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A operação essencial

3 OS ELEMENTOS DO ABUSO DO DIREITO DE MINORIA

3.2 OS ELEMENTOS OBJETIVOS

3.2.2 A operação essencial

A necessidade de estar perante uma “operação essencial”165 não implementada é condição sine quo non para justificar uma sanção ao

163 LE CANNU, Paul. L'abus de minorité. Bulletin Joly Sociétés, Issy-les-Moulineaux, n. 4, p. 429-, avril 1986. p. 538. Sobre a teoria organicista, ver COELHO, Eduardo de Mello Lucas. A formação das deliberações sociais: assembleia geral das sociedades anónimas. Coimbra: Coimbra Editora, 1994. p. 69-80. Segundo o autor “o órgão constitui um entreposto de competências estabelecidas em normas de organização do ente, de origem legal e estatuária, ademais confiadas a certas pessoas fiscais, para, no domínio assim definido, através da correspondente atividade, darem realização ao princípio organicista”. (Idem, ibidem, p. 72.).

164 Ver MERLE, Philippe. Cour D’Appel de Pau, 21 janvier 1991 [Commentaire de]. Revue des Sociétés, Paris, a. 110, n. 1, p. 46-50, janv./mars 1992.

165 “Operação essencial” segundo o acórdão Six é inquestionavelmente aquela que é necessária para a sobrevivência imediata da sociedade como a transformação ou aumento de capital exigido por lei.

Assim, se a sociedade enfrenta dificuldades financeiras, estando extremamente endividada, a resistência minoritária pode ser considerada abusiva. Mas a recusa da sociedade já não seria abusiva, a princípio se recusasse um aumento de capital para permitir o incremento da atividade de

comportamento do minoritário. Compete ao juiz, em qualquer hipótese, avaliar o comportamento das minorias à luz do interesse social e do dever de lealdade, elementos essenciais do abuso. Mas constitui ônus dos sócios majoritários demonstrar que os interesses da sociedade exigem a adoção da medida, nas condições em que se pretende realizar e que tal comportamento é apto a garantir a sobrevivência da sociedade, evitando sua dissolução em decorrência da falência.

Admite-se que, por vezes, compete ao juiz apreciar a oportunidade de uma decisão relativa à gestão social quando a sobrevivência da sociedade não está em jogo: é o caso dos minoritários que se opõem a uma mudança estatutária que impede a obtenção de uma licença petrolífera de importação, impedindo que a sociedade apresente resultados benéficos a seus interesses, questão sobre a qual se discorrerá mais adiante.166 É essencial, por outro lado, que seja conferido à minoria o direito ao exercício do contraditório, de modo a demonstrar que sua recusa está de acordo com o interesse social para justificar sua oposição à deliberação, uma vez que o interesse social não se confunde com os interesses dos sócios majoritários.167 Assim, a operação essencial não está ligada apenas ao aumento de capital para garantir a sobrevivência da sociedade. O caso Six, por exemplo, tratava de uma hipótese de transformação.

Para que o veto minoritário seja considerado válido, é preciso que o voto negativo ou a abstenção estejam fundamentos em considerações econômicas e sociais sólidas e objetivas, de modo que o comportamento “negativo” do sócio não seja penalizado. Basta imaginar a hipótese em que o sócio minoritário se recusa a votar favoravelmente à distribuição de lucros tendo por fundamento a situação financeira da sociedade. Neste caso, o juiz não pode avaliar a oportunidade da referida medida, mas sim observar a razoabilidade dos argumentos apresentados

uma sociedade próspera. Porém admitindo que em circunstâncias especificas mesmo diante de uma sociedade próspera o bloqueio minoritário poderá tido por abusivo, embora o juiz deva ser extremamente cauteloso nessas hipóteses. A esse respeito, ver FRANCE. Cour de Cassation Chambre Commerciale. Pourvoi n° 90-17.216. Paris, 15 juil. 1992. Ver também MERLE, Philippe.

Cour de Cassation (Ch. Com.), 15 juillet 1992 [Commentaire de]. Revue des Sociétés, Paris, a.

111, n. 2, p. 400-403, avr./juin 1993. p. 402.

166 BOIZARD, Martine. L’Abus de Minorité. Revue des sociétés, Paris, a. 106, n. 3, p. 365-380, juill./sept. 1988. p. 373. Ver também ABREU, Jorge Manuel Coutinho de. Curso de Direito Comercial. Coimbra: Almedina, 2002. v. II: Das sociedades. (Manuais Universitários). p. 293.

167 BOIZARD, Martine. L’Abus de Minorité. Revue des sociétés, Paris, a. 106, n. 3, p. 365-380, juill./sept. 1988. p. 374.

pela minoria.168 É a ausência de justificação material que constitui o abuso de minoria. Disso decorre que, perante um interesse social neutro, o juiz deverá decidir a favor da minoria. Assim, a minoria pode se opor ao aumento de capital que esteja além do mínimo adequado para garantir a sobrevivência da sociedade.

O caso Flandin apresenta alguns aspectos peculiares que tornam o problema mais difícil de solucionar. Em primeiro lugar, os sócios minoritários foram sucessivamente convidados para vários aumentos de capital, mas se abstiveram de comparecer às reuniões. Na deliberação que deu origem ao conflito, o aumento destinava-se à adequação do capital social ao mínimo estabelecido por lei, tendo os sócios presentes votado pelo aumento, sem, no entanto, estabelecer os valores.

Contudo, em nova assembleia que objetivava determinar o montante, os sócios majoritários pretenderam aumentar o capital para 500 000 F, valor capaz de gerar forte impacto sobre a participação dos sócios minoritários, que não disponham de capital para acompanhá-lo. Na primeira assembleia, as minorias não tinham votado no projeto destinado apenas a aumentar o capital para o novo montante mínimo resultante de uma determinação legal. O significado da primeira abstenção é obviamente muito diferente da segunda deliberação, uma vez que dizia respeito à própria existência da sociedade.

No entanto, o segundo aumento (500.000 F) também visava harmonizar o capital com as necessidades de desenvolvimento da sociedade, o que introduz um elemento inovador e coloca em dúvida a necessidade do aumento e, por consequência, a legitimidade da oposição minoritária. A sociedade não estava com problemas de saúde financeira, ao contrário do que ocorre na maioria dos casos que envolvem aumento de capital relacionados com o abuso de minoria. Isso resulta em uma apreciação particular do interesse, porque a sociedade não tem uma necessidade econômica vital perante o montante solicitado.

A fim de limitar os casos em que o comportamento de um sócio minoritário pode ser considerado abusivo, a doutrina tende a considerar apenas as oposições que ameaçam a própria existência da sociedade. Embora no caso Flandin, o Tribunal de Cassação tenha afirmado que a passividade dos minoritários diante do aumento de capital possa ser considerada abusiva por ter proibido "uma operação essencial", a Corte determinou a realização de uma nova assembleia, na qual os

168 BOIZARD, Martine. L’Abus de Minorité. Revue des sociétés, Paris, a. 106, n. 3, p. 365-380, juill./sept. 1988. p. 374.

minoritários seriam representados por um mandatário nomeado pelo Juízo para a defesa de seus interesses. Nessa assembleia se buscará encontrar o ponto de equilíbrio do que se considera como montante de capital essencial ou adequado.

Note-se que o Tribunal de Pau havia sido mais rigoroso, tendo considerado que o aumento de capital pretendido era indispensável para garantir a sobrevivência jurídica da sociedade e seu harmonioso desenvolvimento. Com efeito, a decisão do Tribunal de Pau simplesmente substituiu a vontade da minoria e determinou o aumento no montante pretendido pela maioria (jugement valant acte).

A Corte de Cassação considerou que o Tribunal de Pau não poderia realizar um controle sobre o montante por ausência de base legal, poderia ter estabelecido que o aumento de capital era válido até o limite determinado por lei, deixando para a nova assembleia determinar o montante exigido para além do mínimo legal, omissão esta que foi objeto de crítica por uma parte da doutrina.169