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A violação do interesse social

3 OS ELEMENTOS DO ABUSO DO DIREITO DE MINORIA

3.1 A JURISPRUDÊNCIA FRANCESA: EM BUSCA DOS ELEMENTOS

3.1.1 A violação do interesse social

Dos acórdãos sob análise é possível deduzir a presença de dois elementos no comportamento do sócio minoritário: a) uma atitude que contraria o interesse social; b) uma atitude que tem como finalidade atender seus próprios interesses em detrimento dos demais sócios.

Daniel Tricot afirma que o que está em causa nos acórdãos não é o interesse social, mas sim o interesse essencial da sociedade, como mencionado nos acórdãos, entendendo que as expressões não são sinônimas.120 Sob esse ponto de vista, a empresa representa uma atividade econômica cujos interesses são passíveis de tutela, pois permite ter em conta o futuro da empresa gerida pela

118 LE CANNU, Paul. Le minoritaire inerte (observations sous l'arrêt Flandin). Bulletin Joly Sociétés, Issy-les-Moulineaux, v. 152, n. 5, p. 537-544, mai 1993; e MERLE, Philippe. Cour D’Appel de Pau, 21 janvier 1991 [Commentaire de]. Revue des Sociétés, Paris, a. 110, n. 1, p. 46-50, janv./mars 1992. O Tribunal também considerou que "nada impede que o juiz autorize a maioria a aprovar o ato implícito no interesse social, o princípio da liberdade de o direito de voto é preservado e o compromisso pessoal dos acionistas minoritários não é alterado.”.

119 TRICOT, Daniel. Abus de droits dans les societés (abus de majorité et abus de minorité). Revue trimestrielle de droit commercial et de droit économique, Paris, a. 47, n. 4, p. 617-627, out./dez.

1994. p. 621.

120 TRICOT, Daniel. Abus de droits dans les societés (abus de majorité et abus de minorité). Revue trimestrielle de droit commercial et de droit économique, Paris, a. 47, n. 4, p. 617-627, out./dez.

1994. p. 622.

sociedade. Quando se está em causa um aumento de capital imposto por lei, como no caso Flandin seria o interesse da empresa e não da sociedade o objeto da tutela.

De fato, os acórdãos Six e Flandin fazem referência ao interesse geral da sociedade e não ao interesse social. Entre os autores portugueses, já se defendeu a existência de interesse da sociedade em contraposição ao interesse da empresa, no qual o primeiro corresponderia ao interesse social, entendendo-se este como o interesse da estrutura jurídica e não o interesse público ou geral121. O interesse da empresa representaria os interesses da própria empresa, como “uma estrutura organizada que desempenha estavelmente uma função produtiva”.122

Não se subscreve esse entendimento, uma vez que o interesse objetivo, entendendo-se aquele que corresponde a uma pura relação entre uma pessoa e um bem capaz de satisfazer suas necessidades.123 Esse interesse só pode ser atribuído ao sócio, já que a sociedade é sempre um regime jurídico.124 Portanto, se o interesse é sempre atribuível a um sujeito, não há como defender a existência de um interesse da empresa, considerando que esta não pode ter um interesse próprio destacado de um interesse humano.

Outra doutrina propõe a substituição do interesse social pelo interesse comum dos sócios, na medida em que o abuso seria punível por desrespeitar a comunidade de sócios. De acordo com essa posição, o juiz deve intervir para verificar se a atitude do sócio é ditada por um interesse pessoal sem qualquer consideração pelo interesse social, uma vez que, ao considerá-lo, estaria adentrando na esfera da gestão da sociedade.125

Essa posição não pode ser amparada, na medida em que o interesse comum dos sócios se confunde com o interesse social.126 Ademais, tanto o interesse social,

121 ASCENSÃO, José de Oliveira. Invalidades das deliberações dos sócios. In: MARTINS, Alexandre Soveral et al. Problemas do direito das sociedades. Coimbra: Almedina, 2002. p. 390-392.

122 ASCENSÃO, José de Oliveira. Invalidades das deliberações dos sócios. In: MARTINS, Alexandre Soveral et al. Problemas do direito das sociedades. Coimbra: Almedina, 2002. p. 390.

123 ALBUQUERQUE, Pedro de. Direito de preferência dos sócios em aumentos de capital nas sociedades anónimas e por quotas. Coimbra: Almedina, 1993. p. 315 e ss.

124 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha. Manual de Direito das Sociedades. 3. ed.

Coimbra: Almedina, 2011. v. I: Parte geral. p. 844.

125 Aludindo a essa questão, ainda que não a defenda, ver RIBES-JUSTEAU, Anne-Laure Champetier de. Refus de voter une augmentation de capital et abus de minorité [Commentaire de]. Revue des sociétés, Paris, a. 125, n. 4, p. 806-813, oct.-déc. 2007.

126 A favor, ALBUQUERQUE, Pedro de. Direito de preferência dos sócios em aumentos de capital nas sociedades anónimas e por quotas. Coimbra: Almedina, 1993. p. 341. Contra, Felipe Cassiano dos Santos. O autor afirma que o interesse social é um critério vago e verdadeiramente ficcional. Dessa forma, “o interesse comum a todos os sócios só poderia ser identificado com o interesse social na medida que tivesse sido inscrito no contrato de sociedade. (SANTOS, Felipe

entendido como o interesse comum dos sócios, como o interesse geral da sociedade enfrentam a mesma problemática no que diz respeito à indefinição do seu conteúdo abstratamente considerado. Note-se que uma oposição minoritária pode muito bem representar os interesses comuns, porquanto o interesse da maioria nem sempre representa o melhor interesse da sociedade.127 Assim, de qualquer forma, o juiz terá que fixar uma política que seja adequada e razoável frente aos interesses em jogo no caso concreto, não sendo vantajoso diferenciar o interesse social de um interesse geral da sociedade.

Uma segunda crítica que se faz ao critério do interesse social é que ele seria supérfluo.128 De acordo com esse posicionamento, não seria possível ao sócio procurar favorecer seus próprios interesses às custas dos demais sócios e ainda assim falar em interesse social. Mas essa crítica também carece de sentido, uma vez que ignora a dupla dimensão do voto da realidade societária, porquanto o voto serve para a defesa dos interesses individuais dos sócios, ao mesmo tempo que deve buscar atender ao fim comum da sociedade. Assim, o princípio da boa-fé determina que o sócio atenda, dentro de um justo equilíbrio, entre os seus interesses e os da sociedade e dos demais sócios, devendo abster-se de adotar comportamentos abusivos.129

Cassiano dos. Estrutura Associativa e Participação Societária Capitalística. Coimbra: Coimbra Editora, 2006. p. 382.).

127 ABREU, Jorge Manuel Coutinho de. Curso de Direito Comercial. Coimbra: Almedina, 2002. v. II:

Das sociedades. (Manuais Universitários). p. 293. Segundo o autor, tal confusão levaria a concluir que todas as deliberações dos sócios (porque tomadas com a maioria exigida) seriam necessariamente conformes ao interesse social.

128 Em Portugal, essa posição é defendida por TRIUNFANTE, Armando Manuel. A tutela das minorias nas sociedades anónimas: direitos de minoria qualificada: regramentos e garantias constitucionais do processo. São Paulo: Saraiva, 1989. p.167 e ss; e por OLIVEIRA, Ana Perestrelo de. Manual de governo das sociedades. Coimbra: Almedina, 2017. (Manuais Universitários), que tem na base de sua doutrina a violação do dever de lealdade como elemento fundamental do abuso de direito no âmbito das sociedades. Segundo esta autora, “[...] o direito de voto não surge como direito vinculado do acionista de contribuir para a formação da vontade do “todo ideal” que constitui a pessoa jurídica”. (Idem, ibidem, p. 142-143). Também nesse sentido, Jorge Henrique da Cruz Pinto Furtado, que expressamente critica a identificação do abuso de direito com a violação do interesse social no único desígnio de favorecer os menos da maioria em detrimento da minoria como faz a jurisprudência francesa ao disciplinar os abusos de maioria. O autor esclarece que os juízes determinam a violação do interesse social a partir de uma ruptura da igualdade entre os acionistas que não seja justificada pelo interesse social. (FURTADO, Jorge Henrique da Cruz Pinto.

Deliberações de Sociedades Comerciais. Coimbra: Almedina, 2005. (Teses de Doutoramento). p.

271).

129 Ver FRADA, Manuel A. Carneiro da. Deliberações sociais inválidas no novo código das sociedades. In: AAVV. Novas perspectivas do direito comercial. Coimbra: Almedina, 1988. p.

323. Aludindo à dupla dimensão do voto, ver FESTAS, David Fernandes de Oliveira. Das inibições de voto dos sócios por conflito de interesse com a sociedade nas sociedades anônimas e por quotas dos sócios. 2017. Tese (Doutoramento em Ciências Jurídico-Civis) – Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2017. p. 677. Segundo o autor, os interesses próprios dos

Quando o sócio adota um comportamento que visa “favorecer os seus próprios interesses em detrimento de todos os outros associados”, como lançado nos acórdãos sob análise, pode-se dizer que se está diante de uma violação do dever de lealdade, ainda que não haja qualquer referência na doutrina francesa a esse respeito. A verdade é que, ao defender seus próprios interesses sem considerar os demais, há um desequilíbrio no exercício de poder que resulta na necessidade de se tutelar os interesses da maioria.

3.1.2 O favorecimento aos próprios interesses em detrimento dos outros