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Parte II Estudo Empírico

2. Contexto do estudo

2.4 Instrumentos de recolha de dados

2.4.3 A observação participante e o diário de bordo

É importante sublinhar que enquanto no Caso I a START realiza atividades que pretendem produzir resultados a pouco e pouco num projeto a longo prazo, no Caso II o grande objetivo das atividades foi aliviar no imediato a situação de emergência que estava a ser vivida tanto pelas crianças como pelos próprios voluntários.

No Caso I, as mesmas crianças têm vindo a ser acompanhadas pela START ao longo de muito tempo, algumas ao longo de anos, num programa cuidadosamente estruturado. No Caso II, as sessões de atividades de arte foram ativadas no rescaldo de todo um contexto caótico de medo e destruição com o objetivo de aliviar os efeitos desse mesmo contexto. É importante entender que num cenário como o do Caso II, também os adultos estão fragilizados pelos acontecimentos, também eles foram apanhados de surpresa pelo terramoto na manhã de 25 de abril, as suas casas também ficaram destruídas e de cada vez que é sentida uma réplica também eles têm medo.

O pânico geral que se instala a cada réplica, mesmo que muito subtil, a forma como adultos e crianças reagem e se protegem, as reações dos voluntários quando percebem que numa atividade de desenho livre todas as crianças do grupo desenharam apenas casas, são algumas das observações que só através da vivência, da observação direta e da experiência em campo o investigador pode realmente compreender.

Sousa (2009) descreve a observação como um acontecimento natural da vida quotidiana que:

Faz parte da psicologia da perceção e refere-se a quase toda a atividade humana e animal, sucedendo naturalmente, como um modelo de apreensão do que se passa fora e dentro do indivíduo. (…) A observação permite efetuar registos de acontecimentos, comportamentos e atitudes, no seu contexto próprio e sem alterar a sua espontaneidade.193

O investigador, ao conduzir uma observação-participante, integra o contexto em estudo de forma a adquirir conhecimento direto dos fenómenos tal qual como eles acontecem estabelecendo redes de interação,194 em que:

Contexto é o conjunto das condições que caracterizam o espaço onde decorrem as ações e interações das pessoas que nele vivem. Podem ser condições físico-geográficas (espaços, materiais...), histórico-culturais (práticas, conhecimentos...) e sociais (pessoas, interações, papéis...). O contexto pode ser, ainda, um contexto restrito, mais próximo (por exemplo a sala de aulas), ou um contexto amplo, mais afastado (por exemplo, a escola ou um agrupamento de

193 Sousa, 2009, pp. 108-109.

escolas). A observação ajuda a compreender os contextos, as pessoas que nele se movimentam e as suas interações.195

Nos dois contextos dos nossos estudos privilegiámos a observação participante. Enquanto investigadora de campo, situámo-nos entre os dois extremos do contínuo participante/observador que Bogdam e Biklen (1994) definem como num extremo: o observador completo que não participa nas atividades, e no extremo oposto o observador que se envolve com a instituição e em que existe uma pequena diferença entre os seus comportamentos e os dos sujeitos.

Segundo Mann (1970) a observação participante é

Uma tentativa de colocar o observador e o observado do mesmo lado, tornando-se o observador um membro do grupo de modo a vivenciar o que eles vivenciam e trabalhar dentro do sistema de referência deles.196

Mann faz ainda a distinção entre dois tipos de observação participante: a)

Natural, em que o investigador pertence à comunidade do grupo investigado, e b) Artificial, em que o investigador se integra num determinado grupo para obter

informações.

Destacamos as vantagens que Sousa (2009) enuncia sobre a observação participante:

1. Acesso a ações e acontecimentos que o grupo procura evitar que sucedam quando há alguém estranho presente;

2. Captar a situação vivencial que contextualiza os acontecimentos observados; 3. Acesso rápido a dados e situações do quotidiano;

4. Maior compreensão dos pensamentos e motivações dos sujeitos.

A observação participante enquanto ferramenta de recolha de dados pode, emocionalmente, tornar-se extremamente intensa para o investigador que, ao entrar no mundo dos sujeitos, deve saber continuar a estar do lado de fora:

Regista de forma não intrusiva o que vai acontecendo e recolhe, simultaneamente, outros dados descritivos. Tenta aprender algo através do sujeito, embora não tente ser necessariamente como ele. Pode participar nas suas atividades, embora de forma limitada e sem competir com o objetivo de obter prestígio ou estatuto. Aprende o modo de pensar do sujeito, mas não pensa do mesmo modo. É empático e ao mesmo tempo reflexivo. 197

195 Máximo-Esteves, 2008, p. 87.

196 Mann, 1970 apud Sousa, 2009, p. 113. 197 Bogdan e Biklen, 1994, p. 113.

As notas de campo e o diário de bordo devem auxiliar o investigador a registar os dados obtidos através das suas observações e devem incluir passagens detalhadas e relevantes, podendo estas ser feitas a) no momento em que acontecem, e b) depois de terem acontecido.198

No momento em que acontecem podem fazer-se registos escritos através de notas condensadas utilizando palavras-chave que poderão ser desenvolvidas e comentadas mais tarde. Podem, ainda, ser efetuados registos vídeo ou fotográficos. Depois de terem acontecido:

as notas de campo tomam a forma de registo escrito. Trata-se de anotações extensas, detalhas e reflexivas, elaboradas depois da aula; neste caso deve proceder-se ao seu registo o mais rapidamente possível, enquanto a memória retém os pormenores e a vivacidade dos acontecimentos. Para além da memória, este tipo de registo tem também como base de apoio as anotações condensadas efetuadas no decurso da situação.199

Yin (2015) chama a atenção para o facto de que não se deve perder demasiado tempo a reescrever as notas de campo e que essa tarefa deve ser feita no próprio relatório do estudo de caso e não nas notas, e que “as características essenciais das notas são que elas sejam organizadas, categorizadas, completas e disponíveis para acesso posterior”.200

Construímos um diário de bordo onde foram registadas as observações feitas no campo. No Caso I pudemos efetuar registos de observação não participante e de observação participante. No Caso II a observação foi sempre participante. Na ocasião de observações não participante os dados foram recolhidos no momento, enquanto que nas observações participantes as notas foram registadas posteriormente seguindo algumas palavras-chave que tinham sido escritas em forma de lista de temas a aprofundar e a não esquecer, sendo que durante a ação, também se efetuaram registos fotográficos e de vídeo.

No Caso II sentimos necessidade de acompanhar os registos das notas com pesquisas paralelas mais detalhadas sobre temas ou situações que iam surgindo ao longo das observações, para nos auxiliar à compreensão geral do contexto e das atitudes observadas em particular, como no quadro que se apresenta a seguir. Entender o contexto religioso e cultural tornou-se fundamental para estabelecer ligações e empatias e,

198 Máximo-Esteves, 2008. 199 Ibidem, p. 88.

principalmente, para adequar o nosso comportamento a uma sociedade tão diferente da nossa (ver Anexo VII para notas do diário de bordo).

Catmandu, Nepal. 15 de maio de 2015 Tings Lodge, Nursery Road Aterrei às 18h20. No aeroporto há acampamentos do exército por toda a parte. Aviões do exército da China, da Índia e dos Estados Unidos. Na aproximação a Catmandu consegue ver-se muitas tendas laranja e azuis fluorescente espalhadas pelas montanhas. No aeroporto não há sinais nenhuns de destruição. Já fiz a viagem de taxi para o Tings de noite e a vida na cidade parece completamente normal, a confusão do trânsito, as vacas no meio da rua, as lojas estão abertas, há muitas bancas de fruta. Vi várias lojas cheias de prateleiras com garrafas de vinho completamente arrumadinhas sem sinais nenhuns de perturbação. Não vi uma fenda no chão, nem um único prédio destruído. Vi um muro em baixo e não sei se terá sido do sismo. Há pouca iluminação, mas lembro-me de Catmandu precisamente assim há cinco anos atrás. Está muito bom tempo, começa a chover nos próximos dias. A monsoon está a chegar. Consegui trazer uma garrafa de água e no hotel deram-me outra quando cheguei. O uso de água e de eletricidade é racionado, mas não devido ao terramoto, sempre foi assim.

Não há de maneira nenhuma ambiente de calamidade. Se não soubesse que tinha havido um terramoto há duas semanas e outro quase tão forte há menos de 24 horas, não ficaria a saber pelo que vi do aeroporto até aqui. O bairro das embaixadas não fica muito longe. Esta zona é mais moderna. Talvez seja por isso. Mais para o meio da cidade deve notar-se a destruição, na zona onde estão os monumentos. Tenho Internet quando estiver no hotel. Amanhã vou até Tundikhel. Segundo o mapa que fiz antes de vir, fica a cerca de 40 minutos a pé daqui. Está transformado num campo de acolhimento aos refugiados, e no mapa parece enorme. Os TLC e CFS da UNICEF onde está o CAM são lá. Não sei se preciso de autorização para entrar, o campo está controlado pelo exército chinês. Tenho tudo preparado para conseguir descer o mais depressa possível até ao pátio no rés do chão em caso de mais um abalo. A rua é demasiado estreita, não há espaços abertos em volta. TUNDIKHEL Tundikhel / Tudikhel (Nepali: टुँिडखेल) (Nepal Bhasa: Tinikhya ितिनख्यः) é um grande terreno coberto de relva, no centro da capital do Nepal Catmandu e um dos seus monumentos mais importantes. O campo é de forma rectangular e tem uma orientação norte-sul. Situa-se entre Ratna Park, no norte e Sahid Gate, o memorial dedicado aos mártires de 1941, no sul. A história de Tundikhel remonta pelo menos ao início do século XVIII durante o período de Malla. Serve vários propósitos como terreno de desfile militar, pista de corrida de cavalos, local para festas religiosas, concertos de rock. Tundikhel também tem sido descrito como os pulmões de Catmandu porque o grande campo fornece ar fresco no meio da cidade congestionada. (wikipédia)