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1. Introdução

1.4 Conceptualização do autocuidado na doença crónica

1.4.1 A teoria do autocuidado de Orem

A Teoria do Autocuidado de Orem, é outra teoria cuja influência é determinante na forma como conceptualizamos a enfermagem, tendo esta teórica dedicado muito do seu tempo a compreender o significado da enfermagem. As suas questões surgiram da sua experiência prática desde o seu trabalho em unidades de internamento, até à direção de uma escola de enfermagem, ligada a uma instituição hospitalar. O que fazem, o que deveriam fazer e porque fazem o que fazem as enfermeiras e que resultados obtêm, são as questões que orientaram os seus trabalhos.

Orem parte de pressupostos sobre o ser humano, que partilhámos, e que, de certa forma, orientarão este trabalho (53):

 Todos os seres humanos têm o potencial para desenvolver conhecimentos e competências e de manter a motivação necessária para o autocuidado e para o cuidado com os membros dependentes;

 A forma de satisfação das necessidades de autocuidado tem uma componente cultural, social e individual;

 As ações de autocuidado são planeadas em função do que se pretende e requerem intencionalidade. São condicionadas pelo conhecimento, habilidades e baseadas na premissa que os indivíduos sabem quando precisam de realizar ações específicas e quando necessitam de pedir ajuda;

 Os indivíduos procuram saber e desenvolvem formas de satisfazer as necessidades de autocuidado.

A componente principal do modelo é o que Orem denominou de Requisitos Universais de Autocuidado. Estes abrangem os elementos físicos e psicológicos, sociais e espirituais essenciais à vida. Os primeiros requisitos equivalem à base da pirâmide de Maslow e são fundamentais para a manutenção da vida e das funções corporais. Depois os relativos à interação social e, por fim, os que mais se relacionarão com este trabalho, reportam-se à prevenção dos perigos para a vida, funcionamento e bem-estar e, ainda, a promoção do funcionamento e desenvolvimento dentro do grupo social de acordo com o potencial, limitação e desejo de normalidade. Este requisito implica a procura da ação apropriada

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quando a pessoa está perante um problema de saúde, emocional ou outro. As exigências do autocuidado devem estar equilibradas com as capacidades dos indivíduos, havendo necessidade de intervenção profissional quando tal não acontece.

Um segundo tipo de requisitos é identificado por Orem e diferencia circunstâncias especiais da vida, que a autora denominou de Requisitos de Desenvolvimento e, ainda, um terceiro tipo referente à pessoa perante situações de doença, considerados como Requisitos de Autocuidado no Desvio da Saúde. Quando falamos em autocuidado na doença crónica é predominantemente a este tipo de requisitos que nos referimos, embora as limitações impostas pela doença possam afetar o desempenho, impondo limitações aos requisitos universais de autocuidado. Estas circunstâncias surgem contextualizadas e a pessoa que se confronta com uma situação de doença encontra-se numa etapa de desenvolvimento e perante condições que a vão afetar, nomeadamente a própria doença.

Perante a situação de doença criam-se novas exigências que vão desde a necessidade de procurar ajuda profissional ao estar consciente das consequências a que a doença poderá conduzir, a necessidade de realizar medidas de diagnóstico (por exemplo: monitorização da glicemia capilar), tratamento e reabilitação, efeitos secundários do tratamento, modificação do autoconceito e autoimagem, aceitando-se como um ser com determinado estado de saúde e necessidade de cuidados de saúde, e aprender a viver com os efeitos e condições impostas pela doença, assim como medidas diagnósticas e terapêuticas, com um estilo de vida que permita o desenvolvimento continuado.

Apesar da grande capacidade adaptativa do ser humano às mudanças que se desenvolvem dentro de si e no ambiente, surgem situações que excedem esta capacidade e torna-se necessário apoio familiar, social ou profissional (45). Este suporte pode ser requerido pelo próprio ou sugerido, eventualmente até antecipado, pelos enfermeiros. Perante o que denomina de requisitos de autocuidado de desvio da saúde, Orem considera no seu modelo a necessidade de considerar os conselhos profissionais (multidisciplinares), os processos de

coping para lidar com as mudanças que podem ocorrer na autoimagem, ou no autoconceito,

aprender a controlar a situação atual e adaptar-se à mesma. A eficácia deste processo é demonstrada pela capacidade da pessoa de incorporar, na sua vida, novas práticas mais adequadas e integrando as exigências da própria doença.

47 O processo de autocuidado inicia-se com a consciencialização do estado de saúde, requerendo um processo racional que integre a experiência pessoal, normas culturais e sociais essenciais para a tomada de decisão sobre o projeto de saúde pessoal. Orem (45) considera, ainda, que perante uma necessidade específica, é necessário planear uma linha de ação para atingir os objetivos pretendidos, só levados à sua consecução caso exista, também, o desejo e o compromisso de continuidade do plano. Considera assim, como condições importantes para que uma pessoa possa cuidar de si mesmo, entre outros: motivação; capacidade para a tomada de decisão; conhecimento técnico; capacidades cognitivas, percetuais e interpessoais; coerência e integração das ações de autocuidado na vida pessoal, familiar e comunitária (53). Considerando a visão da natureza da ação de enfermagem de Orem (45), operacionalizada por cinco categorias relativas ao papel da enfermagem, apropriamo-nos, sobretudo, no contexto deste trabalho, da orientação, apoio, gestão do ambiente e ensino. A orientação implica a importante função de proporcionar à pessoa a informação e o conhecimento necessário para a tomada de decisão consciente e à forma de realizar o autocuidado; o apoio pressupõe a formação de uma equipa da qual a pessoa doente faz parte e é a figura central; proporcionar um ambiente capaz de favorecer o desenvolvimento pessoal e de suporte; e finalmente a função de ensinar, que requer aptidões de mestria por parte dos enfermeiros.

O modelo de Orem, apesar de ser um modelo teórico testado e muito utilizado, deixa-nos algumas indefinições quanto aos ambientes favoráveis ao desenvolvimento pessoal: que tipo de apoio necessitam as pessoas com doença crónica para serem capazes de lidar com os seus requisitos de autocuidado? Que tipo de suporte é mais favorável para o autocuidado, na perspetiva da pessoa doente? Que competências de mestria poderão ser mobilizadas para conseguir os melhores resultados? Estas e outras questões levam-nos a admitir que, muito embora este modelo seja uma linha orientadora, nem todas as questões têm a resposta adequada à prestação dos melhores cuidados. Continua, portanto, a ser necessário saber mais para ser possível prestar cuidados de enfermagem com mais qualidade.