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CAPÍTULO 2 O ESPIRITISMO NO BRASIL

2.3 AMEAÇAS EXTERNAS

2.3.3 A oposição dos cientistas das ciências da saúde

A pressão contra o Espiritismo foi manifestada até no âmbito das ciências médicas. No começo do Espiritismo no Brasil os médiuns estavam mais preocupados com a dor e o sofrimento do que com as pesquisas científicas em torno do fenômeno. Multiplicavam-se os médiuns de cura, os receitistas e os que usavam a homeopatia como meio de prescrever remédios. A prática mediúnica, ainda não muito bem domesticada levava a médium a assumir uma postura agitada e mesmo um pouco descontrolada durante a manifestação dos espíritos. Aos olhos do povo a prática mediúnica dentro do Espiritismo era vista como semelhante a das outras religiões que usavam a mediunidade. E como quando o Espiritismo chegou ao Brasil já estavam disseminadas as práticas mediúnicas dentro do padrão das religiões de origens indígenas e africanas, ficava difícil distinguir uma da outra o que levava o povo a considerar tudo a mesma coisa.

O tratamento psiquiátrico no começo do século XX infundia pavor pelas histórias que vazavam dos hospitais psiquiátricos. Os procedimentos, certamente, deveriam ser científicos, o que não diminuía o medo que se tinha de se submeter a eles. Alguns dos tratamentos descritos por Nadja Cristiane Lappann Botti no seu ensaio Uma viagem na história da enfermagem dão conta do que se está falando aqui.

Para o controle dos doentes mentais, segundo (BOTTI, 2007), o primeiro tratamento era a clinoterapia - repouso prolongado garantido com amarras, conforme o caso; para os pacientes um pouco mais agitados recomendava-se o uso da camisa de força, uma camisa de tecido grosso em que os braços enfiados nas mangas dessa camisa ficavam presos e amarrados de forma cruzada, à frente do peito; entre os cuidados benevolentes, estava a ingestão de três a quatro litros de leite, diariamente; para os doentes mais agitados prescrevia- se o banho de hora, um banho quente com toalha fria na cabeça, por mais ou menos duas horas, ou até se acalmarem; para outros casos mais agudos a malarioterapia - injeção de malária retirada do sangue de outro paciente doente. Então, era só conservar o paciente por oitenta horas com febre de 38º C, depois, após esse tratamento, uma injeção de bismuto que, os mais velhos se lembram, entravam nas veias como tição em brasa; usava-se também a insulina para provocar o coma, controlada com interrupções de aplicação de glicose; e, às

vezes a convulsoterapia, usados nos pacientes que estavam negativistas, isto é, não queriam se alimentar e nem ver a família. Esse tratamento consistia na aplicação de um choque elétrico de 80 volts (menos não funcionava), acompanhado de uma sacolinha aplicada ao queixo para segurá-lo e não deixar que o paciente mordesse a língua. (BOTTI, 2007).

Pelo visto, é razoável supor que o indivíduo que se percebesse perturbado ou era tido como perturbado pela família, iria tentar qualquer outra opção, por mais estranha que fosse, antes de se submeter ao tratamento médico. Também nessa época a perturbação e a doença mental, para muitos, eram motivadas por influência espiritual, o famoso ―encosto‖. E o tratamento para esse tipo de coisa era feito por curandeiros e benzedeiras, cujas ―clínicas‖ tinham seus espaços nos centros espíritas, e nos terreiros de candomblé e Umbanda. Não tardou para se associar Espiritismo e loucura. Os centros espíritas foram chamados de ―fábricas de loucos‖.

Ao lado deste conflito, no campo religioso, ainda no final do século XIX, o Espiritismo começou a ser objeto de debate entre os médicos. Dentre estes, notadamente psiquiatras, questionava-se as teorias espíritas e a sua pretensão de legitimá-las nos domínios do campo médico/científico. Os médicos consideravam que, ao introduzir a ideia da existência de um elemento extra material (o espírito), o Espiritismo seria, na realidade, um retrocesso à superstição. Dessa forma, as ideias espíritas seriam inaceitáveis numa época de conquistas intelectuais e científicas. (ALMEIDA, 2007, p. 19).

Havia outro fato desencadeador da hostilidade da medicina tradicional contra os centros espíritas - o curandeirismo. A medicina oficial não aceitava, nem a possibilidade de sucesso nos tratamentos espirituais, nem a concorrência que estes faziam ao atendimento médico. Nesse tempo, houve uma grande produção de textos acadêmicos. Todos tinham a intensão de ―sustentar a tese de que o Espiritismo seria um importante agente desencadeador de loucura, além do fato dos médiuns espíritas exercerem ilegalmente a medicina em variadas práticas de cura.‖. (ALMEIDA, 2007, p. 20).

Vale a pena lembrar que essa associação de Espiritismo e loucura não foi exclusividade dos cientistas e médicos brasileiros. Já na França alguns médicos acusaram a prática espírita de contribuir para a loucura. Um médico interno do Hospital de Lyon, o Sr. Philibert Burlet, publicou no folhetim Presse, de 8 de janeiro de 1863, um artigo em que afirma a contribuição espírita para a loucura. Segundo Burlet, os casos de loucura registrados em seu hospital eram apenas uma amostra dos casos de loucura provocados pelo Espiritismo em toda França, ―e não há razão para que não seja - parece-nos fora de dúvida que o

Espiritismo pode tomar lugar na fileira das causas mais fecundas de alienação mental.‖ (KARDEC, 2006, p. 80). O artigo fui comentado por Kardec em sua Revista Espírita.

Longe de admitir o Espiritismo como uma causa de aumento da loucura, dizemos que é uma causa atenuante que deve diminuir o número de casos produzidos pelas causas ordinárias. Com efeito, entre essas causas, é preciso colocar em primeira linha os pesares de toda natureza, as decepções, as afeições contrariadas, os revezes de fortuna, as ambições não concretizadas. O efeito dessas causas está em razão da impressionabilidade do indivíduo. Se tivéssemos um meio de atenuar essa impressionabilidade, este seria, incontestavelmente, o melhor preservativo. Pois bem! Este meio está no Espiritismo, que amortece o contragolpe moral, que faz suportar com resignação as vicissitudes da vida. Um que se teria suicidado por um revés, haure na crença espírita uma força moral que o leva a suportar o mal com paciência; não só não se matará mas, em presença da maior adversidade, conservará fria a razão, porque tem uma fé inalterável no futuro. (KARDEC, 2006, p. 86).