papéis que pode conduzir a situações de ambivalência, exigindo um bom autoconhecimento para autoproteção.

Neste estudo assumimos uma posição de mergulho intermédio, colocando-nos na posição de enfermeiro, pelo que estando o nosso objeto de estudo do lado dos participantes (pessoas com doença crónica) não nos permite um mergulho suficientemente profundo para ser considerado como um par, mas suficientemente perto para acompanhar os participantes em parceria.

No decorrer do estudo tivemos oportunidade de observar diretamente situações de interação entre participantes e profissionais nas instituições de saúde, acompanhando os participantes em consultas ou no internamento. Mas foi no ambiente familiar que decorreram a maior parte das interações com os mesmos. Esta situação permitiu efetuar observações contextuais, inferindo-se dados sobre variadas condições, designadamente do contexto familiar e social e que são relevantes para o estudo. A observação participante foi, no entanto, o tipo de observação que no seguimento dos casos se tornou mais evidente; tínhamos intenções claras

91 quanto à necessidade de percecionarmos comportamentos, atitudes, razões e, sobretudo, relação entre elementos da intervenção em saúde com mudança de comportamentos face à gestão do regime terapêutico. Assumimos, mais uma vez, a participação do investigador na interpretação dos fatos no sentido de melhorar as respostas dos participantes perante problemas identificados.

Neste paradigma o envolvimento do investigador, enquanto “observador”, situa-se na perspetiva de observação ativa pois envolve-se na situação enquanto enfermeiro, mantendo o distanciamento necessário para se afastar da situação e abalizar os dados enquanto investigador.

Os dados referentes à observação, que não entrevista, foram considerados como Notas de Campo. Estas são compostas por registos associados às entrevistas descrevendo o contexto, ou como forma de registo das interações. Para maior facilidade de registo e diminuir os dados que se perdem, foram tomadas notas sintéticas em algumas situações de interação, nomeadamente com registo de expressões, e/ou efetuado a gravação áudio do relato do investigador, logo após o término da interação. Um dos objetivos das notas de campo é, de acordo com a preocupação hermenêutica do estudo, descrever o contexto, dado que os significados que se procuram desocultar são construídos em função do mesmo. Também foram denominadas de notas de campo as opiniões, entrevistas não gravadas com familiares, significativos e profissionais e, ainda, observação de situações de interação com profissionais de saúde.

2.3.2.1 As entrevistas

As entrevistas, enquanto parte da interação e da observação participante, foram simultaneamente uma forma importante de recolher dados com profundidade e uma forma de iniciar uma relação de proximidade entre participantes e investigador, que se revelou essencial para os estudos de caso. A entrevista, semi-estruturada, foi dirigida tendo em perspetiva os diferentes focos indiciados pelas questões de investigação e os focos que emergiam da análise dos dados no decorrer das interações. Os focos de atenção foram integrados e mantiveram-se presentes na linha de orientação das questões, mas as entrevistas ocorreram fluidamente, como se de uma conversa informal se tratasse, no sentido de se

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ultrapassar barreiras do “socialmente desejável” ou, o que Yin denominou, de reflexibilidade7 (150), pelo que não foi utilizado qualquer guião.

Na primeira entrevista foram obtidos dados biográficos sobre o participante e seguidamente orientou-se a entrevista para a compreensão da forma como era percecionado o processo de doença que conduziu à necessidade de um regime terapêutico e que esteve na origem de múltiplos internamentos. Na generalidade dos casos o “mote” era dado através dos múltiplos internamentos, levando as pessoas a narrar, na sua perspetiva, o que aconteceu. Esta abordagem permitiu conhecer o que a pessoa sabe sobre a situação, como a interpreta, como a vivenciou e o que mudou na sua vida. A intervenção do investigador na condução da entrevista foi determinada pela espontaneidade, capacidade de comunicação e pela riqueza do discurso dos participantes. Destes dados foi possível induzir a vivência, de um processo de transição, o que a fez despoletar, que fatores interferiram positiva e negativamente neste processo, os diferentes tipos de suporte e os resultados, com especial atenção para a gestão do regime terapêutico. Pretendeu-se, ainda, que os participantes nos fornecessem dados sobre que atitudes e intervenções de enfermagem influenciaram os resultados, na perspetiva do próprio e, eventualmente, dos familiares. As entrevistas realizadas foram, também, perceptivas permitindo inferências causais (150 p. 113), registadas, sobretudo, em notas de campo (NC) ou como nota de entrevista8. Sempre que possível, para eliminar erros de interpretação, validámos com o participante e, por reformulação, as inferências percebidas no discurso: “O que me está a dizer é…”.

A introdução indireta de dados dos processos clínicos, através de questões, permitiu aos participantes relembrar aspetos que não recordavam espontaneamente e que nos interessavam para o estudo. Este processo serviu, também, para triangular a perspetiva da pessoa com a dos profissionais.

Todos os participantes acordaram gravar a primeira entrevista, no entanto, posteriormente na maior parte dos contatos não foi possível este tipo de registo por desconforto ou inibição dos participantes, ou por variáveis contextuais. Estas circunstâncias verificavam-se quando a interação decorria no acompanhamento do participante a consultas, aquando de visita ao hospital e durante internamento, entre outras.

7 “O entrevistado dá ao entrevistador o que ele quer ouvir” (148 p. 113)

8 Por nota de entrevista entenda-se as notas acrescentadas na transcrição, apresentadas entre parêntesis

reto, que têm por objetivo contextualizar a resposta do participante. Podem incluir o assunto introduzido pelo investigador ou ser esclarecedor sobre a ocorrência de alteração no contexto.

93 Ao longo do acompanhamento dos casos, centramo-nos, preferencialmente, nas diferentes componentes do regime terapêutico, na compreensão da atitude do participante face ao mesmo, do conhecimento, capacidades e dificuldades apresentadas. Neste processo, e ao longo das interações, o observar enquanto investigador entrosou-se com o agir enquanto enfermeiro no seu exercício profissional, efetuando-se uma aproximação ao papel de gestor de caso. Pese embora a inexistência de mandato institucional para o papel tenha sido impeditivo do seu desempenho em plenitude. Contudo, face à identificação de necessidades do participante, o enfermeiro (investigador) não se conteve de agir na implementação de intervenções do tipo “aconselhar”, “orientar”, “ensinar”, “facilitar” e de “referenciar” às unidades de cuidados de saúde primários, onde o participante estava inscrito, quando a satisfação das mesmas excedia a capacidade de resposta que o seu estatuto lhe permitia. A procura de evidências foi influenciada pelos dados encontrados na análise; os “achados” que pareceram significativos na explicação de uma situação, foram colocadas sobre a forma de “hipótese” e originaram a procura de novos dados que confirmassem ou rejeitassem a mesma, dentro do próprio caso. Posto esta validação, a hipótese foi colocada face a outras situações (participantes/casos) revisitando-se os dados obtidos e/ou influenciando a direção de outras entrevistas confirmando ou negando essa “hipótese”, ou seja, revelando a existência ou inexistência de um padrão, ou mostrando a sua variabilidade em função de outras condições.

2.3.2.2 Acompanhamento dos casos

O acompanhamento dos casos foi realizado através de contatos diretos de forma presencial, com e sem gravação da interação, por contato telefónico, por SMS (Short Message Service) e por e-mail. Ocorreram ainda, contatos considerados como indiretos, com familiares, profissionais de saúde, profissionais do serviço social ou elementos de instituições. A periodicidade não respeitou uma calendarização, mas teve em conta: a disponibilidade, as necessidades identificadas, a receptividade aos contatos, internamentos e outras ocorrências. Encontrámos alguns fatores que dificultaram o desenvolvimento do estudo, tendo em conta o planeado e os tempos previstos. Entre estes salientam-se as dificuldades de contato relacionadas: com alteração do número de telefone (telemóvel); mudança de residência permanente ou de temporalidade; internamentos. Encontrámos, também, situações em que alguns dos participantes desmarcavam, frequentemente, as interações previamente

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agendadas, sendo que a repetição destas situações são elas próprias, também, objeto de análise e interpretação.

Por parte do investigador principal existiram dificuldades na gestão de tempo entre o acompanhamento dos casos, a consulta de documentos, a transcrição, os registo e análise dos dados e a sua atividade profissional.