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Os elementos do abuso de maioria se aplicam ao abuso de minoria?

4 AS MODALIDADES DE ABUSO DE MINORIA

4.1 O ABUSO DE DIREITO NA REALIDADE SOCIETÁRIA

4.1.1 Os elementos do abuso de maioria se aplicam ao abuso de minoria?

Verificou-se que forma o abuso de direito se concretiza na realidade societária, em que pese as controvérsias sobre a função que o art. 334 para delimitar o espaço de liberdade de voto do sócio majoritário. De qualquer forma, o art. 58, nº 1, alínea b), contempla uma modalidade abusiva sem deixar dúvida sobre sua aplicabilidade ao abuso de voto majoritário e para a qual se exige um elemento de natureza subjetiva (um propósito abusivo) e outro de natureza objetiva (aptidão de causar prejuízos).

Ainda que no abuso de minoria se tenha concluído que o intérprete poderá recorrer ao regime geral previsto no art. 334, é preciso responder se os elementos previstos para o abuso de maioria também se aplicam à realidade do abuso de minoria. Se assim for exigido, será necessária a demonstração do propósito abusivo do sócio minoritário, como também será preciso vencer a prova de resistência255 expressamente prevista para o abuso de maioria.

Essa posição é defendida por Armando Manuel Triunfante256, que, revendo sua posição anterior,257 defendeu a aplicação dos elementos do abuso de maioria ao abuso de minoria. Por se tratar de modalidade que sobre o processo de formação da deliberação, a princípio seria possível defender esse posicionamento.258

Seguindo esse raciocínio, não há uma diferença substancial entre o voto abusivo de maioria e o de minoria. Enquanto o primeiro faz surgir uma deliberação positiva, o outro tem o efeito de produzir uma deliberação negativa, sendo ambas a

255 A prova de resistência ditará a validade ou invalidade da deliberação: se provar que, mesmo sem os votos abusivos, a deliberação teria sido tomada, a deliberação é válida. Se desconsiderados os votos abusivos, o sentido da deliberação seria outro, então a deliberação será anulável. (MAIA, Pedro. Deliberações dos sócios. In: ABREU, Jorge Manuel Coutinho de (coord.). Estudos de direito das sociedades. 11. ed. Coimbra: Almedina, 2013. p. 251.).

256 TRIUNFANTE, Armando Manuel. Abuso de minoria do direito de voto nas deliberações sociais. In:

DOMINGUES, Paulo de Tarso (coord.). Congresso comemorativo dos 30 anos do Código das sociedades comerciais. Coimbra: Almedina, 2017. p. 267-283.

257 Posição defendida anteriormente por TRIUNFANTE, Armando Manuel. A tutela das minorias nas sociedades anónimas. Coimbra: Coimbra Editora, 2004. v. 1: Direitos de minoria qualificada [e]

abuso de direito. p. 406 e ss.

258 Esse posicionamento é defendido por Pedro Maia nas hipóteses em que a mera anulação dos votos contra a proposta é suficiente para aprovar a deliberação, porque calculada sobre a totalidade dos votos correspondentes ao capital social. Mas o autor não parece concordar com essa solução quando a minoria impede a aprovação da deliberação em que se está diante de um dever de voto do sócio minoritário, isto é, na hipótese em que se exija uma maioria qualificada. (MAIA, Pedro.

Abuso de minoria Anotação (a acórdão do STJ de 11.1.2001). 11/01/2011. [Anotado por Pedro Maia]. Cadernos de Direito Privado, Braga, n. 40 p. 68-80, out./dez. 2012. p. 79.).

expressão da vontade do ato colegial independentemente do seu conteúdo.259 Dessa forma, todos os requisitos aplicados à deliberação positiva poderiam ser aplicados ao abuso de minoria. Como consequência, no abuso de minoria seria necessário demonstrar tanto o propósito abusivo de pelo menos um dos sócios, como também aplicar a prova de resistência.

Com relação à prova de resistência, esta deveria funcionar em termos análogos ao do abuso de maioria. Se a minoria de bloqueio subsistir após o desconto dos votos abusivos, a deliberação negativa deverá prevalecer. E assim é porque, se na anulação da deliberação por abuso de maioria deve-se restituir a situação ao status quo ante, a partir de uma recontagem de votos imposta pela prova de resistência, esse mesmo raciocínio deve ser imposto no abuso de minoria, confirmando-se a rejeição da proposta.

Embora o entendimento seja aparentemente coerente, não é possível subscrevê-lo pelas seguintes razões. Primeiramente, é preciso ter em conta que o regime da alínea b, do nº 1, do art. 58, foi criado para atender uma situação específica: a anulação da deliberação aprovada com os votos que apresentem vício em seu conteúdo. Com efeito, o legislador não teve a intenção de regulamentar outra espécie abusiva, não parecendo possível aplicar a prova de resistência a outra realidade na qual está em causa o dever do sócio em votar em determinado sentido.

Ademais, o abuso de minoria negativo não está relacionado apenas com o voto abusivo, mas também com a ausência do sócio na assembleia geral.

Por outro lado, a exigência de um elemento subjetivo parece razoável, na medida em que não se afigura como defensável que o juiz tenha o poder de impor uma sanção que incida sobre a deliberação sem demonstrar o propósito abusivo do sócio, pois, se adotado esse critério, o Estado estaria a definir o próprio interesse social. Entende-se que o abuso deve sempre recair sobre o comportamento, sendo vedado ao magistrado impor ou censurar uma deliberação que por considerar ser mais conveniente aos interesses da sociedade. Assim, ao contrário do que

259 Sobre as deliberações negativas, ver: FURTADO, Jorge Henrique da Cruz Pinto. Deliberações de Sociedades Comerciais. Coimbra: Almedina, 2005. (Teses de Doutoramento). p. 404; COELHO, Eduardo de Mello Lucas. A formação das deliberações sociais: assembleia geral das sociedades anónimas. Coimbra: Coimbra Editora, 1994. p. 179 e ss; e VENTURA, Raúl. Alterações do Contrato de Sociedade – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais. 2. ed. Coimbra:

Almedina, 1998.

defendem alguns autores260, entende-se acertada a opção do legislador em fazer depender da anulação da deliberação a análise do vício incidente sobre o voto261, requisito que também deve ser estendido para as situações de abuso de minoria.

Nesta hipótese pode-se aplicar uma das soluções previstas para o abuso de maioria defendida por Pedro Pais, isto é, a de que o voto pode ser sindicado ainda que inexista intenção atual e subjetiva do sócio que vota, bastando, para tanto, que a deliberação seja apta a satisfazer um propósito abusivo, que aquele sócio possa ter, independentemente de atualmente o ter ou não.262 Contudo no abuso de minoria é mais provável que se esteja diante de uma intenção subjetiva e atual de lesar a sociedade e os demais sócios, considerando a essencialidade da proposta deliberativa à consecução do interesse social.

Portanto, tanto no abuso de maioria quanto no de minoria, a deliberação deverá ser apta a proporcionar o efeito abusivo desejado pelo sócio. Se a deliberação for abusiva, é porque o voto apresenta vício em seu conteúdo que contaminou a própria deliberação, devendo o magistrado sindicar o próprio voto abusivo, embora nada impeça que, em razão da dupla natureza da deliberação263, o resultado da deliberação possa auxiliar o magistrado em seu convencimento. Mas ele deverá sempre fundamentar sua decisão tendo por pressuposto a intenção abusiva do sócio. Do contrário estará a determinar o próprio interesse social, abusando de sua posição de poder.264

260 ASCENSÃO, José de Oliveira. Invalidades das deliberações dos sócios. In: MARTINS, Alexandre Soveral et al. Problemas do direito das sociedades. Coimbra: Almedina, 2002. p. 397; CORREIA, Luis Brito. Direito Comercial. Lisboa: AAFDL, 1989. v. 3: Deliberação dos sócios. p. 341-342; e ABREU, Jorge Manuel Coutinho de. Do abuso de direito: ensaio de um critério em direito civil e nas deliberações sociais. Coimbra: Almedina, 2006. (Monografias). p. 136-138.

261 FRADA, Manuel A. Carneiro da. Deliberações sociais inválidas no novo código das sociedades. In:

AAVV. Novas perspectivas do direito comercial. Coimbra: Almedina, 1988. p. 322; e VASCONCELOS, Pedro Pais de. A participação social nas sociedades comerciais. 2. ed.

Coimbra: Almedina, 2006. (Manuais Universitários). p. 152).

262 VASCONCELOS, Pedro Pais de. A participação social nas sociedades comerciais. 2. ed.

Coimbra: Almedina, 2006. (Manuais Universitários). p. 155.

263 Segundo Eduardo de Mello Lucas Coelho, “a votação constitui elemento integrador, e dos mais relevantes, no encadeamento procedimental de atos conducentes à deliberação in facto esse”.

(COELHO, Eduardo de Mello Lucas. Formas de deliberação e de votação dos sócios. In: MARTINS, Alexandre Soveral et al. Problemas do direito das sociedades. [Coimbra]: Almedina, 2002. p.

334.).

264 Sobre o risco de se abusar do instituto do abuso de direito, ver VASCONCELOS, Pedro Pais de. O abuso do abuso do direito: um estudo de direito civil. Revista do CEJ, Lisboa, n. 1, p. 33-56, 1º sem. 2015. Segundo o autor, “O abuso do direito não pode ser banalizado, como mecanismo de salvaguarda contra concretizações defeituosos, o abuso do direito deve ser usado com cautela. O mecanismo da sua aplicação dever der bem explicitado de modo a poder ser sindicado.” (Idem, ibidem, p. 46).

Tratando-se de um comportamento abusivo ditado por um interesse, é preciso estabelecer os critérios que permitem determinar sua incompatibilidade com os atos lícitos. Deve-se, então, partir do seguinte pressuposto: se o ser humano adota um comportamento, é porque tem a capacidade de prever suas consequências.265 Diante de um caso concreto, é preciso perguntar se essas consequências (ilícitas ou abusivas) foram previstas ou, ao menos, se era possível prevê-las. Mas, além disso, deve-se indagar se era humanamente possível, em abstrato, prever as consequências do comportamento adotado. Se a resposta for positiva, isso será o bastante para se imputar a responsabilidade ao sócio que atuou com o comportamento abusivo, o que vale também para as omissões.266

Com efeito, a prova do abuso não consiste em “desvendar o que se passa no íntimo da alma de cada um”267, mas determinar face ao caso concreto se o sócio minoritário tem uma justificativa plausível para seu comportamento. Nessa hipótese, parece que dificilmente o sócio minoritário tem condições de demonstrar, em contraditório, que não podia prever o resultado de seu comportamento. Até porque o abuso de minoria está relacionado com situações nas quais o interesse social é gravemente ferido, colocando em risco a própria existência da sociedade.268

Dessa forma, o propósito abusivo será demonstrado a partir da ausência de justificação material269 do voto abusivo que impede a aprovação de uma deliberação positiva, sendo dispensável a demonstração objetiva da vantagem obtida ou buscada pelo minoritário. Não se quer dizer com isso que o sócio majoritário esteja dispensado de demonstrar o dano ao interesse social que do comportamento abusivo deriva. A prova do abuso será demonstrada a partir do potencial de dano à sociedade e das circunstâncias materiais do caso concreto, sendo de vital

265 MARTINS, João Marques. Presunções judiciais na responsabilidade civil extracontratual.

Cascais: Princípia, 2017. p. 35 e ss

266 MARTINS, João Marques. Presunções judiciais na responsabilidade civil extracontratual.

Cascais: Princípia, 2017. p. 35.

267 DUARTE, Teófilo de Castro. O abuso do direito, e as deliberações sociais: ensaio jurídico. 2.

ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1955. p. 68.

268 Defendendo que o interesse violado deve corresponder não ao interesse social, mas ao interesse geral da sociedade, TRICOT, Daniel. Abus de droits dans les societés (abus de majorité et abus de minorité). Revue trimestrielle de droit commercial et de droit économique, Paris, a. 47, n. 4, p.

617-627, out./dez. 1994. p. 622.

269 A exigência de uma justificação material da deliberação social à luz de um juízo de necessidade e proporcionalidade tem sido acolhida na doutrina alemã quando a deliberação produz uma alteração significativa nos direitos dos sócios. (OLIVEIRA, Ana Perestrelo de. Manual de governo das sociedades. Coimbra: Almedina, 2017. (Manuais Universitários). p. 142.).

importância o apelo à materialidade subjacente, já que, como regra, o voto pode ser declarado em qualquer sentido.

Note-se, portanto, que o sócio majoritário não é obrigado a demonstrar o recebimento de uma vantagem econômica percebida pelo minoritário, já que em algumas situações essa vantagem só pode ser compreendida dentro de um contexto que não envolve sua condição de sócio (vantagem extrassocial), na qual a prova é de difícil demonstração. Se por interesse pessoal se entender unicamente a percepção de uma vantagem econômica, o abuso deixaria de ser sancionado270, já que na maioria dos casos de abuso negativo se está diante de um prejuízo iminente da sociedade e, portanto, do conjunto de sócios.

Isso posto, defende-se a aplicação do art. 334 do Código Civil para os abusos de minoria, por constituir a regra geral que proíbe o abuso de direito no ordenamento português, dispensando-se a prova de resistência por não ter sido este regime previsto para essa modalidade abusiva. Por outro lado, entende-se que, em razão da natureza das sociedades comerciais, o voto deve ser sindicado, demonstrando-se, para tanto, a intenção de causar dano a partir dos elementos presentes e da ausência de justificativa do sócio minoritário para seu comportamento.