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CAPÍTULO 2 O ESPIRITISMO NO BRASIL

2.1 OS PRIMÓRDIOS

Desde que foi estruturado como uma doutrina filosófico-religiosa, em 1857, pela publicação em Paris, na França, da primeira edição de O Livro dos Espíritos, o Espiritismo começou a ser praticado em vários países do mundo.

Essa difusão se deveu em certa medida ao grande número de fenômenos mediúnicos que ocorreram nessa época nos Estados Unidos e na Europa - inicialmente os raps, e depois as mesinhas girantes, fenômenos já comentados no primeiro capítulo.

A rapidez com que se propagaram, em todas as partes do mundo, os estranhos fenômenos das manifestações espíritas é prova evidente do interesse que despertam. A princípio, simples objetos de curiosidade não tardaram a chamar a atenção de homens sérios que neles vislumbraram, desde o início, a influência inevitável que viriam a ter sobre o estado moral da sociedade. (KARDEC, 2004, p. 21).

Desde a época de colônia, até meados do século XX o Brasil mostrava uma dependência local sobre tudo o que provinha da Europa. Como fonte de produtos industrializados, como fonte de documentação histórica e literária, como fonte de tecnologia, como fonte de moda ou costumes, Portugal e principalmente a Inglaterra e a França se destacavam a ponto de serem fontes quase exclusivas de tudo o que se podia ter e conhecer. (TAVARES, 1979).

O intercâmbio da então modestíssima imprensa periódica brasileira com a imprensa estrangeira limitava-se, naquela época, quase que exclusivamente a alguns países europeus, em especial a França. É desta nação que aqui aportava a maior parte das notícias concernentes aos mais variados fatos que sucediam na superfície terrestre. (WANTUIL, 2007, p. p. 243)

A notícia das mesinhas girantes também foi uma das novidades trazida dos salões europeus. O Anuário Histórico Espírita, de 2003, publicado pela Editora Madras, dá conta de experimentações dessa natureza, já no ano de 1853, realizadas por um farmacêutico de nome Catão Mamede e seu pai, Antonio Paes da Cunha Mamede, no Ceará. Também, segundo Eduardo Carvalho Monteiro, "o historiador e homeopata Melo Morais, no Rio de Janeiro, organizou e dirigiu um grupo com a finalidade de estudar esses fenômenos. Entre seus integrantes estavam o Marquês de Olinda e o Visconde de Uberaba". (MONTEIRO, 2003, p.

31). Ainda não era Espiritismo, mas já era uma experimentação sobre a possibilidade de contato entre os encarnados e desencarnados - mediunidade. Outros experimentadores da mediunidade foram os homeopatas Bento Mure (francês) e João Vicente Martins (português), chegados ao Rio de Janeiro em 1840, "que aplicavam passes em seus pacientes e falavam em Deus, no Cristo e na caridade, quando efetuavam suas curas" (MONTEIRO, 2003, p. 30). Jornais locais davam notícia das mesinhas girantes na França. Um deles, O Cearense, fundado em 1846, em seu número de 26 de julho de 1853, destacava o fenômeno, em sua manchete, "Mesas dançantes":

Não é só na Alemanha, França, Pernambuco, etc., que se fazem experiências elétrico-magnéticas das mesas dançantes. O Sr. José Smith de Vasconcelos fez, no domingo, uma experiência em sua casa, na presença de muitas pessoas, com uma mesa redonda, que depois de alguns minutos rodou pelo meio da sala, até que os experimentadores romperam a cadeia!!! Neste momento presenciamos várias experiências desta. (MONTEIRO, 2003, p. 31).

José Smith de Vasconcelos era português, filho do Conselheiro José Inácio Paes Pinto de Souza e Vasconcelos e, de Mary Martha Tustin Smith, essa, inglesa de Worcester. Foi comerciante e um dos fundadores da Santa Casa de Misericórdia, tendo sido, também seu provedor. Era abolicionista e antecipou a libertação de vários dos seus escravos, 20 anos antes da Lei Áurea. Segundo MONTEIRO (2003), Smith foi Vice-Cônsul da Suécia e Noruega, da cidade Livre de Hamburgo e Agente Consular da República dos Estados Unidos da América do Norte, dentre outros cargos e funções. Tratava-se de pessoa de boa posição social e intelectual, o que reforça a confiabilidade dos relatos produzidos.

Na França o Espiritismo atinge o seu ápice, nos anos 1920. Protagonizado principalmente por Leon Denis (1846 – 1927), considerado o grande pensador espírita depois de Kardec, o Espiritismo havia atingido todas as classes sociais, principalmente as camadas mais cultas da sociedade francesa. Denis havia publicado uma série de livros sobre a filosofia espírita que é lida até hoje pelos espíritas do mundo inteiro. Sua primeira obra foi Depois da Morte, em 1890, onde Denis faz um estudo das religiões na antiguidade, explora as experiências de comunicação com os mortos e termina com uma construção filosófica da moral espírita. Desde O Porquê da Vida, lançado em 1885 até o Grande Enigma, de 1911, a coleção de suas obras têm sido consideradas o grande esteio do Espiritismo, depois de Allan Kardec. Depois de sua morte, uma série de fatores fez o Espiritismo regredir na França. Em primeiro lugar temos a diminuição do interesse pelas mesinhas girantes; depois, a fraude dos médiuns que procuram provar, a qualquer preço, uma força prodigiosa que não possuíam.

―Uma outra razão para o desmoronamento da doutrina de Allan Kardec é oriunda das desavenças entre espíritas e ocultistas (Papus) 22, entre espíritas e teósofos (Blavatski) 23, e a atração exercida pelas sociedades metapsíquicas.‖ (AUBRÉE e LAPLANTINE, 2009, p. 126).

As ideias de Papus, também muito conhecidas no final do século XIX colidiram com os princípios kardecistas e carregaram muitos adeptos. Madame Blavatsky, como era conhecida, foi uma das fundadoras da Sociedade Teosófica, em 1875. Teve contato com diversos experimentadores espíritas, inclusive com o pesquisador americano dos fenômenos mediúnicos, Henry Steel Ollcot (1832 – 1907), conhecido como Coronel Ollcot, outro dos fundadores da Sociedade Teosófica. A diversidade das explicações dos fenômenos mediúnicos desviou o foco de muitos curiosos que ora pendiam para o Espiritismo, ora para as propostas dos teósofos, ora para os ocultistas.

Diversos ramos da ciência começam a pesquisar os fenômenos citados como mediúnicos pelo Espiritismo, sob outras formas. A Metapsíquica de Richet – Charles Robert Richet (1850 – 1935) - fisiologista francês; a parapsicologia de Rhine - Joseph Banks Rhine (1895 – 1980) - biólogo americano, da universidade de Duke, na Carolina do Norte; a histeria de Pierre Janet – Pierre-Marie-Félix Janet (1859 – 1947) - psicólogo e neurologista francês, que junto com Charcot, diretor do Manicômio de Paris, estudou os casos de alteração do estado psíquico de pacientes tidos como loucos, por exemplo, convergem para uma visão mais psicológica da mediunidade, formulando teorias que atribuem aos diversos estados de êxtase mediúnico uma perturbação ou alteração do estado mental do sensitivo. Essa visão científica da mediunidade competiu com a versão espirita do fenômeno produzindo deserções entre os espíritas europeus.

O Brasil, particularmente, aderiu à nova doutrina religiosa de forma mais efetiva que outros países. Isso não foi percebido por Kardec, em sua época, já que o seu contato mais frequente era com os espíritas da Europa. Nessa época ainda não se podia prever o movimento de transferência da primazia do Espiritismo, da França, para o Brasil. Os espíritas procuram explicar essa transferência como uma ação do "plano espiritual" que teria elegido o Brasil como uma nova "terra prometida". Esse argumento é apresentado no Livro "Brasil Coração do Mundo e Pátria do Evangelho", escrito pelo médium mineiro Francisco Cândido Xavier - o Chico Xavier. Nesse livro, alegam os espíritas, que o espírito de Humberto de Campos, poeta

22 Gérard Anaclet Vincent Encausse (1865 - 1916) foi médico, escritor, ocultista, rosacrucianista, cabalista e

maçom, fundador do martinismo, escola de pensamento místico filosófica.

maranhense, membro da Academia Brasileira de Letras, revelou que o Brasil seria a pátria do futuro e isso por intervenção direta do Cristo: "Jesus transplantou da Palestina para a região do Cruzeiro a árvore magnânima do seu evangelho, a fim de que os seus rebentos delicados florescessem de novo, frutificando em obras de amor para todas as criaturas". (XAVIER, 2008, p. 12).

A diminuição dos efetivos espíritas na França, e consequente aumento dos efetivos nas Américas, particularmente no Brasil também são explicados pelos espíritas como uma migração espiritual de franceses: "um número considerável de franceses, com efeito, não vêm apenas ao Brasil para serem invocados enquanto espíritos, mas para se reencarnarem aqui. Chico Xavier considera que o seu número é vizinho de vinte milhões" (AUBRÉE e LAPLANTINE, 2009, p. p. 307).

Outras análises mais acadêmicas procuram encarar esses fatos como fenômenos sociais caracteristicamente mundanos: a decantada oposição da Europa decadente frente à América em ascensão; o interesse do novo mundo pelas coisas novas abrigadas por um clima de progresso crescente e promissor; a promessa messiânica para um país em desenvolvimento que de repente é alçado à esperança do mundo, mais ainda, em um país que deseja se libertar da imagem provinciana e colonial; a busca de novas ideias e uma rejeição latente contra tudo o que representa as filosofias da modernidade decadente; e, a busca de novas esperanças, falecidas no desencantamento do mundo.

Ao procurar dissolver os mitos e mistérios, ele [Kardec] contribuía, bem mais pela forma de sua atitude do que pelo conteúdo de sua doutrina ao movimento que Max Weber qualifica ainda de "desencantamento do mundo", e abria um setor inteiro de pesquisa (a parapsicologia), expurgado de qualquer referência religiosa, com de qualquer emoção poética. Ora, esse mundo desencantado, o Espiritismo brasileiro vai encarregar-se de reencantar, conferindo-lhe calor afetivo, força do imaginário, mas, sobretudo o sabor incomparável, apenas proporcionado pelos mitos. (AUBRÉE e LAPLANTINE, 2009, p. p. 298) .

O cientificismo característico do início da codificação kardecista, também viria encontrar certa resistência na cultura brasileira. Embora o aspecto moderno que a ciência dava ao Espiritismo, no modelo de Espiritismo preocupado com avanços na comprovação científica de suas propostas, esse modelo não encontrou ambiente propício no Brasil do século XIX e início do século XX. Espiritismo científico parecia ser uma religião mais do tipo francês do que do tipo brasileiro. Isso porque a sociedade francesa vivia, ao tempo do nascimento do Espiritismo, a expansão de época das luzes. Paris refulgia como centro cultural do mundo, bem adaptada a acolher uma nova teoria e uma nova ciência. O Brasil, terminada a segunda

fase do Império, ainda era uma colônia cultural da Europa, com poucos destaques na área acadêmica e com uma presença enorme do misticismo das religiões. No entanto, paradoxalmente, esse fato pode ter sido uma das causas da descentralização do Espiritismo, da França para o Brasil.

No início do século XX houve uma diminuição das ocorrências de fenômenos mediúnicos impactantes, como as mesinhas girantes e das manifestações envolvendo pessoas com mediunidades incomuns, como Daniel Douglas Home (1833 - 1886), Eusápia Paladino (1854 - 1018) e Andrew Jackson Davis (1826 - 1910), todos investigados por vários cientistas da época. A franca oposição da Academia à explicação espírita dos fenômenos mediúnicos enfraqueceu a credibilidade da proposta espírita. Enquanto a Revista Espírita, fundada por Kardec e que deu larga divulgação ao Espiritismo principalmente entre 1958 a 1969, ainda explorava temas científicos dentro do estudo dos fenômenos sob o ponto de vista de certa forma acadêmico, os livros de Kardec passaram a abordar mais fortemente aspectos filosóficos, morais e religiosos. Dos nove livros publicados enquanto Allan Kardec estava vivo, apenas dois podem ser considerados como proposta de pensamento científico: O Livro dos Médiuns - onde Kardec pesquisa e apresenta teorias sob a mediunidade; e A Gênese - onde, em parte do livro, Kardec comenta sobre aspectos da gênese planetária. O interesse no Espiritismo investigativo, bastante valorizado até a segunda década do século XX na Europa foi se esvaziando, dando lugar a um Espiritismo mais voltado à pregação da ética cristã. O apelo religioso, então, funcionaria melhor em um ambiente onde a religião e a ética cristã estivessem, ainda, bastante fortalecidas. O Brasil mantinha forte ligação cultural com a França e no bojo dessas transferências culturais veio o Espiritismo que se aclimatou tão bem por aqui, que conseguiu superar a matriz francesa em número de seguidores.

No caso brasileiro, houve dois deslocamentos importantes em relação ao cientificismo kardequiano: o deslocamento da ênfase na mensagem para a ênfase no carisma do médium; e, o deslocamento da comunicação espírita entre indivíduos desconhecidos num mesmo espaço mediúnico impessoal para a mediação relacional entre seres já ligados por nexos anteriores, geralmente familiares. (LEWGOY, 2008, p. 86).

O Brasil também produziu médiuns e escritores mais afinados com esse modelo ético-cristão. Os líderes do Espiritismo no Brasil trabalharam melhor esse aspecto ético- consolador da Doutrina Espírita. Percentagem muito significativa dos livros mediúnicos trata da moral cristã e da autoajuda. Expoentes da cura mediúnica ajudaram a aumentar a aceitação da doutrina e a prática da caridade segundo as diretrizes cristãs aumentaram a credibilidade e

o respeito pelo Espiritismo. A própria prática mediúnica, voltada para a transmissão de mensagens de aconselhamento, conforto, contato com entes queridos já falecidos, e controle das ―influências negativas‖, via sessões de desobsessão, se mostrou mais útil do que a mediunidade vista apenas como um fenômeno científico a ser estudado. A seu modo, o Espiritismo convive com os processos de racionalização e secularização e ajudam o indivíduo a enfrentar os problemas do dia-a-dia. ―Certos traços característicos fortalecem esse papel: capacidade de ser fonte de orientação para os indivíduos (substituindo a tradição e sua autoridade), aceitação de valores urbanos e profanos, busca de coerência explícita com a ―ciência‖ e ―a atitude científica‖. (CAMARGO, 1961, p. XIII).

Inicialmente, no contato com os índios os colonizadores conheceram um universo religioso bastante simbólico, povoado de entidades espirituais, que embora eles, os colonizadores, tentassem dissolver ou modificar, acabava por provocar uma integração à nova cultura nascente. O colonizador trazia uma tradição católica muito forte povoada de um panteão de santos e figuras míticas, dogmas maravilhosos e uma ideia de submissão total à Igreja. As velas de suas naus carregando a cruz de malta, os crucifixos no peito, a sacralização da descoberta com a 1ª missa, e a redação entretecida de reverências religiosas mostra bem a cultura que estava chegando. O nome do monte - Pascoal - recém-descoberto e os nomes da nova terra descoberta - Ilha de Vera Cruz e Terra de Santa Cruz - são testemunhos da força que a religião católica tinha na cultura do povo português. Uma cultura religiosa que desde o primeiro contato com o indígena tentou se impor.

Acabada a missa, tirou o padre a vestimenta de cima e ficou em alva; e assim se subiu junto com altar, em uma cadeira. Ali nos pregou do Evangelho e dos Apóstolos, cujo dia hoje é, tratando, ao fim da pregação, deste vosso prosseguimento tão santo e virtuoso, o que nos aumentou a devoção. Esses, que à pregação sempre estiveram, quedaram-se como nós olhando para ele. E aquele, que digo, chamava alguns que viessem para ali. Alguns vinham e outros iam-se. E, acabada a pregação, como Nicolau Coelho trouxesse muitas cruzes de estanho com crucifixos, que lhe ficaram ainda da outra vinda, houveram por bem que se lançasse a cada um a sua ao pescoço. Pelo que o padre frei Henrique se assentou ao pé da Cruz e ali, a um por um, lançava a sua atada em um fio ao pescoço, fazendo-lha primeiro beijar e alevantar as mãos. Vinham a isso muitos; e lançaram-nas todas, que seriam obra de quarenta ou cinquenta. (CAMINHA)

A aproximação do indígena com os descobridores, como relata o próprio escrivão da armada foi bastante pacífica e hospitaleira. Aos olhos dos índios os recém-chegados poderiam ser emissários dos céus. Essa reverência inconsciente abria brechas nas defesas da cultura nativa, pelo respeito que tinham ao que imaginavam ser enviados dos deuses. Um mito conhecido entre os indígenas daquela época facilitava a absorção, por parte deles das

tradições do homem branco. O mito do herói civilizador. O papel atribuído pelos tupinambás aos seus civilizadores corresponde, aproximadamente, à função que as sociedades mais adiantadas imputam aos deuses (METRAUX, 1979, p. p. 1). A identificação do visitante branco com o herói civilizador salta aos olhos, sendo confirmada, aliás, pelo nome de Maira, que os tupinambás davam aos conquistadores. Os traços europeus que os povos americanos emprestavam ao seu herói-civilizador - Viracocha, Sumé e outros - constituem elementos superpostos, posteriormente, ao mito primitivo, sugeridos pela convicção da volta do ancestral lendário. (METRAUX, 1979, p. p. 11)

É claro que projetando uma presença de superioridade pelas suas vestes, armas, navios e barcos, etc. o colonizador passava a ser visto inicialmente como um deus, um enviado de Toupã. A similaridade dos dogmas católicos com os mitos indígenas, por exemplo, o das origens do mundo e dos seres humanos; a confusão do milagre dos santos com a magia dos antepassados abria brechas na resistência cultural dos índios frente ao contato com a cultura religiosa colonizadora. Mas não foi de mão única essa influência. O colonizador, muita vez um indivíduo ignorante e supersticioso, logo cedeu lugar em suas crenças para um nicho de misticismo quase totêmico, integrando rituais indígenas com práticas católicas, convivendo com expressões mediúnicas do contato dos indígenas com seus antepassados e a constante presença dos espíritos nos afazeres comuns do cotidiano.

Após a descoberta do Brasil, o contato com a colônia era muito raro, haja vista as tentativas do governo português para incentivar a colonização, despejando aqui degredados e interesseiros de toda sorte e criando feitorias por doação de terras a quem quisesse se aventurar por aqui. E poucos queriam. Havia uma necessidade urgente de se adaptar. Vir para o Brasil era uma viagem sem volta, mormente para aqueles que não tinham nem dinheiro, nem mais propriedades na sede da colônia. Assim, os que ficaram, longe do reforço indispensável das missas e homilias, buscaram no universo indígena o remédio natural e o conforto para as suas doenças, sempre, é claro, acompanhado de "ritualismos terapêuticos". A influência sentida na língua, nos nomes de cidades e pessoas, na alimentação e nas rudimentares técnicas de construção e plantio foi impondo um proceder cada vez mais indígena aos pioneiros da colonização. Posteriormente, com a vinda dos negros da África, uma nova e poderosa influência se fez sentir na religiosidade do brasileiro. Os africanos que aqui chegaram já tinham uma tradição religiosa milenar. Essa tradição estava ligada a tudo o que se fazia: plantar, comprar, vender, possuir, comemorar, etc. Uma tradição com essa força e longevidade se torna razoavelmente resistente ao contato com outras culturas.

Na mistura resultante da convivência entre duas ou mais culturas diferentes vai se medir o poder de "influenciar" ou "ser influenciado" pela frequência que determinado costume de uma determinada cultura está presente nos costumes de outra cultura. Também vai depender da permeabilidade que uma cultura apresenta no contato com outra ou, das "lacunas" em seu universo de representações que possam ser preenchidos pelas representações de outra cultura. "A ação ou o pensamento religioso ou "mágico" não pode ser apartado, portanto, do círculo das ações cotidianas ligadas a um fim, uma vez que também seus próprios fins são, em sua grande maioria, de natureza econômica" (WEBER, 2004, p. p. 279). Ou, como refere Gilberto Freire:

Vencedores no sentido militar e técnico sobre as populações indígenas; dominadores absolutos dos negros importados da África para o duro trabalho da bagaceira, os europeus e seus descendentes tiveram, entretanto de transigir com índios e africanos quanto às relações genéticas e sociais. (FREYRE, 2003, p. 32).

O Espiritismo francês haveria de encontrar berço adotivo nesse emaranhado de crenças. Importado em um idioma que poucos falavam, as obras originais francesas dependiam dos mediadores que pudessem traduzir seus ensinamentos. Isso justifica, em parte, o fato de o Espiritismo ser conhecido primeiro entre as classes mais eruditas. No início do Espiritismo no Brasil o exército, a marinha, a maçonaria, a homeopatia e o magnetismo serviram de ambiente de acolhimento para as ideias espíritas tendo em vista que muitos espíritas eram militares, maçons e magnetistas. Tudo pelo contato que as elites brasileiras tinham com as elites culturais francesas e também, tendo em vista as missões militares que a França enviou ao Brasil, nesse período.

Entre os militares do fim do império havia aqueles que se identificavam com as ideias de liberdade e de república. Não foi por acaso que o primeiro presidente da Federação Espírita Brasileira foi um militar: o Marechal Francisco Raimundo Ewerton Quadros.