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1. Introdução

1.5 A Gestão do Regime Terapêutico

1.5.2 Adesão e Gestão ao Regime terapêutico

O conceito de adesão é um conceito próximo da gestão, cuja definição é por vezes pouco clara, se as pretendermos diferenciar. Para a OMS, adesão depende da adoção e manutenção de um comportamento terapêutico, que pode incluir autogestão de fatores biológicos, comportamentais e sociais, que influenciam a saúde e doença, devendo envolver todos os profissionais de saúde (107). Ao longo deste trabalho, sempre que nos referirmos à adesão, estaremos a considerar a definição da CIPE, segundo o qual adesão é um tipo de volição:

Figura 3: Modelo do cuidado na doença crónica (Chronic Care Model). Fonte: Instituto MacColl (213)

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“Ação auto iniciada para a promoção do bem-estar, recuperação e reabilitação, seguindo as orientações sem desvios, empenhada num conjunto de ações ou comportamentos. Cumpre o regime de tratamento, toma os medicamentos como prescrito, muda o comportamento para melhor, sinais de cura, procura os medicamentos na data indicada, interioriza o valor de um comportamento de saúde e obedece às instruções relativas a um tratamento (frequentemente associado ao apoio da família e de pessoas que são importantes para o cliente, conhecimento sobre os medicamentos e processo de doença, motivação do cliente, relação entre o profissional de saúde e o cliente)” (50).

Esta definição não integra em si apenas indicadores de resultados, como orienta para algumas estratégias de intervenção, que vão desde o apoio social/familiar, até à relação entre cliente e profissional de saúde. Engloba, também, o “cumprimento” do tratamento, que, neste trabalho, assumimos com a interpretação de seguir o regime decidido pelo próprio em

parceria com o profissional. Pretendemos distanciar a noção de adesão da noção de

compliance, que considera uma atitude passiva no papel do utente e em que pode ser

entendida uma não compliance como incompetência por parte do mesmo.

Na nossa interpretação o conceito de adesão (um tipo de volição) é um conceito que assenta no pressuposto da vontade do próprio em estabelecer concordância entre o comportamento adotado com o recomendado pelos profissionais de saúde. Consideramos que a Gestão do

Regime Terapêutico é um conceito mais global, que engloba a adesão, mas que vai além da volição e inclui, entre outros aspetos, a capacidade de decisão sobre a mudança de um comportamento face à modificação do status de um sintoma ou face a uma nova circunstância, incorporando, por isso, o autoconhecimento e o conhecimento técnico necessário para interpretar e agir em conformidade.

A designação de gestão e adesão é uma discussão sistemática em artigos de enfermagem, sendo o termo preferido o self-management, enquanto os psicólogos se centram mais nas questões da adesão, assim como os farmacêuticos na adesão à terapêutica farmacológica. Autores como Grey (108) e Ryan (3) consideram que o conceito de gestão é um conceito dinâmico que tem por objetivo principal a manutenção da funcionalidade no dia-a-dia da pessoa, com o melhor nível de qualidade de vida, prevenindo complicações que afetam a morbilidade e mortalidade e que vão muito além da concordância e adesão a um conjunto de prescrições.

67 Em Portugal, nos contextos da prática e com a utilização de linguagem classificada, a atitude dos enfermeiros divide-se, parecendo-nos que a “adesão” é utilizada com maior ênfase, enquanto a gestão é associada apenas à preparação e conhecimento. De fato, olhando para os dados de Pereira provenientes da análise da documentação produzida por enfermeiros relativa a 73265 utentes do Centro de Saúde (106), verifica-se que, entre os vinte diagnósticos mais frequentes, encontrámos uma grande ênfase na adesão em diferentes contextos: vacinação 3152 registos (4,30%); adesão ao regime terapêutico 385 (0,53%); comportamento de adesão durante a gravidez 1770 (3,21%), embora este último foco esteja associado a diferentes diagnósticos do âmbito do conhecimento. Quando o foco é a Gestão do Regime Terapêutico verificam-se 3847 registos (5,26%), dos quais apenas 342 (0,47%) se referem à ineficácia da gestão do regime terapêutico, enquanto os restantes diagnósticos são do âmbito do conhecimento sobre componentes do mesmo regime. Verifica-se, ainda, a existência de diagnósticos cujo foco é autovigilância, que é também uma componente do regime terapêutico, que se centram no comportamento (auto vigilância inadequada - 0,8%), no défice de conhecimento – 2,56% e na aprendizagem de capacidades sem sucesso – 1,39%. Estes dados comprovam que, quando a ênfase é colocada na Gestão do Regime Terapêutico, os enfermeiros enunciam diagnósticos quase exclusivamente do âmbito do conhecimento. Com o objetivo de compreendermos como tem sido abordada esta temática no meio académico, efectuámos uma revisão das teses de Mestrado e Doutoramento produzidas em Portugal sobre doença crónica, gestão e adesão ao regime terapêutico, disponíveis no repositório Científico, no repositório da Universidade do Porto e outras das quais temos conhecimento em contextos de apresentação e discussões sobre o assunto.

No Repositório Cientifíco de acesso aberto de Portugal (109), efetuamos uma pesquisa efetuada por tema: adesão, ordenado por ordem descendente de relevância. Estabelecemos como critério o espaço temporal entre 2000-2010, restrita a Teses Mestrado e Doutoramento. Foram verificados os primeiros 100, dos 1213 documentos encontrados e, consideradas todas as dissertações de Mestrado ou Teses de Doutoramento, independentemente da disciplina do conhecimento, desde que a temática se relacionasse com a adesão ao regime terapêutico. Foram assim excluídas as teses que se reportavam a áreas como a comunicação social, política europeia e/ou em que a palavra adesão tinha uma diferente interpretação face ao objeto do estudo. Quando efectuámos a mesma pesquisa pelo tema: gestão terapêutica, ou gestão do regime terapêutico, apenas encontrámos uma tese relacionada com a temática pretendida,

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sendo as restantes fora do tema, pelo que, e dada a sobreposição dessa tese na pesquisa anterior, não consideramos esta revisão. Foram consideradas de interesse direto onze teses (110), (111), (112), (113), (114), (115), (116), (117), (118), (119), (120) e uma de interesse indireto (121). Destas, dez reportam-se a dissertações no âmbito de Mestrados e duas de Doutoramento. Seguidamente, sabendo que a doença crónica mais estudada quanto à questão da gestão do regime terapêutico é a Diabetes, foi efetuada nova revisão, igualmente no Repositório Científico, pelas palavras-chave “diabetes + adesão”, com idêntico critério de ordenamento (relevância), tendo sido considerados um total de 97 documentos, verificando- se que após as primeiras cinquenta teses deixaram de se encontrar artigos relevantes para a temática. Destas, foram consideradas quinze teses no total: treze de Mestrado (122), (123), (124), (125), (126), (127), (128), (129), (130), (131), (132), (133), (134), e duas de Doutoramento (135), (136). Considerámos associar estas teses às que conhecíamos e que não constavam da pesquisa anteriormente referenciada, tendo-se associado mais 5 Teses de Mestrado (101), (137), (138), (139), (140). Das 32 teses, sete situam-se no paradigma qualitativo enquanto dezoito são quantitativas e sete apresentam um estudo misto.

No primeiro “olhar” sobre estas teses verifica-se o já anteriormente referenciado, que a terminologia “adesão” tem, em Portugal e no meio académico, uma utilização muito mais frequente que a terminologia “gestão do regime terapêutico” ou “autogestão”. Verifica-se, no entanto, uma proximidade semântica que pode ser indutora de confusão na definição de intervenções mais adequadas face à natureza do problema e na intencionalidade da ação do enfermeiro, correndo o risco que, nos registos dos cuidados, não seja atribuída ênfase “…àquilo que os clientes ganham com os cuidados de enfermagem” (106 p. 214), tendo em consideração que a adesão não é um fim em si mesmo, mas uma condição para a eficácia da gestão.

Não tendo como tema central a gestão do regime terapêutico, o estudo de Padilha (138) foi considerado relevante nesta síntese, dado que emerge dos dados, na preparação do regresso a casa de doentes hospitalizados, que as dificuldades mais relevantes dos pacientes e dos prestadores de cuidados centram-se no conhecimento e capacidades para gerir o regime terapêutico, nomeadamente o regime medicamentoso. Destaca-se a importância do défice de conhecimentos face à doença e o défice na capacitação para gerir o regime terapêutico medicamentoso, designadamente quanto aos aspetos da administração e autovigilância,

69 inferindo o autor que esta falta de preparação poderá estar relacionada com a possibilidade de complicações, reinternamentos, perda de qualidade de vida e descontinuidade de cuidados. Silva (110) apresenta um modelo em que cria uma dicotomia entre regime terapêutico farmacológico (RTF) e não farmacológico (RTNF) e entre as respostas dos pacientes em adesão e não adesão. As dimensões mais frequentes na não adesão a ambos os tipos de regime terapêutico estão relacionadas com a incapacidade da pessoa. Se no RTF identifica a alteração dos processos cognitivos como principal causa, no RTNF emerge a incapacidade de avaliação e operacionalização do mesmo, ou seja, da integração das recomendações nos seus hábitos diários. Outras variáveis são integradas no modelo como relevantes para a compreensão do fenómeno. A importância da compreensão é de manifesto interesse pela magnitude da não adesão, ou gestão ineficaz do regime terapêutico, encontrada por vários destes estudos:

 85,7% (n=150) dos inquiridos (viajantes de longa duração para Angola) iniciaram a quimioprofilaxia prescrita, sendo que apenas 40,7% mantiveram a adesão à medicação (mediana= 90 dias) (114).

 apenas 6,7% dos participantes aderem ao regime terapêutico (na globalidade) em pessoas com insuficiência renal crónica terminal, em programas de hemodiálise (124).  48% (n=102) dos participantes com VIH, não toxicodependentes, acompanhados no

Hospital Joaquim Urbano, não aderia à terapêutica antirretroviral (TARV). A adesão à participação num programa de Educação para a Saúde foi de 43% na 1ª sessão, mas apenas 14% na 2ª sessão (137).

Este espectro verifica-se face ao Regime Terapêutico Farmacológico, mas em alguns estudos verifica-se que a medicação é a componente com maior nível de adesão, nomeadamente perante a diabetes e hipertensão arterial (116), (123), (101), (140), enquanto a atividade física é onde se verifica o menor nível. Três destes 4 estudos apresentam em comum a utilização do mesmo instrumento para avaliar as “atividades de autocuidado com a diabetes” (141), obtendo resultados idênticos nas diferentes dimensões, apesar de contextos diferentes e tempos distintos, sendo aproximados aos resultados encontrados por Sousa (122) com instrumento semelhante. Também, o estudo de Sousa (101) apresenta um instrumento para avaliação da adesão em pessoas com hipertensão arterial.

Nos diferentes estudos verificam-se várias formas de avaliar a adesão, desde instrumentos de autorrelato de comportamentos, como os acima referenciados, conhecimentos, indicadores

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biológicos como HbA1c, Linfócitos T CD4, virológicos (carga viral), até indicadores subjetivos como a qualidade de vida.

São identificadas diversas variáveis como contribuindo para a adesão/não adesão, entre essas:  Competência percebida (autoeficácia) (112), (135);

 Ambiente terapêutico (112), podendo distinguir-se a satisfação com a interação com os profissionais ou suporte (113), (119) e a organização do próprio sistema de saúde (125);

 Conhecimento (sobre a doença, sobre a gestão do regime terapêutico) (113);

 Suporte social, em especial a família (116), (118), (120), (133), (130), (133), (135), (139);

 Complexidade do regime terapêutico (134).