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1. Introdução

1.2 Novos desafios aos sistemas de saúde

Em Portugal o acompanhamento das situações crónicas é efetuado, sobretudo, através do Serviço Nacional de Saúde (SNS) (17), pelas Unidades de Saúde Familiares e pelo acompanhamento de especialistas, centralizados a nível hospitalar. Quando a condição exige um prestador de cuidados na assistência na gestão do regime terapêutico, a resposta é, na maior parte dos casos, assegurada pela família e a resposta do SNS é francamente insuficiente (17 p. 107). A constituição da rede nacional de cuidados continuados integrados (Dec. Lei 101/2006) poderá contribuir para colmatar desta lacuna, valorizando-se, no contexto da doença crónica, os cuidados em ambulatório.

As perspetivas de reforma da saúde são fortemente influenciadas pelo New Public Management (NPM) como novo paradigma de gestão pública que defende serviços públicos (re)centrados no «cidadão-utente-cliente», influenciadas pelas tendências internacionais, designadamente pela política de saúde do National Health Service–England-(NHS), ele próprio baseado no Self-management, e portanto, influenciado pelos trabalhos desenvolvidos nos Estados Unidos da América (EUA), nomeadamente por Kate Lorig. O modelo Americano do Institute for Health Policy (IHP), através de Kaiser Permanente tem influenciado as políticas de saúde na Europa, sendo referenciado no Relatório da Primavera 2010, presumindo-se que as atuais políticas sejam também influenciadas pelo mesmo.

O Projeto Gestão Integrada da Doença: O Suporte à Autogestão, através de guidelines e boas

práticas baseadas na evidência científica, específicas para a doença (14 p. 74), é uma

33 de uma utilização de recursos com maior eficácia e monitorizando os doentes com condições crónicas. Sugere, ainda, que possa vir a contribuir para uma melhor capacitação e envolvimento dos doentes na gestão do seu tratamento.

Em 2008 o Home Health Quality Improvement (HHQI) publica indicações sobre a melhor prática para a gestão da doença (18), considerando a gestão da doença como a melhor prática para reduzir a hospitalização.

Por gestão da doença considera-se, de acordo com The Care Continuum Alliance (19), o sistema de coordenação das intervenções em cuidados de saúde e de comunicação, com a população com uma determinada condição, em que a participação do paciente em atividades de autocuidado é significativa. Um programa de gestão da doença deve assentar em seis componentes principais:

 Processos de identificação da população (risco de hospitalização, condições crónicas em geral, alto risco de exacerbação/complicações, gestão ineficaz do regime terapêutico);

 Implementação de práticas baseadas em evidência;

 Implementação de modelos colaborativos e serviços de suporte;  Educação para a gestão do regime terapêutico;

 Indicadores de processo e resultado, avaliação e gestão;  Elaboração de relatórios e ciclo de feedback.

Apesar de vários estudos demonstrarem benefícios dos programas de gestão de doença, nomeadamente na maior satisfação dos utentes, na mudança nos comportamentos e melhor nível de adesão, em termos de resultados clínicos e em estudos da relação custo benefício a evidência não é igualmente conclusiva (1).

Embora a Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes (20) contenha orientações no sentido do direito e dever à participação e decisão informada em saúde do cidadão, salientando a informação como oportunidade do cidadão efetuar melhores escolhas e facilitar a acessibilidade aos serviços de saúde, o objetivo de aumentar o empowerment parece estar longe de consolidação. O Plano Nacional de Saúde adota, também, uma visão centrada no desenvolvimento de habilidades/competências pessoais, focalizando-se na informação ao cliente, nos direitos, na escolha, na segurança e nos procedimentos de reclamação e ainda na participação e satisfação dos clientes (17).

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1.2.1 Desafios colocados aos Enfermeiros

A posição do International Council of Nurses (ICN) referente à temática “Informed Patients” (21) considera como fundamental a participação do cidadão, atribuindo uma importância fundamental à informação, como determinante na tomada de decisão. Considera inerente a esta expectativa a necessidade dos enfermeiros incorporarem na investigação a natureza, qualidade e o impacto da informação dos pacientes nos resultados em saúde e na prática de enfermagem. Na comemoração do dia do enfermeiro (12 de Maio de 2010) o ICN lançou um apelo aos enfermeiros de todo o mundo no sentido de liderarem a luta contra a doença crónica, sugerindo que atuem enquanto modelos e influenciem as comunidades através do seu exemplo na adoção de comportamentos protetores da doença crónica (22). Este apelo foi acompanhado de uma publicação dirigida à sensibilização dos enfermeiros para a prevenção primária e secundária na doença crónica e à sua pro-atividade no desenvolvimento de competências e na inovação (23).

O National Institute of Nursing Research (NINR) considera, na sua visão sob o plano estratégico para 2006-2010, como ponto central na investigação e prática de enfermagem, o papel que o doente, família, outros cuidadores e comunidade desenvolvem na promoção da saúde e gestão da doença. Entre as seis grandes oportunidades de investigação, encontra-se a área da (auto)gestão (self-management) na saúde e doença, cujo interesse para a enfermagem é justificado pelo impacto que o seu desenvolvimento pode ter na promoção da saúde, prevenção da doença ou suas complicações e gestão de sintomas. Esta é uma área fundamental, sobretudo para pessoas com doença crónica, sequelas de doença ou doença prolongada no sentido de se encontrarem capacitadas para gerirem a sua saúde.

Em 2004 o NINR proporcionou dois dias de trabalho de grupo, “The science of self- management in chronic disease: workgroup meeting”, que reuniu peritos para reflexão sobre o “estado da arte” da investigação e conhecimento sobre o tema e produção de recomendações para futuras investigações na gestão da doença crónica (24). O resumo do encontro divulga que estudos produzidos neste âmbito demonstram, de forma consistente, a eficácia de intervenções dirigidas à autogestão, mas reforça a necessidade de sabermos mais sobre como facilitar a pró-atividade e manutenção de atividades de autogestão nos indivíduos.

Esta área de interesse na investigação em enfermagem não é novidade para este instituto que, desde a década de 80, tem apoiado a produção de estudos sobre a mesma. O primeiro estudo

35 relatado refere-se às inquietações de Thelma Wells, em 1980, considerando que, perante a incontinência urinária, o paciente poderia fazer algo, de uma forma proativa, sobre a sua condição de saúde. A investigadora propôs e testou a utilização de exercícios para redução da incontinência - Nursing Intervention: Exercise for Stress Incontinence.

Para este centro de investigação a autogestão é um condutor Major das agendas de investigação e inclui, o conceito de adesão ao tratamento e comportamentos de promoção de saúde. O NINR aponta caminhos para investigação:

 Desenvolver tecnologias que facilitem precocemente a autoidentificação e autorreferência de sintomas;

 Desenhar estratégias de tomada de decisão que promovam escolhas de estilos de vida saudáveis, tais como alimentação, exercício e práticas de cuidados primários de saúde;  Definir os comportamentos de suporte à adesão ao tratamento;

 Avaliar fatores de impacto na independência e autocuidado em cuidados de longo termo;

 Identificar estratégias para autogestão e promoção da saúde pessoal em pessoas com doença prolongada, incapacidades crónicas, incluindo monitorizações de saúde e situações de co morbilidade.

Em 2010, o mesmo centro salienta investigação produzida no âmbito da gestão de sintomas, com destaque para a gestão da dor, cuidados com a pele, gestão (sinais e sintomas) da doença crónica, sono e fadiga, terapias complementares e alternativas e autogestão da doença crónica, salientando neste último três artigos (25):

 Avaliação de uma intervenção de grupo dirigida ao desenvolvimento de competências de coping em crianças em idade escolar, com diabetes tipo 1. Este estudo experimental sugere que uma intervenção de grupo pode ser adequada, sem que, no entanto, os efeitos apontem para resultados estatisticamente diferentes do grupo de controlo face ao grupo experimental. Demonstra, porém, que ambos os grupos apresentam melhores resultados no final do acompanhamento do que inicialmente e que, progressivamente, os jovens vão tomando maior responsabilidade pela gestão do seu regime terapêutico e diminuindo o controlo parental (26).

 Avaliação de um programa de intervenção em saúde, efetuado por não profissionais (leigos) preparados para o efeito na autogestão da Asma em crianças em meio rural. O

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programa mostra diferenças significativas entre os grupos (randomizados por escola) no conhecimento, gestão do regime terapêutico e habilidade para preparação e uso do inalador, embora não na autoeficácia (27).

Recomendação de um ponto de corte (cutpoint), baseado na evidência produzida por um follow-up de 135 pessoas com insuficiência cardíaca, ao longo de 3 anos e meio, do nível de adesão ao regime medicamentoso (88%) necessário para obter bons resultados clínicos (28).

Na redefinição e qualificação dos profissionais face aos novos desafios, verifica-se uma reconfiguração do desempenho tradicional dos enfermeiros, para novas tendências. Nos Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia e Reino Unido surgem as nurse practitioners, que assumem algumas prescrições medicamentosas e exames de diagnóstico; na Alemanha as

community nurses que, com alguma semelhança ao grupo anterior, asseguram, através de

visitas ao domicílio das pessoas, a prestação de cuidados de saúde primários, sobretudo em zonas rurais; as liaison nurses existentes em alguns países da Europa, nomeadamente no Reino Unido, tomam à sua responsabilidade o cuidado e acompanhamento pós internamento, no regresso a casa, em processos de reabilitação, supervisão da gestão da medicação, educação e orientação em situações que vão desde a parentalidade, às situações pediátricas, oncológicas, cardíacas, etc; case managers, nem sempre enfermeiros, coordenam os serviços de apoio a pessoas com doença crónica, que têm uma situação social ou clinicamente complexa, avaliando as necessidades, desenvolvendo planos de cuidados, facilitando a acessibilidade aos serviços de saúde, monitorizando a qualidade do contato, mantendo-se em contato com a pessoa e sua família.

Muitos dos desenvolvimentos da enfermagem apontam num sentido de uma prática avançada centrada numa perspetiva economicista e centrados no controlo da doença, mais que nas respostas humanas aos processos de vida e de saúde e doença. Tem-se a noção que muitos dos doentes crónicos apresentam dificuldade na incorporação das recomendações terapêuticas (29) e, sobretudo, na sua integração no dia-a-dia. Sabe-se, também, que, se por um lado, este fenómeno está relacionado com fatores intrínsecos aos sujeitos, por outro lado também está relacionado com uma prática profissional que não valoriza o “…saber da pessoa

relativamente aos processos de vida e de transição, que constitui uma base substancial do conhecimento que o enfermeiro usa para lidar com a situação” (30 p. 31).

37 Alguns dos caminhos apontados pelo NINR, parecem-nos comuns às necessidades de investigação que encontraríamos em Portugal, e foram questões semelhantes que nos impeliram para a realização deste trabalho. Assumindo que a Enfermagem tem um Core que caracteriza a sua particularidade face ao conhecimento e prática, o que a distingue de outras disciplinas (29), e que a forma como as pessoas vivem uma transição saúde/doença e incorporam um regime terapêutico complexo é uma parte desse Core, então esta é uma área de interesse e de investigação para os enfermeiros. O estudo de Pereira (31) mostra que o core das áreas de atenção mais sensíveis à tomada de decisão de enfermagem gira em torno, entre outros, de conceitos como o autocuidado e os comportamentos de adesão, salientando a importância que estes focos têm para o desenvolvimento das práticas de enfermagem e para a qualidade dos cuidados. Sentimos a necessidade da profissionalização de uma área de atuação de enfermagem, sobre a qual outras disciplinas têm encontrado modelos de explicação que vão de acordo com o seu objeto de estudo mas, ainda que sejam um contributo, não explicam, na perspetiva do objeto da disciplina de enfermagem, a ligação entre os fatores que conduzem às respostas das pessoas perante a necessidade de gerir um regime terapêutico.

Neste trajecto de mudança e desafios à enfermagem é importante uma orientação do sentido

do desenvolvimento da profissão para o core da Enfermagem e não para a “conquista de competências de outros profissionais (…) implica uma “Enfermagem com cada vez mais: Enfermagem”, implica uma “Enfermagem Avançada” (32).